Consultor Jurídico

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

EXECUÇÃO PENA ANTES DO TRANSITO EM JULGADO DA SENTENÇA

Execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado - A Segunda Turma, diante do empate na votação, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão monocrática que concedeu habeas corpus ao paciente, para lhe assegurar o direito de aguardar em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Prevaleceu o voto do ministro Ricardo Lewandowski (relator), segundo o qual o princípio da presunção de inocência se estende até o trânsito em julgado da condenação, nos termos do que previsto na Constituição Federal (CF, art. 5º, LVII). O relator registrou uma particularidade do caso concreto: o fato de o Ministério Público não ter apelado do trecho da sentença que garantiu ao réu o direito de recorrer em liberdade. Portanto, quanto a esse ponto, houve trânsito em julgado. Vencidos os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, que deram provimento ao agravo para denegar o writ. Para o ministro Edson Fachin deve ser observada, em deferência ao princípio da colegialidade, a jurisprudência atual e majoritária do Plenário da Corte (HC 126.292, ADC 43 MC e ADC 44 MC) que admite o início do cumprimento da pena em caso de título condenatório não passível de impugnação por recursos que possuam automática eficácia suspensiva. Salientou que a matéria pode vir a ser reexaminada em sede própria, contudo não por órgão fracionário do tribunal. Quanto à exigência de fundamentação concreta para fins de legitimação da execução provisória, asseverou que esse argumento foi expressamente rechaçado pela mencionada jurisprudência formada pelo Pleno. Citou, por fim, o que decidido no HC 152.752, no sentido de não configurar reforma prejudicial a determinação do imediato cumprimento da pena mesmo com comando sentencial que garanta ao réu, de forma genérica, o direito de recorrer em liberdade.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ACIDENTE DE TRABALHO

Responsabilidade civil objetiva e acidente de trabalho - O Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 932 da repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão que, com base na teoria do risco inserta no art. 927, parágrafo único, do Código Civil (CC) (1), reconheceu o direito do empregado que desenvolve atividade de risco a ser indenizado pelo seu empregador, por danos morais e materiais decorrente de acidente de trabalho. No caso, trabalhador contratado por empresa de transporte de valores passou a experimentar graves consequências psíquicas, com a consequente perda total e permanente de sua capacidade laborativa, em decorrência de sua participação em tiroteio verificado em ataque de assaltantes a supermercado no qual malotes de dinheiro estavam sendo acondicionados em carro-forte. O colegiado inicialmente observou que a questão de direito debatida nos autos estaria em saber se a responsabilidade civil, na hipótese em apreciação, seria subjetiva, o que exige a demonstração de dolo ou culpa, ou objetiva, quando o dever de indenização independe dessa demonstração. Especificamente, questiona-se a compatibilidade do art. 927, parágrafo único, do CC — que tem aplicação geral, e não somente para os casos de acidente de trabalho — com o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal (CF) (2), a permitir a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho. A regra do Direito brasileiro é a da responsabilidade civil subjetiva. Portanto, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Entretanto, para se evitar injustiças, previu que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, quando esta já prevê atividade perigosa, na hipótese de atividade com risco diferenciado ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos maiores, inerentes à própria atividade. Além disso, o Código Civil estabeleceu a regra geral da responsabilidade civil e previu a responsabilidade objetiva no caso de risco para os direitos de outrem. "Outrem" abrange terceiros que não tenham qualquer tipo de vínculo com o empregador. Por conseguinte, seria absolutamente incoerente que, na mesma situação em relação ao trabalhador, a responsabilidade fosse subjetiva, e, em relação a terceiros, fosse objetiva. A Constituição estabeleceu um sistema em que o empregador recolhe seguro (CF, art. 7º, XXVIII). Havendo acidente de trabalho, o sistema de previdência social irá pagar o benefício e o salário. Além do seguro que o empregado tem direito, há também a garantia de indenização, quando o empregador tenha incorrido em dolo ou culpa. Portanto, a Constituição, de uma maneira inequivocamente clara, previu a responsabilidade subjetiva. Entretanto, o caput do art. 7º da CF, ao elencar uma série de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, assenta a possibilidade de instituição “de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Dessa forma, é certo que a Constituição assegurou a responsabilidade subjetiva (CF, art. 7º, XXVIII), mas não impediu que os direitos dos trabalhadores pudessem ser ampliados por normatização infraconstitucional. Assim, é possível à legislação ordinária estipular outros direitos sociais que melhorem e valorizem a vida do trabalhador. Em decorrência disso, o referido dispositivo do CC é plenamente compatível com a CF. No caso concreto, a atividade exercida pelo recorrido já está enquadrada na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) como atividade perigosa [CLT, art. 193, II (3)]. Não há dúvida de que o risco é inerente à atividade do segurança patrimonial armado de carro-forte. O ministro Roberto Barroso sublinhou que, em caso de atividade de risco, a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho é objetiva, nos termos do art. 7º, caput, da CF, combinado com o art. 927, parágrafo único, do CC, sendo que se caracterizam como atividades de risco apenas aquelas definidas como tal por ato normativo válido, que observem os limites do art. 193 da CLT. Vencidos os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que deram provimento ao recurso extraordinário. Pontuaram não ser possível, diante da clareza do art. 7º, XXVIII, da CF, cogitar-se de responsabilidade objetiva do tomador dos serviços. Em seguida, o Tribunal deliberou fixar a tese de repercussão geral em assentada posterior. (1) CC: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (2) CF: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;” (3) CLT: “Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (...)II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.”

