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- A existência de fortes
indícios de que o acusado agiu amparado em um contexto de legítima defesa impõe
o acolhimento do pleito absolutório, em consagração ao princípio favor rei. Inteligência do artigo 386, inciso VI, do
Código de Processo Penal.
Apelação Criminal Nº 1.0443.11.004732-3/001 - COMARCA
DE Nanuque - 1º Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS - 2º Apelante: MOISÉS CONCEIÇÃO SANTOS - Apelado(a)(s): MOISÉS
CONCEIÇÃO SANTOS, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - Vítima: J.C.S.
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA
CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da
ata dos julgamentos, em
dar provimento ao segundo apelo. Prejudicado o exame do primeiro apelo.
DES. RENATO MARTINS JACOB
Relator.
O
Des. Renato Martins Jacob (RELATOR)
V O T O
Em exame, recursos de apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
MINASGERAIS e por MOISÉS
CONCEIÇÃO SANTOS em face da respeitável sentença de fls. 88/91 que
julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o
segundo apelante nas sanções do artigo 129, §1º, inciso I, do Código Penal,
fixando-lhe a pena de 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto, a qual foi
suspensa na forma do artigo 77 do mesmo diploma legal.
Foi concedido ao acusado o direito de recorrer em liberdade.
Nas razões de fls. 97/98-v, o ilustre Promotor de Justiça
pugna pela condenação do acusado nos exatos termos da denúncia, ou seja, pelo
crime de lesão corporal na modalidade gravíssima (artigo 129, §1º, II, do CP),
argumentando para tanto que o exame de corpo de delito trouxe elementos que
demonstraram a deformidade permanente causada pela lesão.
A Defesa, por sua vez, pleiteia a absolvição, com fulcro na
tese de configuração da excludente de legítima defesa. Alternativamente, postula
a desclassificação do delito para modalidade culposa, sob o argumento de que o
acusado não tinha a intenção de lesionar a vítima (fls. 114/115)
Em sede de contrarrazões, às fls. 100/101 e fls. 117/119, o
Ministério Público e Moisés pugnaram, respectivamente, pelo desprovimento do
recurso da parte ex adversa.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se às fls.
121/126, opinando pelo provimento do recurso defensivo, e, caso não seja este o
entendimento da Turma Julgadora, pelo provimento do recurso ministerial.
Esse, resumidamente, é o relatório.
Não há preliminares e nem se vislumbram nulidades a serem
apreciadas de ofício.
Por uma questão de prejudicialidade, analisarei primeiramente
o recurso defensivo.
O apelante foi condenado por infração ao artigo 129, §1º,
inciso I, do Código Penal, porque, no do dia 18/09/2011, aproximadamente às
09h40min, em um campo de futebol, localizado na Rua Avenida Santos Dumond, na
Ilha do Sol, em Nanuque/MG, agindo com vontade de lesionar, agrediu fisicamente
J.C.S., causando-lhe as lesões descritas no auto de corpo de delito.
Consta da peça de ingresso que “o denunciado participava de um jogo de futebol juntamente com a vítima
e outras pessoas, sendo que em dado momento houve uma discussão entre os
participantes do jogo e, na sequência, o denunciado de posse de um pedaço de
madeira, desferiu uma paulada no olho da vítima” (fl. 02).
A materialidade delitiva está devidamente positivada no exame
de corpo de delito (fls. 17/18) e no laudo de fl. 22, assim como a autoria, já
que o próprio acusado assumiu ter efetuado o golpe que lesionou a vítima,
embora tenha afirmado que agiu para se defender.
Examinando atentamente os autos, entendo que a pretensão
absolutória merece acolhida, por existirem sérios indícios de que o acusado
agiu amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa.
O apelante foi bastante coerente nas duas oportunidades em
que foi ouvido, narrando que, no dia dos fatos, teve um desentendimento com a
vítima em um jogo de futebol, o que desencadeou uma briga entre eles, com a
interferência de seus irmãos e dos irmãos daquela. Disse, ainda, que, quando
deixava o local, depois que os ânimos já haviam acalmado, os irmãos da vítima
vieram em sua direção, tendo, para se defender, arremessado um pedaço de madeira
que veio a acertar a vítima (fls. 15 e 74), valendo registrar, ainda, que ele
também foi lesionado, conforme faz prova o exame de corpo de delito de fl. 19.
Tal versão foi corroborada por seus irmãos, Renildo Conceição
dos Santos e Reginaldo Conceição Santos, os quais confirmaram que o acusado
agiu para se defender, em momento posterior àquela briga generalizada ocorrida
durante o jogo de futebol, destacando que vítima e seus irmãos deram início às
novas agressões:
“Que quando acharam que estava tudo acabado, e já estavam indo
embora atravessando uma ponte de madeira, Paulo e Renato, irmãos de Alemão,
começaram a jogar pedra, e Moisés pegou um pau e jogou; que o pau pegou em
Alemão; que Moisés só revidou, pois foi agredido (...)” (Renildo Conceição dos Santos – fl. 13).
“Que depois que acabou o jogo e passaram da ponte Paulo jogou
uma pedra em Moisés e o declarante também revidou com uma pedra, mas não
acertou Paulo, que eles vieram correndo atrás do declarante e seus irmãos, que
Renato arrumou um porrete e Noises (sic) jogou o pau para trás, acertando
Alemão, que a distância era grande e o declarante nem viu que tinha acertado
Alemão” (Reginaldo Conceição Santos –
fl. 14).
Por outro lado, as declarações judiciais da vítima conferem
plausibilidade à versão do acusado.
