Consultor Jurídico

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

NOTAS DE EMPENHO - COMPROVAÇÃO - LIQUIDAÇÃO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. MUNICÍPIO DE NANUQUE. SUPOSTA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. CLÍNICA MÉDICA. ÔNUS DA PROVA. ART. 373 DO CPC. AUSÊNCIA DE PROVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. ALGUMAS NOTAS DE EMPENHO E NOTAS FISCAIS SEM ASSINATURA. A teor do artigo 373 do Código de Processo Civil/2015, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. A realização da prestação de serviço de saúde deve ser comprovada mediante assinatura nas notas de empenho e/ou notas fiscais, com canhotos de recebimento devidamente assinados ou de algum outro documento hábil que possa fundamentar a ação de cobrança. Evidencia-se que a juntada de notas de empenho e notas fiscais sem assinatura (emitidas de forma unilateral), não é suficiente para comprovar a efetiva prestação de serviços de saúde. Logo, apenas as notas de empenho devidamente assinadas pelo tomador de serviço têm o condão de comprovar a efetiva prestação de serviços, para satisfazer a pretensão autoral. Recurso conhecido e parcialmente provido. AP CÍVEL/REM NECESSÁRIA Nº 1.0443.16.003751-3/001 - COMARCA DE NANUQUE - REMETENTE: JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E DA INFÂNCIA E DAJUVENTUDE DA COMARCA NANUQUE - APELANTE(S): MUNICÍPIO DE NANUQUE - APELADO(A)(S): SEMED SERVIÇO MÉDICO ESPECIALIZADO LTDA A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. JD. CONVOCADO FÁBIO TORRES DE SOUSA RELATOR. JD. CONVOCADO FÁBIO TORRES DE SOUSA (RELATOR) V O T O Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Nanuque em face da sentença de fls. 73/80, proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Nanuque nos autos da Ação Ordinária de Cobrança ajuizada por SEMED Serviço Médico Especializado Ltda. No provimento, o juízo a quo julgou procedente o pedido autoral, a fim de condenar o Município de Nanuque a pagar à parte autora a quantia de R$108.029,00 (cento e oito mil e vinte e nove centavos), sobre a qual deve incidir a correção monetária desde o inadimplemento, conforme índice divulgados pelo IPCA-E e juros moratórios a partir da citação, segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, por se tratar de relação jurídica não-tributária. Em suas razões recursais, apresentadas às fls. 73/80, o apelante aduz que o empenho, por si só, não serve como título executivo, sendo necessária que se faça a liquidação, para então haver o dever de se pagar. Assevera que a liquidação é a etapa mais importante para a administração pública, tendo em vista que é nesse momento que se atesta realmente que o serviço ou o bem foi devidamente entregue. Sustenta existência de empenhos irregulares, pois inexistem assinaturas em todos os campos, não havendo assinatura no campo de liquidação, além de notas fiscais sem a assinatura do recebedor, o que deixa dúvidas se foram efetivados. Conclui que as notas fiscais não possuem assinatura de qualquer pessoa atestando a realização dos exames, o que leva a entender que não há provas efetivas da prestação de serviço. Requer a reforma da sentença, para julgar improcedente o pedido inicial. Contrarrazões às fls. 83/87, nas quais a parte recorrida argumenta pela manutenção da sentença. Eis o relatório. Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade. Ausentes questões preliminares, passo à análise do mérito. Na seara meritória, extrai-se dos autos que SEMED Serviço Médico Especializado Ltda ingressou com Ação Ordinária de Cobrança em face do Município de Nanuque, pleiteando a condenação do equivalente a R$ R$108.029,00 (cento e oito mil e vinte e nove centavos), devidamente corrigidos. O juízo a quo julgou procedente o pedido autoral, a fim de condenar o Município de Nanuque a pagar à parte autora a quantia de R$108.029,00 (cento e oito mil e vinte e nove centavos), sobre a qual deve incidir a correção monetária desde o inadimplemento, conforme índice divulgado pelo IPCA-E e juros