MARIA DA PENHA - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO - APLICAÇÃO DO SURSIS


EMENTA: APELAÇÃO – AMEAÇA - ÂMBITO DAS RELAÇÕES DOMÉSTICAS – CONTINUIDADE DELITIVA – RECONHECIMENTO - HABEAS CORPUS DE OFÍCIO – PENA DE MULTA – DECOTE - CONCESSÃO DO SURSIS.
1- A continuidade delitiva, prevista no art. 71 do CP, deve ser reconhecida quando os crimes forem da mesma espécie e tiverem sido praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.
2- O crime previsto no art. 147 do CP comina pena corporal ou pena de multa, as quais não podem ser aplicadas cumulativamente.
3- Se preenchidos os requisitos do art. 77 do CP, não sendo possível a substituição da pena corporal por restritivas de direito (art. 44 do CP), deve ser concedido o Sursis.
Apelação Criminal Nº 1.0443.17.002124-2/001 - COMARCA DE Nanuque - Apelante(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - Apelado(a)(s): JAIRO RODRIGUES DOS SANTOS

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL E, EM HABEAS CORPUS DE OFÍCIO, CONCEDER O SURSIS E DECOTAR A PENA DE MULTA.

DES. OCTAVIO AUGUSTO DE NIGRIS BOCCALINI
Relator.


           

Des. Octavio Augusto De Nigris Boccalini (RELATOR)

V O T O

Trata-se de recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra a r. Sentença (fls. 114/120), na qual o MM. Juiz da 2ª Vara da Comarca de Nanuque julgou parcialmente procedente a Ação Penal, para condenar Jairo Rodrigues dos Santos nas sanções do art. 147 do CP, à pena de 02 (dois) meses e 07 (sete) dias de detenção, em regime aberto, e 22 (vinte e dois) dias-multa, absolvendo-o do crime previsto no art. 12 da Lei 10.826/03, nos termos do art. 386, III do CPP.

Em razões recursais (fls. 148/160), o Ministério Público pede a reforma da r. Sentença, para que o Apelado seja condenado nas sanções do art. 147 do CP, por três vezes, na forma do art. 71 do CP, com a consequente elevação da pena em 1/5 (um quinto), considerando o número de infrações penais.

Contrarrazões da Defesa (fls. 162/165).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer (fls. 176/178), opina pelo conhecimento e provimento do Recurso.

É o relatório. 