J.C. confirmou que, depois de cessada a briga, ainda no campo
de futebol, houve novo confronto, tendo ido em direção ao acusado, pois
resolvera “encarar a briga”, quando, então, foi atingido pelo pedaço de madeira
(fl. 71).
É certo que a vítima alegou que assim agiu porque o acusado
teria reiniciado as investidas contra si, contudo, creio que tal alegação deve
ser recebida com reservas. Ora, nessa situação, o mais comum é que a vítima
tente correr e não ir em direção aos seus pretensos agressores, parecendo-me
que a vítima e seus irmãos, inconformados com o resultado da briga anterior,
decidiram revitalizar a briga ocorrida durante o jogo.
O depoimento Renato Francisco dos Santos, irmão da vítima,
também reforça a tese defensiva.
Com efeito, a testemunha apresentou versões conflitantes
quanto ao momento em que teria ocorrido a agressão perpetrada pelo acusado. Em
um primeiro momento (fl. 10), narrou que as agressões sofridas pela vítima
teriam ocorrido naquela briga inicial durante o jogo de futebol.
Posteriormente, em juízo, passou a sustentar que a vítima teria sido alvejada
após os “ânimos se esfriarem”, mas, nesta oportunidade,
mencionou que ele e “seus irmão também
estavam armados com pedras e paus; que arremessaram tais objetos em direção a
turma do réu, depois que esta já havia arremessado pedras e paus àqueles”
(fl. 72).
Enfim, há fortes indícios de que o acusado estava sendo
atacado e apenas por isso lançou um pedaço de madeira em direção à vítima,
tentando, assim, se livrar de tais agressões.
Nem se alegue que a reação do acusado foi desproporcional,
pois também lançavam em sua direção pedras e pedaços de madeira, tendo ele se
utilizado do meio que se encontrava disponível e perto dele naquele momento
para se defender, não se exigindo, para configuração da mencionada excludente
de ilicitude, precisão milimétrica. Fica evidente que a lesão não decorreu de
forma premeditada ou por causa de algum entrevero anterior entre acusado e
vítima, mas, sim, em razão do momento, como forma de se livrar de uma briga,
que, infelizmente, nesse país, é algo muito comum, durante e depois de jogos de
futebol.
Ainda que o pedaço de madeira por ele arremessado fosse
grande, não me parece possível, no contexto em que se desenvolveram os fatos,
pretender que ele quebrasse o pedaço de madeira à metade para depois
arremessá-lo. Situação completamente diversa seria se ele tivesse se valido,
por exemplo, de uma faca ou de um revólver para arrostar aquelas agressões às
quais estavam sendo submetido. Aí sim seria cabível sustentar a
desproporcionalidade da reação, o que, contudo, não é a hipótese dos autos.
Embora, ao que tudo indica, quem deu início às agressões
tenham sido os irmãos e não propriamente a vítima, tal circunstância não impede
o reconhecimento da legítima defesa, pois, em se tratando de lesões perpetradas
contra a multidão, é admissível que a reação se dirija de forma indistinta,
bastando apenas que a ofensa seja injusta.
Nesse sentido, é a lição de Marcello Jardim Linhares, citado
por Guilherme de Souza Nucci:
“Não deixará de ser legítima defesa exercitada contra
multidão, conquanto em seu todo orgânico reúna elementos nos quais se possa
reconhecer culpa e inocência, isto é, pessoas ativas ao lado de outras inertes
(...) não seria culpa dos componentes do grupo que origem à legítima defesa,
mas a ofensa injusta, considerada do ponto de vista do atacado. Na multidão, há
uma unidade de ação e fim, no meio da infinita variedade de seus movimentos
contra uma só alma (Legítima Defesa, p. 166)” (in: Manual de Direito Penal. São Paulo: RT, 2009, 5.ed., p. 265).
Enfim, se não está caracterizada a legítima defesa, no
mínimo, existem fortes indícios de que o acusado agiu amparado por tal
excludente, o que enseja a absolvição, nos exatos termos do artigo 386, inciso
VI, do Código de Processo Penal, por força do princípio favor rei, conforme explica Guilherme de Souza Nucci:
“Se estiver provada a
excludente de ilicitude ou de culpabilidade, cabe a absolvição do réu. Por
outro lado, caso esteja evidenciada a dúvida razoável, resolve-se esta em
benefício do acusado, impondo-se a absolvição (in dubio pro reo). Mas a
obviedade nem sempre é tão clara em institutos jurídicos, fomentando a
discussão na jurisprudência. A ressalva introduzida, portanto, consagra o
princípio do favor rei, deixando consignado que é causa de absolvição tanto a
prova certa de que houve alguma das excludentes mencionadas no inciso Vi, como
também se alguma delas estiver apontada nas provas, mas de duvidosa
assimilação. Resolve-se a dúvida em favor da absolvição do acusado” (in: Código de Processo Penal Comentado,
Rio de Janeiro: Forense, 2014, 13.ed., p. 795).
Mercê de tais considerações, dou provimento ao recurso para absolver MOISÉS CONCEIÇÃO SANTOS, do
Código Penal da prática do delito descrito às fls., com espeque no artigo 386,
inciso VI, do Estatuto Processual, isentando-o do pagamento das custas
processuais, do lançamento de seu nome no rol dos culpados e da suspensão de
seus direitos políticos.
Deixo de determinar a expedição de alvará de soltura, porque
foi concedido ao acusado o direito de recorrer em liberdade.
Em face da absolvição, resulta prejudicada a análise do apelo
ministerial.
Custas pelo Estado.
Des. Nelson Missias De Morais (REVISOR) - De acordo com o(a)
Relator(a).
Des. Catta Preta - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO SEGUNDO APELO.
PREJUDICADO O EXAME DO PRIMEIRO APELO"