moratórios a partir da citação, segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, por se tratar de relação jurídica não-tributária. Inconformado, sustenta, em síntese, o Município de Nanuque, existência de empenhos irregulares, pois inexistem assinaturas em todos os campos, não havendo assinatura no campo de liquidação, além de notas fiscais sem a assinatura do recebedor, o que deixa dúvidas se foram efetivados. Consoante o artigo 373 do Código de Processo Civil/2015, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Sobre o ônus da prova, convém registrar o entendimento manifestado por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Ônus de provar. A palavra vem do latim, onus, que significa cargo, fardo, peso, gravame. Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte. (omissis...) O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. O sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim quem assume o risco caso não se produza.” (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. in Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 727). A respeito, cite-se, ainda, a lição Daniel Amorim Assumpção Neves: “Segundo a regra geral estabelecida pelos incisos do art. 373 do Novo CPC, cabe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, ou seja, deve provar a matéria fática que traz em sua petição inicial e que serve como origem da relação jurídica deduzida em juízo. Em relação ao réu, também o ordenamento processual dispõe sobre ônus probatórios, mas não concernentes aos fatos constitutivos do direito do autor. Naturalmente, se desejar, poderá tentar demonstrar a inverdade das alegações de fato feitas pelo autor por meio de produção probatória, mas, caso não o faça, não será colocado em situação de desvantagem, a não ser que o autor comprove a veracidade de tais fatos. Nesse caso, entretanto, a situação prejudicial não se dará em consequência da ausência de produção de prova pelo réu, mas sim pela produção de prova pelo autor.” (NEVES.Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único.8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p.657) Entretanto, no caso dos autos, a autora não obteve êxito na totalidade referente aos fatos constitutivos do seu direito. Em análise detida dos autos, extrai-se que não há qualquer assinatura nas notas de empenho de f. 43 (no valor de R$28.556,00), de f. 45 (no valor de R$4.638,00), de f. 47 (no valor de R$21.186,00), de f. 49 (no valor de R$4.560,00), de f. 51 (no valor de R$26.999,00). Desse modo, sendo tais notas de empenho emitidas de forma unilateral, por si só, não são suficientes para comprovar a efetiva prestação dos serviços de saúde, principalmente se não há nos autos provas de que os serviços foram efetuados. Embora a autora tenha juntado cópia do instrumento contratual às fls. 24/39, tendo em vista a ausência de aceite do município nas notas de empenho acima relacionadas, verifica-se a impossibilidade de acatar tal cobrança, nos moldes pleiteados. Lado outro, verifica-se à f. 41 nota de empenho (no valor de R$19.831,00 - assinada pelo Secretário Municipal de Saúde Maria Célia Vieira de Oliveira), à f. 53 (no valor de R$4.612,00 – assinada pelo Secretário Municipal de Saúde Jason Nilton Santos) e à f. 55 (no valor de R$12.657,00 - assinada pelo Secretário Municipal de Saúde Jason Nilton Santos), totalizando o equivalente a R$37.100,00 (trinta e sete mil e cem reais). No caso dos autos, apenas as notas de empenho de fls. 41, 53 e 55 têm o condão de comprovar a efetiva prestação de serviços, para satisfazer a pretensão da autora. Desse modo, as notas de empenhos e notas fiscais emitidas pela empresa autora, desprovidas de assinatura do tomador do serviço, configuram um documento unilateral, incapaz de comprovar a devida prestação dos serviços. Logo, depreende-se que não há nos autos prova inequívoca da efetiva prestação dos serviços conforme pleiteada na inicial, não podendo o pedido ser julgado totalmente procedente. Em caso similar, essa Egrégia Câmara já teve oportunidade de