Conheço do recurso, porque próprio e tempestivo.

Inexistem preliminares, tampouco nulidades arguidas pelas partes ou que devam ser declaradas de ofício.

MÉRITO

Narra a Denúncia que:

“Consta do incluso inquérito policial que, no dia 02 de junho de 2017, por volta das 21h20, na Rua Fortaleza, nº 242, bairro Feirinha, nesta cidade e comarca de Nanuque/MG, Jairo Rodrigues dos Santos, por diversas vezes, ameaçou, por palavras, causar mal injusto e grave à Luciana de Souza Pimentel, sua ex-esposa, em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Consta ainda que, no mesmo contexto fático, em sua residência na Rua Álvaro Vieira, nº 505, nesta Cidade e comarca de Nanuque/MG, Jairo Rodrigues dos Santos possuía e matinha sob sua guarda uma pistola semiautomática e 10 cartuchos, todos de calibre 380, arma de fogo e munições de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Consta dos autos que denunciado e vítima foram casados por aproximadamente cinco anos e sempre mantiveram relação conturbada, devido ao ciúme do denunciado. Atualmente, encontram-se separados de fato há mais de dois meses.

Segundo se apurou, no dia dos fatos, o denunciado seguiu a ofendida em seu horário de almoço e, no momento de sua saída do trabalho, motivo pelo qual Luciana pediu uma carona a sua colega Neide. No caminho, a ofendida e Neide pararam em uma farmácia, momento em que foram abordadas pelo denunciado que disse à Luciana que se ela mandasse lhe prender, a mataria.

Por estar com medo de ficar sozinha em casa, a vítima foi até a casa da testemunha Neide. No momento em que estava chegando, Jairo a segurou pelo braço, chegando a quebrar sua pulseira, sendo que Neide interviu.

Luciana adentrou para o interior da casa, ouvindo o denunciado dizer a sua amiga: “se eu ficar preso não tem problema, eu fico lá uns 30 dias e depois acabo com ela”. Disse, também, que se houvesse o divórcio, a mataria. (...)” (fls. 01d/03d).

1-    Da Condenação em Continuidade Delitiva

Inconformado com a r. Sentença, almeja o Parquet a condenação do Apelado nas sanções do art. 147 do CP, por três vezes, na forma do art. 71 do CP, com a consequente elevação da pena em 1/5 (um quinto), considerando o número de infrações penais.

Argumenta, para tanto, que o Apelado teria, em pelo menos três momentos distintos, proferido ameaças em desfavor da vítima L.S.P.

Razão lhe assiste.

A Continuidade Delitiva, prevista no art. 71 do CP, conceitua-se por um conjunto de crimes da mesma espécie, praticados nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução.

Tem-se que o Código Penal estabelece requisitos de ordem objetiva (mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução) e subjetiva (unidade de desígnios ou relação de contexto entre as ações criminosas) para que seja possível o reconhecimento da Continuidade Delitiva entre as diversas condutas, praticadas sucessivamente.

Neste sentido, consoante entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, o ordenamento jurídico pátrio adota a Teoria Objetivo-subjetiva, para a qual se faz imprescindível a comprovação de ambos os requisitos (objetivos e subjetivos). Confira-se:

“(...) Este Superior Tribunal firmou o entendimento de que, para o reconhecimento e a aplicação do instituto do crime continuado, é necessário que estejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos de ordem objetiva (pluralidade de ações, mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução) e o de ordem subjetiva, assim entendido como a unidade de desígnios ou o vínculo subjetivo havido entre os eventos delituosos. Vale dizer, adotou-se a Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva. (...)” (HC 222225/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz – STJ – Sexta Turma, julgado em 17.03.2016).

No caso em comento, verifica-se que o Apelado foi denunciado como incurso nas sanções do art. 147 do CP em continuidade delitiva. Na r. Sentença, o MM. Juiz a quo, apesar de fundamentar a condenação no crime de Ameaça, não aplicou a Continuidade Delitiva.

