Autos Nº: 0017727-37.2018.8.13.0443
Autor: Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Réus: Adilson de Jesus Lopes e Célia José Soares
Incidência Penal: Artigo 33, “caput”,
e artigo 35, ambos da Lei 11.343/06, c/c artigo 180
do Código Penal.
SENTENÇA
1. Relatório
Segundo a exordial acusatória apresentada
pelo Ministério Público, no dia 26 de abril de 2018, por volta das 09 horas, na
Rua Bela Emília, nº 30, Bairro Isadélfia Ferraz, nesta cidade, os denunciados
Adilson de Jesus Lopes e Célia José Soares foram surpreendidos por policiais
militares quando tinham drogas em sua residência para fins mercantis.
Segundo a acusação, os denunciados, que
vivem em união estável, ao perceberem a aproximação da guarnição da Polícia
Militar, tentaram fugir para o interior da residência dispensando algo.
Apurou-se que a acusada Célia teria dispensado um invólucro contendo 17 buchas
de maconha, enquanto o objeto arremessado por Adilson se tratava de uma bucha
da mesma substância.
Ato contínuo, em diligências no interior
da morada dos imputados, os agentes policiais encontraram uma balança de
precisão, uma arma de fabricação artesanal, dois tabletes de maconha e uma TV
32 polegas.
Ainda conforme a acusação, a referida
televisão foi adquirida pela acusada Célia
José Soares ciente ser produto de furto.
A denúncia veio acompanhada do inquérito
policial inciado por Auto de Prisão em Flagrante às fls. 02/07; boletim de
ocorrência às fls. 11/16;
Auto de Apreensão às fls. 31/32; exame de
constatação preliminar e definitivo de drogas. Exame de constatação preliminar
e definitivo de drogas, respectivamente às fls. 37/39 e fls. 114/116.
A denúncia foi recebida no dia
22/10/2018, conforme decisão à fl. 154.
Respostas à acusação às fls. 117 e fls.
122/126; Termo de Audiência às fls. 173/174 e à fl. 190. Alegações Finais do
Ministério Público às fls. 198/202, em cujo ambiente pede a condenação dos
acusados pelos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e
receptação; da defesa da acusada Célia José Soares às fls. 217/220 e do acusado
Adilson de Jesus Lopes às fls. 231/251.
Conclusos os autos, passo à decisão.
2.
Fundamentação
Compulsando os autos, verifica-se que as
condutas imputadas aos acusados, pessoas biopsicologicamente imputáveis,
afiguram-se, no plano abstrato, penalmente típicas e ilícitas. Cuida-se, pois,
de injustos penais.
Nada obstante, as provas que sustentam as
condutas denunciadas não se revestem da necessária legitimidade para assegurar
a lisura do devido processo legal e da decisão justa.
Malgrado a incursão policial no interior
da residência, sem mandado judicial, estar amparada constitucionalmente pela
existência do flagrante delito, além das situações necessárias à prestação de
socorro, conforme disposições do artigo 5º, inciso XI, da CF/88, não prescinde
da retidão do procedimento que precede a entrada em casa alheia, sob pena de
violação aos mencionados preceitos legais.
É certo que o ato detentivo, bem como a
formal lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, não dependem necessariamente
da existência de testemunhas das diligências de captura e encontro das
substâncias entorpecentes, como no caso em tela, o que resta amparado pelas
disposições do artigo 304, §2o, do CPP, segundo as quais “a falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante;
mas, nesse caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que
hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade.”
No caso em apreço, apenas os policiais
militares que conduziram as diligências foram arrolados como testemunhas pelo
Ministério Público, além da vítima do possível crime de receptação pertinente à
indigitada televisão.
Malgrado a harmonia dos seus depoimentos,
prestados tanto na fase investigatória quanto na judicial, estes somente se
prestam a embasar o decreto condenatório quando não infirmados por outras
provas ou evidências constantes dos autos, consoante se extrai do seguinte
precedente do STJ:
Segundo entendimento
reiterado do Superior Tribunal de Justiça, os depoimentos dos policiais
responsáveis pela prisão em flagrante são meio idôneo e suficiente para a
formação do édito condenatório, quando em harmonia com as demais provas dos
autos, e colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, como ocorreu
na hipótese. Não sendo possível se vislumbrar a ocorrência de ilegalidade
flagrante ou de constrangimento ilegal, resta descabida a concessão de habeas
corpus, de ofício. (STJ - AgRg no REsp 1771679/RS, Rel. Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 27/03/2019)
É dizer, os depoimentos dos policiais
militares devem ser valorados como quaisquer outros, sendo certo que, como
testemunhas, não gozam de absoluta fé pública, assim como o fato de atuarem
diretamente no combate à criminalidade, por si só, não os tornam suspeitos de
parcialidade.
Prosseguindo, em audiência realizada no
dia 12/11/2018, cujos termos foram colacionados às fls. 173/174, após a
inquirição das testemunhas e interrogatório dos acusados, foi determinada a
realização de outra audiência para a oitiva do Sr. Johnny Barbosa Costa, como
testemunha do Juízo, vez que referida pelas declarações dos acusados naquele
primeiro ato instrutório.