decidir: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. MUNICÍPIO DE BOA ESPERANÇA. SUPOSTA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. CIRURGIA DE MUNÍCIPE. ÔNUS DA PROVA. ART. 373 DO CPC. AUSÊNCIA DE PROVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. NOTA FISCAL. SEM ASSINATURA. SENTENÇA MANTIDA. A teor do artigo 373 do Código de Processo Civil/2015, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. A realização da prestação de serviço de saúde deve ser comprovada mediante assinatura nas notas fiscais, com canhotos de recebimento devidamente assinados ou de algum outro documento hábil que possa fundamentar a ação de cobrança. Evidencia-se que a juntada de nota fiscal sem assinatura (emitida de forma unilateral), não é suficiente para comprovar a efetiva prestação de serviços de saúde (procedimento cirúrgico). Recurso conhecido e não provido.” (TJMG - Apelação Cível 1.0071.14.003771-5/001, Relator(a): Des.(a) Gilson Soares Lemes , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/10/2018, publicação da súmula em 12/11/2018) (grifou-se) No mesmo sentido: “APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS HOSPITALARES. PROVA DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DOCUMENTO UNILATERAL. LITISDENUNCIAÇÃO. REVELIA DA LITISDENUNCIADA. INVEROSSIMILHANÇA DA TESE DO LITISDENUNCIANTE. AUSÊNCIA DE PROVA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS IMPROVIDOS. - A teor do art. 408 do CPC de 2015, o documento particular, se não assinado pela contraparte, constitui prova apenas em relação à pessoa que o produziu. Para que sirva de prova contra outrem, deverá ser colhida sua assinatura. - Nos termos do art. 345, IV do CPC de 2015, a revelia da litisdenunciada não implica presunção de veracidade da tese do denunciante nos casos em que se revelar inverossímil.” (TJMG - Apelação Cível 1.0024.09.750622-4/001, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/06/2019, publicação da súmula em 28/06/2019) (grifou-se) “Apelação cível - Ação ordinária de cobrança - Prestação de serviços - Notas ficam - Assinatura, notas de empenho e liquidação - Ausência - Pagamento indevido - Recurso ao qual se dá provimento. 1. A existência do empenho é necessária para configurar a obrigação e a liquidação somente será realizada após a devida prestação do serviço. 2. Inexistindo comprovação da efetiva prestação do serviço mediante nota de empenho com liquidação, não há falar no pagamento do valor constante das notas fiscais, ainda que estivessem firmadas por servidor competente.” (TJMG - Apelação Cível 1.0120.16.000193-5/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo Rodrigues , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/02/2018, publicação da súmula em 28/02/2018) (grifou-se) Diante de tais considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, para condenar o Município de Nanuque a pagar à parte autora apenas o equivalente às notas de empenho de fls. 41, 53 e 55, totalizando o equivalente a R$37.100,00 (trinta e sete mil e cem reais), incidindo a correção monetária a partir da data do inadimplemento, pelo IPAC-E, juros a partir da citação, nos termos 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09. Custas integralmente pela apelante, diante da sucumbência mínima da parte apelada. Observo que o MM. Juiz não fixou honorários em primeiro grau, porque a ação não foi contestada, matéria que não foi objeto do recurso competente por parte da requerente. Entretanto, em obediência ao disposto no art. 85, §11 do CPC/2015, fixo os honorários recursais em 2% do valor atualizado da causa. DESA. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO - De acordo com o(a) Relator(a). DES. ALEXANDRE SANTIAGO - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO"

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

FURTO MAJORADO – PREJUÍZO PATRIMONIAL IRRELEVANTE – ATIPICIDADE MATERIAL DO FATO – APLICAÇÃO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – ADMISSIBILIDADE NO CASO CONCRETO – OFENSA PATRIMONIAL IRRELEVANTE.