Todavia, do exame das provas colhidas, é possível constatar que o Réu teria praticado três delitos de Ameaça, contra a vítima L.S.P., devendo ser reconhecida a regra do art. 71 do CP.

Na fase Policial, o Apelado exerceu o direito constitucional ao silêncio (fl. 09). Em Juízo, negou a prática dos fatos descritos na Denúncia, contudo relatou momentos em que perseguia a vítima (Mídia, fl. 92).

Vejamos trecho do Interrogatório Judicial:

Apelado Jairo – Em Juízo

“(...) afirmou que sua esposa mentia quando dizia que estava em casa, fato que só chegava a seu conhecimento através de seus vizinhos; que após esses fatos passou a monitorar sua esposa, mas apenas de longe; que o relacionamento com a vítima era conturbado porque ela mentia; que já achou sua esposa nua fazendo vídeo pornô, por isso quebrou seu celular; que descobriu que a vítima fazia parte de um site de relacionamento chamado "Tinder"; que só ficou olhando a vítima de longe para ver até onde ela iria com a Neide; que foi até ao restaurante para tentar conversar com a vítima; que já viu a vítima acompanhada com a Neide e um rapaz; que ficou com medo de ter alguém envolvido no relacionamento; que não abordou a vítima dentro da farmácia; que não segurou a vitima pelo braço; que não ameaçou a vítima de morte; que não subiu no muro; que foi até a residência para ouvir a conversa em que a vítima mantinha com outro rapaz; que a policia militar lhe prendeu quando estava próximo a casa da vítima; que foi exonerado do cargo de agente penitenciário devido a problemas administrativos; que não houve renovação do contrato.” (fl. 92) – Negritei.

A vítima L.S.P. descreveu, perante a Autoridade Policial (fls. 07/08), os momentos em que teriam ocorrido as supostas ameaças proferidas pelo Apelado.

Vítima L.S.P. - IP

“(...) que o relacionamento entre o casal sempre foi muito conturbado; habitualmente tinha brigas, porque Jairo era muito ciumento, e não permitia sequer que a Declarante fosse até a casa de seus parentes, além de enciumar com seu trabalho, e de 'todo mundo'; que o autor já quebrou dois celulares da declarante e já lhe agrediu, mas não chegou a chamar a polícia, a Declarante ia para a casa de seus pais, e depois Jairo corria atrás, e acabavam reatando; (...) que passados uma semana Jairo começou a mandar mensagens pelo Whatsapp e ir na porta de seu trabalho, querendo conversar, e em resumo, passou a lhe seguir pedindo para conversar, mas a Declarante não queria; todavia, Jairo não parou mais, e até invadiu a casa de amiga da Declarante; que há cerca de duas semanas, a Declarante saiu do seu trabalho na Concessionária Moto Nanu que, quando Jairo, o qual estava escondido na esquina, surgiu bastante descontrolado e lhe agarrou a força, querendo lhe obrigar a sentar na motocicleta (...) que após isso, por duas vezes consecutivas, Jairo perseguiu a declarante quando saía do seu trabalho no horário de almoço, tendo sentado junto da declarante dentro do restaurante contra a sua vontade e insistia em conversar, mas a declarante sempre resistindo; (...) Que, na data de hoje, JAIRO lhe seguiu no horário de almoço, quando a Declarante retornava para o trabalho; Que, quando a Declarante saiu do trabalho às 18:40, JAIRO 'estava lá de novo', na esquina, escondido atrás de um carro, tendo a Declarante recuado para a Loja, e contou a sua amiga NEIDE, a qual lhe deu uma carona, objetivando evitar uma abordagem por parte do autor; Que, no caminho, NEIDE e a Declarante pararam numa farmácia, ocasião em que JAIRO adentrou ao local e se aproximou da Declarante, e segurou em seu braço; Que a Declarante perguntou-lhe 'você está querendo ser preso?', e JAIRO respondeu 'se você mandar me prender, eu te mato'; Que a Declarante e NEIDE passaram no Banco do Brasil, e JAIRO continuou a lhe seguir; QUE a Declarante passou em sua casa, e como lá não havia mais ninguém, a Declarante ficou com medo de ficar sozinha, pegou umas roupas, e foi para a casa de NEIDE; Que JAIRO lhe seguiu até o local, e segurou o braço da Declarante, no portão da casa de NEIDE, inclusive, sua pulseira chegou a se quebrar; Que a Declarante se soltou e entrou na casa, enquanto NEIDE ficou lá fora conversando com JAIRO; Que a Declarante ficou na garagem, e ficou ouvindo JAIRO dizer à NEIDE 'se eu ficar preso, não tem problema, eu fico lá uns 30 dias, e depois acabo com ela'; Que JAIRO disse que a Declarante ainda era esposa dele, e se divorciasse, mataria a Declarante do mesmo jeito; Que, a Declarante e NEIDE entraram na residência e ficaram na área de churrasco, tendo JAIRO entrado no quintal do vizinho, subiu o muro, e de lá ficou lhes observando e falando coisas do tipo 'que a Declarante ainda era a mulher dele, que não aceitava o fim, e etc'; Que o vizinho ameaçou chamar a polícia, e JAIRO saiu e foi para o portão da residência, e NEIDE mais uma vez foi aconselhá-lo; Que não tendo jeito, a Declarante também foi lá fora tentar convencê-lo a ir embora, ocasião em que JAIRO continuou falando as mesmas coisas e depois disse 'entenda uma coisa, eu vou lhe matar, isso é uma ameaça', tendo a Declarante entrado na casa, e JAIRO continuou subindo no muro, e então, a Declarante ligou para a polícia; (...).” (fls. 07/08) – Negritei.

