Consultor Jurídico

sábado, 23 de maio de 2015

EXECUÇÃO PENAL - DROGAS ENCONTRADAS DENTROS CELA - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE CASTIGO COLETIVO - NÃO HOMOLOGAÇÂO DE FALTA GRAVE

Dentro de uma das celas do Presídio Regional de Nanuque/MG foi encontradas drogas e aparelho celular, mas não se apurou a qual dos detentos pertenciam.
O Conselho Disciplinar aplicou a falta grave impondo ao preso 30 (trinta) dias de sanção.
Ao ser levado em Juízo, na vara de execuções penais, o MM Juiz não homologou a falta grave, pois não se admite a aplicação de castigo coletivo e sob o argumento de que a pena não pode passar da pessoa do acusado. Vejam a sentença : 

D E C I S Ã OTrata-se da análise da possibilidade de HOMOLOGAÇÃO DE FALTA GRAVE referente ao reeducando XXXXXXXXXXXXXXXXX
O condenado cumpre pena no regime fechado, conforme atestado de pena de f. 212, entretanto, foi acusado pelo Ministério Público de ter cometido falta grave, consistente em anuir com o tráfico de drogas, ocorrido dentro do estabelecimento prisional, incorrendo na falta grave descrita no  artigo 50, I da LEP.
Segundo consta na ata do conselho disciplinar de ff. 203/205, no dia 25 de novembro de 2014, agentes penitenciários realizaram o procedimento conhecido como “bate cela”, consistente na busca minuciosa por materiais ilícitos dentro do estabelecimento prisional, logrando êxito na apreensão de quatro invólucros de maconha, escondidos no teto da cela de nº 04, bem como um aparelho celular,
um cabo USB, carregador e baterias. Na oportunidade, nenhum dos reeducandos, alojados na referida cela, assumiu a propriedade da droga apreendida.
Ouvido perante o conselho disciplinar, o reeducando em questão negou a propriedade da droga, além de afirmar que tomou conhecimento dos ilícitos apreendidos no momento em que foi prestar declarações perante o conselho (f. 204). De igual modo, quando foi ouvido em audiência, o reeducando disse que: 

 “estava preso na cela há três anos e meio; que por conta desse fato
pediu para ser trocado para a cela 01; que no dia que foi inquirido pela
comissão processante foi cientificado que foram apreendidos na cela
drogas e um aparelho celular; que não viu ninguém usando a droga ou
celular” (f. 222).

O Ministério Público pugna pelo reconhecimento e homologação da falta grave. Argui que é dever do reeducando se opor aos movimentos individuais e coletivos de fuga ou subversão à ordem, estabelecido do artigo 39 da LEP. Entende o Parquet que o reeducando anuiu com a prática criminosa ao não fornecer informações que possibilitassem o esclarecimento dos fatos, aderindo a movimento de subversão da ordem e disciplina, o que é proibido pelo artigo 50 da LEP (ff. 244/245).

A defesa apresentou alegações finais às ff. 250/254, alegando que a autoria não foi evidenciada, não podendo ser atribuída ao sentenciado. Afirma que o ônus da prova cabe a quem acusa e que o caso em questão, trata-se de acusação coletiva. Requer, ao final, a não homologação da falta grave.

Compulsando detidamente os autos, entendo que razão assiste a defesa. Os agentes penitenciários não lograram êxito em identificar o real proprietário das drogas apreendidas e do aparelho celular apreendido. Sendo certo que foi encontrada no teto da cela 04, e, nenhum dos detentos assumiu a propriedade da droga. Nesse sentido, a impossibilidade de identificar qual reeducando introduziu as substâncias ilícitas no estabelecimento prisional, não pode servir como base para condenar por falta grave todos os sentenciados que cumprem pena na referida cela, sob pena de violação ao artigo 45, § 3º da lei 7.210/84 que veda as sanções
coletivas.

Sobre o tema leciona Guilherme de Souza Nucci:

“Um dos mais caros princípios penais é o da responsabilidade pessoal ou da personalidade (art. 5º, XLV, CF), significando que a “pena não passará da pessoa do condenado”. Ora, da mesma forma e em idêntico prisma, deve-se buscar que a sanção disciplinar não ultrapasse a pessoa do infrator. Logo, é vedada a aplicação de sanção coletiva” (Leis Penais e Processuais penais comentadas, p. 217, 6 ed. ver., atual. e ampl., são Paulo, editora revista dos tribunais, 2012).
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Também é esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. AGRAVO EM EXECUÇÃO. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) FALTA GRAVE. HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO. SANÇÃO COLETIVA. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. (3) WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (…) 2. É ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado. (…) (HC 292.869/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 29/10/2014).

Com efeito, não há nos autos provas robustas acerca da autoria da infração supostamente cometida. É certo que foi apreendida drogas e aparelho celular na cela em que o reeducando se encontrava. Porém, não há qualquer prova de que a droga ou o celular pertenciam ao reeducando. Assim, diante da falta de prova acerca da autoria, não há como se reconhecer a prática de falta grave. Nesse sentido decidiu o egrégio TJMG. Veja-se:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. ANOTAÇÃO DE FALTA GRAVE. POSSE DE DROGA. MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO COMPROVADAS. AUSÊNCIA DE LAUDO TOXICOLÓGICO. INSUFICIÊNCIA DE PROVA JUDICIALIZADA DA AUTORIA. REFORMA DA DECISÃO PRIMEVA. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. A inexistência de laudo
toxicológico impede o reconhecimento da falta grave pela posse de drogas, ante a não comprovação da natureza da substância apreendida. Não havendo provas judicializadas da autoria da conduta
indisciplinar supostamente cometida pelo agravante, impõe-se a exclusão da falta grave anotada e, consequentemente, o restabelecimento do status quo ante da execução penal. (TJMG - Agravo em Execução Penal 1.0313.13.000125-5/001, Relator(a): Des. (a) Nelson Missias de Morais, 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 17/07/2014, publicação da súmula em 28/07/2014).

Com efeito, era ônus do Ministério Público comprovar que o réu era o proprietário dos materiais apreendidos ou, ao menos, que tivesse ciência de sua existência e que dolosamente de qualquer
forma concorreu para a prática da infração. Entrementes, o Ministério Público não logrou êxito em fazer prova dessa circunstância.

Diante de todo o exposto, NÃO HOMOLOGO a falta grave noticiada às ff. 203/205.

Intime-se o Ministério Público e a douta defesa.

Expeça-se ofício ao Diretor do PRN comunicando, bem como para retirar a falta grave mencionada nestes autos do atestado carcerário do reeducando.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se (o MP, o advogado e o condenado).

Intime-se a defesa para apresentar novo calendário para análise da saída temporária pleiteada às ff. 223/228.

Após, vista ao Ministério Público sobre os pedidos de ff. 223/228 e de ff. 247/248. Cumpra-se com a urgência que o caso requer.

Nanuque, 21 de maio de 2015.
EDSON ALFREDO SOSSAI REGONINI
Juiz de Direito