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – FURTO MAJORADO – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO – ESTADO DE NECESSIDADE – FURTO FAMÉLICO NÃO EVIDENCIADO. MAJORANTE DO REPOUSO NOTURNO CONFIGURADA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O furto famélico consiste em uma pessoa, que em estado de extrema penúria, com necessidade de se alimentar ou alimentar sua família, subtrai algo para suprir a fome. 2. Comprovado nos autos que o réu subtraiu tão somente para financiar o seu vício de drogas, não há que se falar em furto famélico e possível aplicação do estado de necessidade. 3. Incide a majorante do repouso noturno quando o crime é praticado durante a madrugada, independentemente se o local se encontrava habitado ou desabitada. V.v. FURTO MAJORADO – PREJUÍZO PATRIMONIAL IRRELEVANTE – ATIPICIDADE MATERIAL DO FATO – APLICAÇÃO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – ADMISSIBILIDADE NO CASO CONCRETO – OFENSA PATRIMONIAL IRRELEVANTE. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0443.17.000400-8/001 - COMARCA DE NANUQUE - APELANTE(S): JOEL MOREIRA DA SILVA - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A C Ó R D à O Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, por maioria, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. DES. JÚLIO CÉSAR LORENS RELATOR DES. JÚLIO CÉSAR LORENS (RELATOR) V O T O 1 – RELATÓRIO Perante o Juízo da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Nanuque/MG, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS ofereceu denúncia contra JOEL MOREIRA DA SILVA, pela prática do delito capitulado no art. 155, § 1º, do CP, noticiando que, no dia 21 de janeiro de 2017, por volta das 03h, o denunciado, durante o repouso noturno, subtraiu um celular pertencente à vítima G.P.T. Após o trâmite processual, sobreveio a sentença de fls. 92/96, que, julgando procedente a pretensão punitiva estatal, condenou o réu como incurso nas sanções do art. 155, § 1º, do CP, aplicando-lhe as penas de 01 (um) ano, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto e 14 (quatorze) dias-multa. Inconformado, o denunciado interpôs recurso de apelação (fls. 111/113), requerendo o reconhecimento do furto famélico ou decote da causa de aumento do repouso noturno. Em contrarrazões de fls. 114/128, o Parquet pugnou pelo não provimento do recurso, ao que aquiesceu a douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 132/134. É o relatório. 2 – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. 3 – FUNDAMENTAÇÃO Inexistindo questionamentos preliminares e não vislumbrando nos autos qualquer irregularidade ou nulidade que deva ser declarada de ofício, passo à análise do mérito do recurso. Inicialmente, registre-se que a materialidade e autoria do crime de furto estão sobejamente demonstradas e sequer foram objeto de recurso pelas partes. Absolvição pelo reconhecimento do estado de necessidade: Pleiteia a defesa a absolvição do réu em face da caracterização do furto famélico (estado de necessidade), argumentando, em síntese, que embora o apelante não tenha perpetrado o delito para saciar sua fome, naquele momento, era a única forma de saciar seu vício, tendo subtraído o celular para trocá-lo por droga. Todavia, não vejo como acolher tal pleito. Como se sabe, age em estado de necessidade o agente que pratica o fato para se salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. O furto famélico, dessa forma, trata-se da ação daquele que se encontra em tamanho estado de penúria, que basicamente subtrai coisa alheia móvel para saciar sua forme ou de sua família. No caso em questão, conforme se extrai pelas provas dos autos, o agente subtraiu o aparelho celular para trocá-lo por uma pedra de crack, a fim de saciar seu vício. (F. 81 – mídia audiovisual). Ante tais considerações, não restou comprovada a alegada condição de miséria do apelante, pois, consoante já exposto, não há provas concretas de ter o réu praticado o delito movido pela fome, mas tão somente para financiar seu vício em entorpecentes. Saliente-se, ademais, que sequer existem provas nos autos de que o réu, em razão de sua dependência química, ou sob o efeito, era, ao tempo da ação, inteiramente incapaz entender o caráter ilícito de sua ação e a impossibilidade de agir de maneira diversa. Decote da majorante do repouso noturno: Melhor sorte não assiste a defesa quanto ao pedido de decote da majorante do repouso noturno. Como se sabe, a causa de aumento prevista no art. 155, § 1º, do CP, tem por objetivo punir de forma mais severa o agente que se aproveita do menor poder de vigilância da vítima sobre o seu patrimônio durante aquele