Cumpre ressaltar que, nos delitos cometidos no âmbito doméstico, a palavra da vítima assume substancial importância e quando corroborada por outras provas, constitui prova suficiente à condenação.

A testemunha Neide de Souza Santos, na Fase Policial (fl. 04), posteriormente confirmado em Juízo (Mídia, fls. 88 e 92), disse ter presenciado as ameaças proferidas pelo Réu e, por diversas vezes, afirmou ter conversado com o Réu para tentar impedi-lo de continuar com as ofensas.

Confira-se trecho do depoimento Judicial:

Testemunha Neide de Souza SantosEm Juízo

“(...) disse que participou de uma reunião em seu local de trabalho e que era para convidar um parente; que levou seu filho na reunião; que depois da reunião a vitima lhe procurou para dizer quer queria conversar; que diante da recusa momentânea, a vitima saiu; que em seguida a vítima voltou a lhe procurar para pedir carona dizendo que o réu estava do outro lado da rua atrás dos carros; que a vitima disse que se separou do réu porque ele a ameaçou; que entrou no carro com a vitima e seu filho; que conhecia o réu porque ele trabalhou na mesma loja, porém como segurança; que a vitima pediu para parar próximo a uma farmácia; que a vitima voltou correndo da farmácia porque o réu teria lhe abordado dentro da farmácia para conversarem; que nesse instante a vitima disse que tinha uma medida protetiva em seu favor; que entraram dentro do Banco do Brasil e que ao saírem puderam observar o réu escondido próximo do local; que levou a vitima para a casa dela, mas que a vitima ficou em pânico e não quis ficar na residência; que novamente viram o réu escondido atrás de uma árvore; que levou a vitima para sua casa; que reduziu a velocidade e o réu encostou junto do carro; que perguntou ao réu o porquê de ele a seguir; que o réu disse que era porque a vítima estava dentro do veiculo e que queria conversar com ela; que aconselhou que ambos conversassem; que a vitima não quis conversar e demonstrava estar com medo; que quando chegou no portão de sua casa, o réu novamente estava atrás do carro; que quando a vitima desceu do veiculo o réu avançou em seu braço, momento em que as pulseiras quebraram; que a vitima entrou na residência e foi para a garagem; que deu conselhos ao réu e viu que ele estava desnorteado por amor ou porque não estava aceitando a separação; que o réu disse que iria embora; que entrou em sua residência; que o réu pediu um copo de água; que seu filho serviu e logo em seguida viu o réu no muro de sua residência, mas do lado que da casa de seu vizinho; que disse para o réu sair do local; que o réu disse que estava escutando as mentiras da vitima; que viu que o réu estava um pouco abalado; que o réu saiu da residência de seu vizinho e foi para um terreno baldio; que novamente o réu voltou para o muro de sua residência; que nesse instante a vítima ligou para a polícia; que os militares chegaram e fizeram a ocorrência; que levou a vítima para a residência dos pais dela; que enquanto conversava com os pais da vítima, a polícia militar prendeu o réu; que a vítima disse que o réu falou que a mataria caso fosse preso; que a vítima foi embora da cidade e não avisou para onde iria; que não sabe do paradeiro da vítima; (...)” (fl. 92) – Negritei.

