Processo: 1.0443.19.000740-3/001
Relator: Des.(a) Márcia Milanez
Relator do Acordão: Des.(a) Márcia Milanez
Data do Julgamento: 14/05/2020
Data da Publicação: 18/05/2020
EMENTA: APELAÇÃO
CRIMINAL - TRÁFICO - AUSÊNCIA DE PROVAS DA MERCANCIA ILÍCITA - DESCLASSIFICAÇÃO
- POSSIBILIDADE - CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE NA QUANTIDADE DE DROGA
APREENDIDA - INVIABILIDADE - INEXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS QUE AUTORIZEM A
CONDENAÇÃO PELO CRIME MAIS GRAVE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO 'IN DUBIO PRO REO'
- ROUBO MAJORADO - REDUÇÃO DA PENA - CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL - PENA DE MULTA
- REDUÇÃO DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE - PROPORCIONALIDADE À PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE
IMPOSTA.
A quantidade da droga
apreendida, por si só, não deve conduzir à presunção absoluta de se estar
diante do crime de tráfico. Diante da possibilidade de vir o acusado a incorrer
em penalidade mais gravosa do que aquela prevista para o crime no art. 28 da
mencionada Lei, o convencimento de que o entorpecente era destinado à venda deve
estar comprovado.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº
1.0443.19.000740-3/001 - COMARCA DE NANUQUE - APELANTE(S): CASSIANO RODRIGUES
QUEIROZ - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em
Turma, a 8ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais,
na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
RELATORA. DESA. MÁRCIA
MILANEZ (RELATORA)
V O T O
CASSIANO RODRIGUES
QUEIROZ, qualificado nos autos, foi denunciado como incurso nas sanções dos
artigos 157, §2º, I, do Código Penal e art. 33 da Lei 11.343/06, porquanto, em
20 de fevereiro de 2019, por volta de 19h20min., na Avenida Antônio Barroso,
Centro Industrial, em Nanuque/MG, mediante grave ameaça exercida com emprego de
arma, subtraiu, para si, coisa alheia móvel, de propriedade de R. R. C.,
motorista da viação Três Fronteiras.
Na mesma data, na Rua
Camilo Said, nas proximidades do nº 1928, em Nanuque/MG, e instantes após a subtração,
o denunciado transportou drogas, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar (fls. 02D/04D).
Concluída a instrução
probatória, foi o réu condenado pelas imputações de roubo majorado e tráfico de
drogas, a cumprir a pena privativa de liberdade de 17 (dezessete) anos e 06
(seis) meses de reclusão, em regime fechado, e 1.747 (mil, setecentos e
quarenta e sete) dias-multa (sentença às fls. 98/101v).
Inconformado, apelou o
sentenciado (fl. 105v), requerendo a defesa, em suas razões recursais, a
absolvição do crime de tráfico, ao argumento de que não restou comprovado que a
droga era destinada à venda (fls. 108/109v).
Apresentadas as
contrarrazões (fls. 115/118), subiram os autos e, nesta instância, a douta
Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso
(fls. 127/128v).
É o relatório, resumido
e no que interessa.
Conheço do recurso,
presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
Segundo consta da
denúncia, no dia 20 de fevereiro de 2019, por volta das 19h20min., na Avenida
Antônio Barroso, Centro Industrial, em Nanuque/MG, o denunciado, portando uma
faca, subtraiu uma bolsa contendo aproximadamente R$ 800,00 (oitocentos reais),
um aparelho celular da marca LG e uma bolsa contendo moedas.
Após o roubo, o
denunciado evadiu-se do local. Prosseguindo nas diligências, os policiais
dirigiram-se à residência de Cassiano, localizada na Rua Camilo Said, nas
proximidades do nº 1928, em Nanuque/MG, ocasião em que o acusado novamente
tentou evadir do local transportando uma bolsa verde que continha 37 (trinta e
sete) porções de crack.