período, de forma que se torna irrelevante o fato de se tratar de estabelecimento comercial ou de residência, habitada ou desabitada, bem como o fato de a vítima estar efetivamente repousando. In casu, restou suficientemente comprovada, especialmente pela prova oral colhida (f. 81 – mídia audiovisual), que a subtração do celular ocorreu enquanto a vítima dormia, aproveitando-se o réu de seu momento de repouso, oportunidade na qual não possuía nenhuma capacidade de vigilância, sendo irrelevante o fato de o apelante estar no interior do imóvel com a autorização do proprietário. Destarte, evidenciado que o réu se aproveitou do menor poder de vigilância da vítima sobre o seu patrimônio, durante aquele período, para praticar o delito, deve ser mantida a incidência da causa de aumento referente ao repouso noturno. Quanto ao mais, verifica-se que a pena foi corretamente aplicada, não merecendo qualquer reparo. 4 – DISPOSITIVO Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO. Custas na forma da lei. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO (REVISOR) Rogando vênia ao eminente Relator, reafirmo meu entendimento de que o princípio da insignificância, como instrumento corretivo da larga abrangência formal dos tipos penais, é aplicável no ordenamento jurídico brasileiro, decorrendo a possibilidade de sua incidência do arcabouço constitucional, em especial da vertente político-criminal traçada na Constituição Federal, acolhedora de um Direito Penal que intervenha na medida do necessário e que maximize as garantias, com efetivação dos princípios constantes do art. 5º da Magna Carta. Assim, perfeitamente possível o emprego da insignificância, que decorre, inclusive, do princípio da lesividade ou da ofensividade, contido implicitamente no art. 5º, XXXIX, da Lei Suprema, e no art. 13 do Código Penal. O princípio da insignificância, como é de sabença para aqueles que militam na esfera jurídico-penal, é aplicável aos chamados crimes de bagatela e, na estrutura do conceito analítico de crime, afeta a tipicidade, afastando-a, em virtude da ausência de lesividade ao bem jurídico-penalmente tutelado. Portanto, inexistente o conteúdo material revelador da tipicidade penal, o fato será atípico, e não haverá hipótese de análise dos demais requisitos do delito, quais sejam, a antijuridicidade e a culpabilidade. O exame da danosidade gerada pela conduta formal descrita no tipo ao bem jurídico protegido prescinde da análise de eventual reincidência ou maus antecedentes do autor do fato, porquanto o passado judicial não é circunstância a ser objeto de apreciação para a configuração ou não da tipicidade penal. Então, independentemente de o recorrido possuir ou não antecedentes judiciais, caso inexista a ofensividade ao interesse jurídico-penalmente tutelado, inexistirá tipicidade penal. Questiona-se: para a instauração do respectivo inquérito e o recebimento da denúncia, basta a tipicidade formal ou se impõe a existência da tipicidade material? Malgrado a existência de posições doutrinárias e jurisprudenciais contrárias, considero, a teor do disposto no art. 41 do Estatuto Processual Penal, que a denúncia ofertada pelo Ministério Público, ou a queixa-crime oferecida pelo querelante, só deve ser recebida se houver indícios veementes acerca da presença dos atributos do crime, pois o referido dispositivo penal faz constar, entre os requisitos da peça acusatória, “a descrição circunstanciada do fato criminoso”. Ora, entende-se por fato criminoso aquele que, ao menos indiciariamente, seja típico, antijurídico e culpável, acolhendo-se a posição tripartite majoritária na doutrina pátria e alienígena sobre o conceito dogmático de crime. Pensar e advogar a tese contrária constitui, além de má interpretação da lei processual penal orientada constitucionalmente, grave agressão à tese de que a ação penal somente deve ser intentada quando houver justa causa, consistente esta em uma quarta condição da ação criminal, absolutamente necessária para o começo da actio, pois “o só ajuizamento da ação penal condenatória já seria suficiente para atingir o estado de dignidade do acusado, de modo a provocar graves repercussões na órbita de seu patrimônio moral, partilhado socialmente com a comunidade em que desenvolve as suas atividades” (Afrânio Silva Jardim, Direito Processual Penal, 8ª edição, Forense, 1999, p. 54). Destarte, considero ser somente possível o recebimento da denúncia se houver indícios críveis no sentido da existência de crime, com todos os requisitos que um fato delitivo há de possuir. A ausência de tipicidade penal acarreta a inexistência de crime, ocasionando a impossibilidade de