A testemunha Aurânio Alves Martins Neto, na fase Policial (fl. 05) e em Juízo (Mídia, fls. 89 e 92), confirmou que o Apelado disse que, caso fosse preso, iria sair e mataria a vítima L.S.P. Afirmou, ainda, que tal ameaça ocorreu por diversas vezes.

O Crime de Ameaça se caracteriza pelo fato de alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, prometer a outrem causar-lhe mal injusto e grave. Trata-se, pois, de crime formal, sendo irrelevante a intenção do agente em realizar ou não o mal prometido, bastando que incuta fundado temor à vítima.

Pela prova oral, verifica-se que o Apelado e a vítima L.S.P. foram casados por, aproximadamente, cinco anos, sendo que se encontravam separados de fato há mais de dois meses e o Réu não aceitava o fim do relacionamento.

A vítima, na fase Policial, descreveu os três momentos em que o Apelado teria lhe ameaçado, dizendo que, no horário do almoço, quando retornava ao trabalho, o Réu teria a seguido. No mesmo dia, quando a vítima saía do trabalho, o Réu estava na porta do local. Posteriormente, a ofendida teria pedido “carona” para Neide, sendo que, no caminho, teriam parado em farmácia, oportunidade em que o Apelado se aproximou, a segurou pelo braço e a ameaçou, dizendo: “se você mandar me prender, eu te mato”. A vítima, então, teria ido para a casa de Neide, sendo que, no portão do local, o Réu, que as teria seguido, novamente, segurou o braço da ofendida, vindo a quebrar sua pulseira. No entanto, a vítima teria conseguido se desvencilhar do Réu. Na ocasião, a vítima escutou o Apelado dizer à Neide: “se eu ficar preso não tem problema, eu fico lá uns 30 dias, e depois acabo com ela”.

A palavra da ofendida foi corroborada pelas testemunhas presenciais Neide e Aurânio, que destacaram que o Réu disse que “se eu ficar preso não tem problema, eu fico lá uns 30 dias e depois acabo com ela”. Disse, também, que se houvesse o divórcio, mataria a ofendida.

Dessa forma, pelo contexto fático, verifica-se que o Réu teria ameaçado a vítima em três oportunidades, sendo elas, primeiro, no local de trabalho da ofendida, segundo, quando chegava à farmácia, e, terceiro, na porta da residência da testemunha Neide.

Registra-se que, na primeira oportunidade, o Apelado ameaçou a vítima por gesto, pois estaria a aguardando no local de trabalho tanto na hora do almoço quanto ao final do expediente, intimidando a ofendida. Nas outras duas oportunidades (na farmácia e na porta da casa de Neide), o Réu ameaçou a ofendida por palavras.

As ameaças teriam ocorrido nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, em momentos distintos, apesar de terem sido no mesmo dia, configurando-se, portanto, a Continuidade Delitiva.

Dessa forma, cumprindo-se os requisitos do art. 71 do CP, sendo crimes da mesma espécie, deve ser reconhecida a Continuidade Delitiva entre os delitos de Ameaça.