Incontroversas a
materialidade e a autoria do crime de roubo, nos termos do BO de fls. 09/14,
auto de apreensão de fls. 17/17v, termos de restituição de fls. 18 e 19,
confissão do apelante no APFD e em juízo (fls. 06/06v e mídia de fl. 85) e
prova testemunhal coligida, pretende a defesa de Cassiano a absolvição quanto
ao crime de tráfico, ao argumento de que não há comprovação de que a droga
apreendida era destinada à mercancia. Ao que tudo indica, portanto, a combativa
defesa pretende, na verdade, a desclassificação do delito imputado na denúncia
para aquele previsto no art. 28 da Lei 11.343/06, mesmo porque o apelante é
confesso quanto à propriedade do entorpecente apreendido.
A materialidade é
induvidosa, conforme auto de apreensão de fls. 17/17v, laudo de constatação de
fls. 22/23 e exame toxicológico definitivo de fls. 92/92v.
No tocante à autoria,
com a devida vênia do entendimento do ilustre Magistrado a quo, realmente não
se trata de hipótese que autorize a condenação pelo crime mais grave.
Sabe-se que a conduta
de "transportar substância entorpecente" encontra previsão tanto no
art. 33 quanto no art. 28 da Lei de Tóxicos, sendo que os critérios de
diferenciação se encontram presentes no §2º do art. 28 que dispõe, verbis:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em
depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às
seguintes penas:
§2º - Para determinar se a droga destinava-se a
consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância
apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às
circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente.
Para a caracterização
do delito mais grave, impõe-se a análise atenta do quadro probatório.
No caso, entendeu o
Magistrado a quo por descartar a possibilidade uso próprio da droga, em razão
da quantidade de entorpecente apreendido, qual seja, 12,07 gramas de crack.
Ocorre que a quantidade
da droga apreendida, por si só, não deve conduzir à presunção absoluta de se
estar diante do crime de tráfico, e, in casu, tenho que a quantidade, embora
não seja pequena, também não é vultosa a ponto de se concluir, exclusivamente
com base neste critério, que era destinada à venda a terceiros.
Certo é que, à exceção
da quantidade de droga, não há nos autos qualquer outro elemento a corroborar a
versão de sua destinação mercantil ou que o réu exercia o narcotráfico.
Por outro lado, a forma
de acondicionamento e a natureza da droga apreendida também não levam, por si
sós, à configuração da previsão mais gravosa, adequando-se perfeitamente ao
crime de uso.
Cumpre ressaltar ainda
que, na Comunicação de Serviço de fls. 40/42, os investigadores da Polícia
Civil relataram que, segundo informações, o réu é usuário e alcoólatra,
confirmando ao final que Cassiano "é viciado contumaz em drogas, mais
especificamente em pedra de crack e que possui em seu histórico policial,
passagens pelo crime de roubo, furto e ameaça...;" (fl. 42).
Assim, diante da
possibilidade de vir o acusado a incorrer em penalidade mais gravosa do que
aquela prevista para o crime no art. 28 da mencionada Lei, o convencimento de
que o entorpecente era destinado à venda deve estar comprovado, o que não se
fez nesses autos.
O apelante afirmou e
reafirmou sua condição de usuário em ambas as oportunidades; os policiais que o
prenderam não destacaram qualquer envolvimento do réu com o tráfico; não se
ouviu sequer um usuário que, no passado, tenha adquirido drogas das mãos do réu;
e não foram apreendidos outros materiais indicativos do tráfico.
Inexiste, portanto,
comprovação inequívoca que a droga destinar-se-ia a terceiros, impondo-se,
diante do quadro descrito, a solução mais favorável ao acusado, em respeito ao
princípio do "in dubio pro reo". Corroborando este entendimento, com
maestria decidiu o saudoso Des. Edelberto Santiago:
Enfim, pode-se até
duvidar de uma conduta inocente por parte dos réus apelantes. É possível mesmo
que reste em cada um dos agentes da lei - policiais, representantes do
Ministério Publico e magistrados - a íntima convicção relativa à culpabilidade
dos acusados na condição de traficantes. No entanto, para uma condenação tão
grave e de efeitos tão severos, o convencimento subjetivo há que restar, além
das provas indiretas, minimamente provado. (TJMG - trecho de voto proferido
pelo E. Des. Rel. Edelberto Santiago nos autos nº 288.397-3 - j. 17/09/2002 -
p.20/09/2002).
