MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS N.º 1.0000.19.065336-0/000 – 2ª
CÂMARA CRIMINAL
PACIENTE:
MIGUEL NETO DOS SANTOS NASCIMENTO AUTORIDADE
COATORA: JD
VARA DE EXECUÇÕES CRIMINAIS DA COMARCA DE CONTAGEM
Egrégio Tribunal de Justiça, Colenda Câmara
Julgadora, Eminente Relator,
Trata-se de Habeas Corpus, com pedido
liminar, impetrado em favor de MIGUEL NETO DOS SANTOS NASCIMENTO, sob a
alegação de constrangimento ilegal perpetrado pelo MM. Juiz de Direito da Vara
de Execuções Criminais da Comarca de Contagem, ora apontado como autoridade
coatora. Sustenta o impetrante que o paciente cumpria pena em regime semiaberto
na Comarca de Nanuque/MG e, devido a sua condição de ex-agente penitenciário,
deveria cumprir a sanção que lhe foi imposta em cela separada, não sendo
possível devido à superlotação. Afirma que, por isso, foi transferido para
Nelson Hungria, na comarca de Contagem, onde há pavilhão destinado a detentos
especiais. Aduz que, agora, está cumprindo pena em regime mais gravoso do que
foi condenado, o que não é permitido pela Súmula nº 56 do STF. Alega que
dever-se-ia seguir as diretrizes do Recurso Extraordinário nº 641.320,
concedendo ao paciente a prisão domiciliar, uma vez que encontra-se recolhido em
regime fechado. Pleiteia o deferimento da liminar para que seja concedida a
prisão domiciliar em favor do paciente e a autorização para que retorne à
Comarca de Nanuque/MG. Requer, ao final, a concessão definitiva da ordem às
fls. 01/03 – Processo Eletrônico. A inicial veio instruída com o documento de
fl. 04/19 – Processo Eletrônico.
A liminar foi indeferida às fls. 29/31 –
Processo Eletrônico e determinou a requisição de informações à autoridade
coatora. Prestadas as informações e colacionados os documentos, em sequência,
vieram-nos os autos com vista. É a síntese. Prima facie, é de se ressaltar que,
no Brasil, adota-se o sistema progressivo de cumprimento de penas. Assim, de acordo
com o Código Penal e com a Lei de Execução Penal, as penas privativas de
liberdade deverão ser executadas (cumpridas) em forma progressiva, com a
transferência do apenado de regime mais gravoso para o menos gravoso tão logo
ele preencha os requisitos legais. Contudo, o que se verifica da notória
realidade fática é o oposto. O sistema carcerário brasileiro encontra-se
estruturalmente comprometido, dada a carência de vagas para o grande número de
prisões impostas no País e a insuficiência material para a sua manutenção e
expansão. O resultado é o total abandono do modelo de cumprimento progressivo
de pena, em especial no que tange aos regimes semiaberto e aberto. Os presos
dos referidos regimes frequentemente são mantidos nos mesmos estabelecimentos
que os presos em regime fechado e provisório, em clara afronta a normas
fundamentais do Estado Democrático de Direito, notadamente o princípio da
dignidade da pessoa humana, bem como as garantias de individualização das penas
(art. 5º, XLVI) e da legalidade (art. 5º, XXXIX). A manutenção do condenado em
regime mais gravoso do que é devido caracteriza-se como "excesso de
execução", havendo, no caso, um verdadeiro “estado de coisas inconstitucional”,
em que se verifica a existência de um quadro de violação generalizada e
sistêmica de direitos fundamentais. Vale ressaltar que não é possível
"relativizar" direitos básicos do condenado com base em argumentos
ligados à manutenção da segurança pública.
A proteção à integridade da pessoa e
ao seu patrimônio contra agressões injustas está na raiz da própria ideia de
Estado Constitucional. A execução de penas corporais em nome da segurança
pública só se justifica se for feita com observância da estrita legalidade.
Permitir que o Estado execute a pena de forma excessiva é negar não só o
princípio da legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados (art.
1º, III, da CF/88). Por mais grave que seja o crime, a condenação não retira a
humanidade da pessoa condenada. Ainda que privados de liberdade e dos direitos
políticos, os condenados não se tornam simples objetos de direito (art. 5º,
XLIX, da CF/88). Como é sabido, o Supremo Tribunal Federal debateu esse tema no
Recurso Extraordinário 641.320/RS, o qual contou com ampla participação de
diversos atores sociais, na posição de amicus curiae. Do julgamento daí
traçado, resultou a elaboração da Súmula Vinculante nº 56, assim avençada:
Súmula vinculante 56: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a
manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar,
nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS. STF. Plenário. Aprovada
em 29/06/2016. Portanto, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu a
impossibilidade da manutenção de condenado em regime prisional mais gravoso,
instituindo-se como parâmetros para se aferir tal situação aqueles fixados no
RE 641.320/RS, em caráter vinculante, quais sejam:
Os juízes da execução penal poderão
avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para
qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que
não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou
“casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, § 1º,
alíneas “b” e “c”). No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos
dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. Havendo déficit
de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no
regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao
sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta
de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao
sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as
medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao
sentenciado. Destarte, o STF decidiu que os magistrados possuem competência
para verificar, no caso concreto, se tais estabelecimentos onde os presos do
regime semiaberto e aberto ficam podem ser enquadrados como
"estabelecimento similar" ou "estabelecimento adequado".