2- Da Dosimetria da Pena

- Pena de multa

Registra-se que, apesar de não haver Recurso Defensivo, em Habeas Corpus de ofício, verifica-se que a pena de multa deve ser decotada, pois o art. 147 CP, comina pena corporal ou pena de multa.

Assim, passa-se à reanálise do Critério Trifásico.

Na primeira fase da Dosimetria da Pena, verifica-se que o MM. Juiz a quo analisou todas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, CP, fixando-se a pena-base em 02 (dois) meses e 07 (sete) dias de detenção.

Na segunda fase de fixação da pena, ausentes Agravantes e Atenuantes, razão pela qual a pena intermediária deve ser mantida em 02 (dois) meses e 07 (sete) dias de detenção. 

Na terceira fase, ausentes causas de aumento ou diminuição da pena, razão pela qual se concretiza as reprimendas em 02 (dois) meses e 07 (sete) dias de detenção.

- Da Continuidade Delitiva - Crimes de lesão corporal

Diante do reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 do CP) entre os crimes do art. 147, do CP, a reprimenda deve ser elevada em 1/5 (um quinto), por serem três delitos, estabelecendo-se, definitivamente, em 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção.

- Do Regime Inicial de Cumprimento de Pena

Mantém-se o regime aberto para o cumprimento inicial da pena, conforme dispõe o art. 33, §2º, “c”, e §3º, do Código Penal.

- Da Substituição da Pena Corporal por Restritivas de Direito

O crime previsto no art. 147, do CP não permite a substituição da pena corporal por restritivas de direito, pois cometido com ameaça contra a pessoa, nos termos do art. 44, I do CP.

- Do Sursis

Por outro lado, verifica-se que o Apelado faz jus à suspensão condicional da pena, considerando que é primário (CAC – fls. 35/36), todas as circunstâncias judiciais foram analisadas de forma favorável e a pena corporal não é superior a 02 (dois) anos, preenchendo, portanto, os requisitos elencados no art. 77 do CP, in verbis:

Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:

I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; 

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; 

III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.

Dessa forma, não havendo recurso Defensivo, em Habeas Corpus de ofício, deve ser concedida a Suspensão Condicional da Pena (Sursis), pelo prazo de 02 (dois) anos, cujas condições devem ser fixadas pelo MM. Juiz da Execução.

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL para reconhecer a Continuidade Delitiva, concretizando a pena do Apelado Jairo Rodrigues dos Santos em 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção, em regime aberto (art. 33, §2º “c”, CP) e, em HABEAS CORPUS DE OFÍCIO, concedo o Sursis, pelo prazo de 02 (dois) anos, cujas condições devem ser determinadas pelo Juiz da Execução, e decoto a pena de multa, ficando o Apelado incurso nas sanções do art. 147, por três vezes, na forma do art. 71, ambos do CP.

Sem custas.

É como voto.

 DECOTARAM A PENA DE MULTA

Des. Antônio Carlos Cruvinel (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Paulo Cézar Dias - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL E, EM HABEAS CORPUS DE OFÍCIO, CONCEDERAM O SURSIS"