No dia 28/11/2018, então, a testemunha
foi inquirida em audiência, tendo respondido, em síntese, o seguinte:
“que no dia dos fatos estava com o acusado
Adilson de Jesus Lopes à porta da sua casa conversando sobre serviço; que
programavam trabalhar na colheita de café; que os policiais militares chegaram
agarrando Adilson pelo pescoço; que os policiais o agrediram e o levaram para
dentro da sua casa; que nesse instante a acusada Célia estava dentro da sua
residência; que eram dois policiais envolvidos na diligência; que durante o tempo
em que ficaram na residência permaneceu do lado de fora, por ordem dos
policiais, com as mãos para o alto; que as diligências duraram cerca de 20
minutos; que os dois policiais entraram na residência e ficou sozinho do lado
de fora; que mora no bairro há 15 anos; que conhece Adilson e Célia há 07 anos;
que vive em união estável com a filha de Célia há 07 anos.”
Como salientado preambularmente, a falta
de testemunhas das diligências policiais não infirma a lisura do procedimento,
assim como não impede a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, obviamente,
quando não há testemunhas presenciais. Ademais, não é incomum as testemunhas,
quando existentes, recusarem-se à identificação por receio a represálias, como
não raro ocorre em locais comandados pelo tráfico de drogas.
Todavia, outras são as circunstâncias dos
autos.
A testemunha em questão sequer foi
arrolada pelos policiais militares no boletim de ocorrência (fls. às fls.
11/16), sendo a sua inquirição possibilitada apenas pela referência nos
interrogatórios dos acusados. Demais disso, o Ministério Público, em suas
alegações finais, sequer mencionou o seu depoimento, nem mesmo para contestar
sua possível parcialidade pelo fato de ser genro da acusada Célia José Soares.
Se, por um lado, não é possível afirmar
convictamente a incorreção do procedimento policial, por outro, igualmente, não
cabe ser desconsiderado o depoimento da mencionada testemunha, prestado sob o
compromisso de dizer a verdade, acerca da suposta conduta agressiva dos
policiais contra o acusado Adilson de Jesus Lopes que culminou com o
adentramento em sua residência, sem a sua permissão ou da sua companheira e,
por conseguinte, com a arrecadação das substâncias entorpecentes em seu
interior, além do referido aparelho de televisão, também supostamente adquirido
ilicitamente.
Destarte, na esteira das disposições do
artigo 5º, inciso LVI, da Carta da República, sendo ilícito o procedimento
policial, por violação aos preceitos básicos da prisão em flagrante,
notadamente ao direito à integridade física do preso e a garantia da
inviolabilidade domiciliar, também ilícitas são as provas obtidas posteriormente,
e, como tais, inadmissíveis no processo, sobretudo para embasar a pretendida
condenação penal.
Destaca-se, no mesmo sentido, os
preceitos do artigo 157 e §1º, do Código de Ritos Penais, determinados pela Lei
11.690/2008, nos seguintes termos:
Art.157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do
processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais
ou legais. §1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as
derivadas puderem ser obtidas por uma fonteindependente das primeiras.
Consoante o teor do supratranscrito
dispositivo legal, afirma-se que não há legitimidade nas provas obtidas e
trazidas aos autos, vez que evidente o nexo de causalidade entre estas e o
procedimento policial destacada pela testemunha Johnny Barbosa Costa.
Destaca-se, por fim, que ao caso em tela,
não cabe aplicação do entendimento segundo o qual a existência de crime
permanente legitima a incursão policial em residência alheia, pois que esta, a
atividade policial, não se ateve apenas às suspeitas ou convicções de que os
denunciados mantinham em depósito drogas ilícitas para serem comercializadas,
mas em supostos atos de agressão e detenção ilegais que culminaram na apreensão
de entorpecentes.
Logo, certo é que, não obstante a
gravidade das supostas condutas narradas pelo Ministério Público em sua
exordial acusatória, “a subsequente (e
sempre eventual) apreensão efetiva de drogas não é capaz de suprimir a
ilicitude que lhe antecedeu. A norma prevista no inciso XI do art. 5º da
Constituição não admite interpretação ampliativa de modo a viabilizar violações
do domicílio, do asilo, sem base constitucional. Deste modo, corolário lógico é
a ilicitude da prova, e, com sua inutilização, impõe-se a absolvição do acusado
por ausência de provas da existência do fato.” (TAIPINA, Thales Flores –
“Flagrante e Prisão”, 2018, Ed. D’Plácido, pág. 185/186 – TJRS, Ap.Crim.
0098008-17.2014.8.21.7000)
À vista do exposto, tendo em vista que a
acusação ministerial é fundamentada inteiramente nos depoimentos dos policiais
miliares e, sendo estes inadmissíveis diante da ilicitude do procedimento que
alcançou a arrecadação das drogas, determinada pelas supostas agressões e
subsequente violação de domicílio, não resta nos autos prova da existência
material do delito imputado aos acusados.
3.
Dispositivo.
Diante das expostas razões, julgo
IMPROCEDENTE os pedidos formulados pelo Ministério Público em sua denúncia e,
ao amparo do artigo 5º, inciso XI da CF/88, do artigo 157 c/c artigo 386,
inciso II, estes do Código de Processo Penal, ABSOLVO os acusados Adilson de
Jesus Lopes e Célia José Soares das acusações de tráfico de drogas, associação
para o tráfico e receptação, por não haver prova da existência dos fatos.
Revogo a prisão domiciliar da sentenciada
Célia José Soares e a prisão preventiva do sentenciado Adilson de Jesus Lopes.
Expeça-se alvará de soltura em favor deste.
É como decido.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se na
forma da lei.
Nanuque-MG, 07 de maio de 2019.
THALES FLORES TAIPINA
Juiz de Direito