Assim, os presos do regime semiaberto podem ficar em outra unidade prisional
que não seja colônia agrícola ou industrial, desde que se trate de
estabelecimento similar (adequado às características do semiaberto) e que não
haja alojamento conjunto com presos do regime fechado. A nosso ver, tal recomendação
parece ser a mais acertada, tendo em vista o princípio da razoabilidade, pois
não se pode negligenciar, também, o cumprimento da pena, imediatamente
colocando o preso em regime aberto ou domiciliar. Aliás, o próprio Supremo, no
mesmo RE 641.320/RS, assumiu a necessidade de se perquirir uma harmonização dos
fins da execução penal. Inclusive, reconheceu que a prisão domiciliar apresenta
vários inconvenientes, a saber:
1º) para ter esse benefício, cabe ao
condenado providenciar uma casa, na qual vai ser acolhido. Nem sempre ele tem
meios para manter essa residência. Nem sempre tem uma família que o acolha; 2º)
o recolhimento domiciliar puro e simples, em tempo integral, gera dificuldades
de caráter econômico e social. O sentenciado passa a necessitar de terceiros
para satisfazer todas as suas necessidades – comida, vestuário, lazer. De certa
forma, há uma transferência da punição para a família, que terá que fazer todas
as atividades externas do sentenciado. Surge a necessidade de constante
comunicação com os órgãos de execução da pena, para controlar saídas
indispensáveis – atendimento médico, manutenção da casa etc.; 3º) existe uma
dificuldade grande de fiscalização se o apenado está realmente cumprindo a
restrição imposta; 4º) a prisão domiciliar pura e simples não garante a
ressocialização porque é extremamente difícil para o apenado conseguir um
emprego no qual ele trabalhe apenas em casa.
Vale ressaltar, ainda, que os apenados
que serão beneficiados com a saída antecipada ou com as penas alternativas
deverão ser escolhidos com base em critérios isonômicos, conforme o mesmo
entendimento fixado pelo STF no Recurso Extraordinário ora analisado. Assim,
tais benefícios deverão ser deferidos aos sentenciados que satisfaçam os
requisitos subjetivos (bom comportamento) e que estejam mais próximos de
satisfazer o requisito objetivo, ou seja, aqueles que estão mais próximos de
progredir ou de encerrar a pena. Portanto, permanecendo a falta de vagas, mesmo
após a verificação de viabilidade do cumprimento da pena no regime semiaberto
em estabelecimento destinado ao regime fechado, deverão ser observadas, havendo
possibilidade, as seguintes medidas:
1ª) saída antecipada de sentenciado
do regime com falta de vagas, obedecida a ordem preferencial daqueles que estão
mais próximos da progressão, mediante uma análise acurada dos requisitos
subjetivos (bom comportamento carcerário, merecimento e aptidão do sentenciado
para o benefício); 2ª) liberdade eletronicamente monitorada dos que saírem
antecipadamente, enquanto estiverem em regime semiaberto, conferindo-se ao
sentenciado o direito ao trabalho e/ou estudo, devendo recolher-se ao domicílio
nos períodos de folga, mediante apresentação periódica ao juízo da execução
penal; e 3ª) cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo como
alternativa ao regime aberto.
Logo, opinamos pela concessão parcial
da ordem de habeas corpus, no sentido de que se requisite ao juízo de origem a
avaliação concreta, com base na Súmula Vinculante nº 56 do STF, dos seguintes
fatores, nesta ordem, para cessação do constrangimento ilegal do paciente: 1.Se
o paciente está alojado conjuntamente a condenados ao regime fechado e pode
cumprir a pena na situação que se encontre, sem que ocorra violação de seus
direitos e garantias constitucionais; 2.Não podendo, e havendo déficit de vagas
aos condenados ao regime semiaberto, determinar a saída antecipada do paciente,
obedecida a ordem preferencial daqueles que estão mais próximos da progressão,
mediante uma análise acurada dos requisitos subjetivos (bom comportamento
carcerário, merecimento e aptidão do sentenciado para o benefício), impondo o monitoramento
eletrônico; 3.Se não for possível a referida medida de monitoramento
eletrônico, impor o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo
como alternativa ao regime aberto; 4.Por fim, avaliar, excepcionalmente, a
colocação imediata do paciente no regime aberto ou domiciliar.
Belo Horizonte, 25 de junho de 2019.
Cláudio Varella de Souza Procurador
de Justiça