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

PROVA ILÍCITA - DIREITO AO SILÊNCIO - SENHA SMATPHONE - AUTOINCRIMINAÇÃO - NULIDADE - EXIGÊNCIA -

A Segunda Turma, por maioria, deu provimento parcial a reclamação para declarar a nulidade de entrevista realizada por autoridade policial no interior da residência do reclamante, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão, em flagrante contrariedade à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 395 e 444. O reclamante sustentava ter sido interrogado por delegado de polícia sem ser informado de seu direito ao silêncio, além de ter-lhe sido exigida a senha de acesso ao seu smartphone, em flagrante violação ao princípio da não autoincriminação. No tocante à entrevista, prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator). Em seu pronunciamento, observou que, nas ADPFs 395 e 444, a Corte decidiu pela impossibilidade de se conduzir coercitivamente os suspeitos de prática de crimes com o intuito de serem interrogados. Entre o rol de direitos potencialmente atingidos pela conduta, destacou a violação do direito à não autoincriminação e ao silêncio. Aduziu que a contrariedade aos referidos direitos ocorreu com a realização de interrogatório travestido de entrevista, na medida em que utilizada técnica de interrogatório forçado, proibida a partir do julgamento das ADPFs 395 e 444. Observou que o reclamante foi interrogado em ambiente intimidatório que diminuiria o direito à não incriminação. Além disso, na entrevista formalmente documentada, não se oportunizou ao sujeito da diligência o direito à prévia consulta a advogado, tampouco certificou-se, no respectivo termo, o direito ao silêncio e à não produção de provas contra si mesmo, nos termos da legislação e dos aludidos precedentes. Por sua vez, o ministro Edson Fachin ressaltou não se tratar, na hipótese, de aderência estrita de um conjunto de elementos fáticos que se submeteriam à vedação da condução coercitiva. Contudo, assinalou a existência de desrespeito ao direito de não incriminação e ao direito ao silêncio, conforme os fatos apresentados. Isso ocorreu mediante metodologia atípica e descolada de qualquer fundamentação que permita esse tipo de procedimento. Quanto à conduta adotada pela autoridade policial em relação ao celular do reclamante, o colegiado, por maioria, não vislumbrou suporte à sua alegação no sentido de que teria sido coagido ou obrigado a fornecer a senha. Explicitou inexistir expressamente, na decisão judicial, a expressão “autorizo a apreensão do aparelho celular”. Entretanto, o ato decisório conteve o deferimento ao acesso, à exploração e cópia do conteúdo de mídias, dispositivos e dados armazenados em nuvem, bem assim a determinação de que deveria constar, expressamente no mandado, a autorização de acesso a dados telefônicos e telemáticos armazenados nos dispositivos eletrônicos apreendidos. 21 O ministro Ricardo Lewandowski acrescentou não ser possível exigir do juiz que minudencie todos os objetos de interesse do processo que serão encontrados no local da busca e apreensão. No ponto, ficou vencido o ministro relator, que reconheceu, de ofício [Código de Processo Penal (CPP), art. 654, § 2º (1)], a inconstitucionalidade e a ilegalidade da apreensão e do acesso aos dados, às mensagens e informações contidas no aparelho celular, haja vista a ausência de prévia e fundamentada decisão judicial que justificasse a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medida

TRÁFICO DE DROGAS - PRIVILEGIADO - REGIME ABERTO - POSSIBILIDADE

A Primeira Turma, por maioria, concedeu parcialmente habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime de tráfico privilegiado, previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (1), para alterar para aberto o regime inicial de cumprimento da pena. No caso, o impetrante pretendia a alteração do regime inicial de cumprimento da pena, fixado em semiaberto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), bem como a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. O colegiado aplicou a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido da impossibilidade de fixação de regime de cumprimento de pena fechado para crime de tráfico de drogas sem a devida justificação. Observou que o único fundamento apontado pelo STJ para justificar o regime semiaberto foi o fato de ser crime de tráfico, não obstante se tratar de tráfico privilegiado e ser o réu primário, com bons antecedentes. Ou seja, a justificativa do STJ foi a de que a reprovabilidade se deu pelo delito praticado. Concluiu não se poder chancelar a fixação automática em relação ao regime semiaberto pelo simples fato de ser tráfico privilegiado. Além disso, salientou inexistir, no caso, sequer justificativa maior quanto à quantidade da droga. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que indeferiu a ordem. Segundo o relator, o STJ observou não só o art. 33 (2), mas também o art. 59 (3) do Código Penal (CP). Ressaltou não haver de se cogitar de sobreposição no que se considerou determinada circunstância judicial na fixação da pena base posteriormente. Voltou-se a essa circunstância judicial, dado o regime de cumprimento. Por fim, entendeu que, a teor do art. 44 do mesmo diploma legal, não cabe a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos quando as circunstâncias judiciais são negativas.