recebimento da peça acusatória. Ressalto, ainda, que descabe, no juízo de lesividade da conduta balizador da insignificância penal, análise de requisitos referentes à pessoa do agente, como os antecedentes criminais. É que a vertente pela qual trafega o princípio da insignificância é da lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal, estando, portanto, delineado, na insignificância, o conteúdo material do tipo, referente à um critério objetivo: o grau de ofensa ao valor tutelado pelo preceito incriminador. Aqui não se trata de um desvalor ético-social da conduta, pertencente ao princípio da adequação social, mas, sim, à ofensividade do fato praticado pelo agente. Está, portanto, em parâmetros mais seguros o princípio da insignificância, o que levou, inclusive, Zaffaroni - Manual de Direito Penal Brasileiro, ed. RT – a criticar, com veemência, o supracitado princípio da adequação social, por não se encontrar devidamente delineado. Assim, o conteúdo da tipicidade material independe de análise de circunstâncias pessoais, mesmo porque, se assim fosse possível, estaríamos retornando com o antigo tipo penal do autor de Mezger, onde o caráter criminoso de uma conduta sobressaía não pelo fato praticado, mas, pelas características do seu autor. Francisco de Assis Toledo, citando Maurach, lembra que este tipo normativo do autor fundamentou períodos desastrosos na história da humanidade, sendo o seu mais famoso exemplo o nacional-socialismo alemão, criador da cultura nazista- Princípios Básicos de Direito Penal, p. 236. Explica, ainda, o citado jurista: Filiada historicamente a uma concepção do direito penal do autor, está, sem dúvida, a denominada “culpabilidade do autor” (Täterschuld), como também a teoria do “tipo de autor” (Dahm, Mezger etc). Desde que se entendeu que o direito penal devia colocar o foco sobre a pessoa do autor, com absoluta primazia, e não sobre o fato isolado, sobre o injusto típico, seria inevitável procurar-se um novo fundamento para a culpabilidade, pois também esta deixaria de ser a culpabilidade do fato isolado para erigir-se em culpabilidade de autor. Dentro desta concepção, culpável não mais será o fato do agente, mas o próprio agente pelo seu “modo de ser”, pelo seu caráter etc. (Princípios básicos de Direito Penal, ed. Saraiva, p. 237) Não há dúvida, a meu sentir, que, se vinculado o juízo de tipicidade de uma conduta aos antecedentes do réu, o que, em última análise significa dizer que o conceito de crime passa a ser definido também tendo em vista a pessoa que praticou a conduta, estaremos regredindo ao direito penal do autor em detrimento ao direito penal do fato e da culpabilidade. Esclareça-se, contudo, que a impossibilidade de considerar a reincidência como critério exclusivo para se afastar a incidência da insignificância penal que trafega por parâmetros objetivos de lesividade, não a impede de ser usada como elemento verificador da função preventiva que norteia a aplicação do indigitado princípio, porquanto se reconhece a insignificância penal, enquanto importante vetor político- criminal, devendo ser utilizada com rigor científico, atendendo-se às peculiaridades do caso concreto. Uma última indagação se impõe, agora sobre o caso concreto: a subtração configura, ou não, uma lesão insignificante ao patrimônio da vítima? A meu entender, a res furtiva (avaliada em aproximadamente em noventa reais) não representa valor patrimonial relevante a permitir a atuação do Direito Penal, em se tratando de conduta insignificante. Assim, absolutamente correto, ao meu compreender, o não processamento da ação penal, porque, realmente, é o caso de ninharia, e em se tratando de crime de bagatela, não se pode movimentar a máquina judiciária por força de ninharias, sendo mister que o fato demonstre, ao menos indiciariamente, os requisitos delitivos, hipótese inocorrente no caso em comento. Acrescente-se que o Direito Penal, em virtude da linha político-criminal traçada na Constituição da República, visa à proteção de bens jurídicos, devendo estes ser considerados como interesses relevantes e que imponham a intervenção de tal instrumento. No caso em tela, como dito, a necessidade da intervenção penal não foi demonstrada. Feita essa ressalva, rogando vênia ao culto Relator, DOU PROVIMENTO AO RECURSO PARA ABSOLVER O ACUSADO, COM FULCRO NO ART. 386, III, DO CPP. Deixo de determinar a expedição do competente alvará de soltura, eis que conferido o direito de o increpado recorrer em liberdade (f. 96). Cumpra-se com o disposto no art. 201, §§ 2º e 3º, do CPP. Sem custas. É como voto. DES. EDUARDO MACHADO - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"