No mesmo sentido, este
Tribunal vem reiteradamente decidindo:
TRÁFICO DE DROGAS -
MEROS INDÍCIOS E PRESUNÇÕES - FRAGILIDADE DO CONTEXTO PROBATÓRIO - INSUFICIÊNCIA
- PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO - ABSOLVIÇÃO - CORRÉU - AUSÊNCIA DE PROVAS DA TRAFICÂNCIA
- APREENSÃO DE PEQUENA QUANTIDADE DE DROGAS - RÉU QUE NÃO NEGA A PROPRIEDADE DAS
MESMAS QUE ESTAVAM EM SUA RESIDÊNCIA - ACUSADO QUE NÃO É APONTADO POR QUALQUER TESTEMUNHA
COMO SENDO TRAFICANTE OU SEQUER CONHECIDO DO MEIO POLICIAL COMO POSSÍVEL CRIMINOSO
- DESTINAÇÃO MERCANTIL NÃO COMPROVADA - TESE DE DESCLASSIFICAÇÃO QUE SE ACOLHE.
A existência de meros indícios não autoriza o decreto condenatório, pois, para
a condenação, exige-se a certeza da autoria delitiva. O fato de o acusado ser
usuário de drogas não o impede de ser, simultaneamente, traficante, porém, quando
as provas dos autos geram dúvidas em relação à conduta de tráfico, mas é clara
em relação à posse de droga para consumo próprio, é cabível a desclassificação
do crime para a conduta descrita no art. 28 da Lei nº 11.343/06. V.V.P. Os
funcionários da polícia merecem, nos seus relatos, a normal credibilidade dos testemunhos
em geral, a não ser quando se apresente razão concreta de suspeição. Enquanto
isto não ocorra e
desde que não defendam
interesse próprio, mas ajam na defesa da coletividade, sua palavra tem grande
valia na formação do convencimento do julgador. Assim, restando devidamente
comprovadas a materialidade e a autoria do tráfico de drogas, mantém-se a condenação
dos apelantes pelo crime de tráfico. (Desembargador Eduardo Brum). (Apelação
Criminal 1.0040.11.003043-0/001, Relator(a): Des.(a) Delmival de Almeida Campos
, 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 23/11/2012, publicação da súmula em
29/11/2012).
Por estas razões,
desclassifico a imputação constante da denúncia e acatada, em parte, na
sentença monocrática, para o crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/06 e
aplico, cumulativamente, as medidas dispostas nos incisos I a III do art. 28 da
Lei nº 11.343/06, incumbindo ao Juízo de Execução proceder à advertência sobre
os efeitos da droga, bem como determinar a forma de execução da prestação de
serviços à comunidade prevista no inciso II do mencionado artigo, a qual deverá
ser cumprida pelo prazo de 05 (cinco) meses. Em relação à medida de comparecimento
a programa ou curso educativo, viabilizo desde já a possibilidade de sua
substituição por outra medida de caráter semelhante, nos termos do art. 27 da
mesma Lei, sendo que sua pertinência e sua oportunidade deverão ser objetos de
prudente análise pelo Juízo de Execução.
Noutro norte, quanto à
pena imposta ao apelante pelo delito de roubo, a sentença está a merecer um
pequeno reparo.
Da análise da decisão,
verifica-se que o il. Magistrado considerou em desfavor de Cassiano seus
antecedentes e as circunstâncias do crime, "em razão do emprego de
faca", estabelecendo a pena-base em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de
reclusão (fls. 100/101).
Presentes a agravante
da reincidência e a atenuante da confissão espontânea procedeu-se à compensação
de ambas.
Contudo, na terceira
fase, ausentes causas de aumento ou diminuição, deve a sanção ser
definitivamente concretizada em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão,
mantido, diante da reincidência do apelante e do quantum da pena, o regime
fechado.
Por fim, deve ser
reduzida a pena de multa, exageradamente estabelecida em 97 dias-multa, para 14
(quatorze) dias-multa, fixada a unidade na fração mínima, em proporcionalidade
à pena privativa de liberdade estabelecida para o crime de roubo na decisão
condenatória.
Ante o exposto, DOU
PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, nos termos deste voto. Custas na forma da lei.
DES. DIRCEU WALACE
BARONI (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ANACLETO RODRIGUES
- De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO"