V.V.P
HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – PRISÃO EM FLAGRANTE
POSTERIORMENTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES
DA MEDIDA CAUTELAR EXTREMA – ART. 312 DO CPP – PACIENTE PRIMÁRIO – POUCA
QUANTIDADE DE ENTORPECENTE - NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES –
APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO – ART. 319, INCISOS I, IV E
V DO CPP – CONSTRANGIMENTO ILEGAL VERIFICADO – ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA
- A prisão anterior ao trânsito em julgado de sentença penal
condenatória constitui medida excepcional, de cunho acautelatório, justificável
estritamente nos casos previstos no art. 312 do CPP.
- Considerando que o acusado não representa uma ameaça à
ordem pública, ordem econômica, instrução criminal ou aplicação da lei penal, é
primário, comprovando possuir residência fixa, não há como ser mantida a medida
cautelar extrema que é a prisão preventiva.
- Existindo, in casu, medidas cautelares mais adequadas e
diversas da prisão, deverá esta ser substituída.
Habeas Corpus Nº 1.0000.14.056181-2/000 - COMARCA DE Nanuque
- Paciente(s):
VALDINEI COSTA DE SOUZA - Autori. Coatora: JD 2 V CÍVEL CRIMINAL EXECUÇÕES
PENAIS COMARCA NANUQUE
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª
CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na
conformidade da ata dos julgamentos, POR MAIORIA, VENCIDA PARCIALMENTE A 1ª
VOGAL, EM DENEGAR A
ORDEM.
DES. WALTER LUIZ DE MELO
Relator.
Des.
Walter Luiz de Melo (RELATOR)
V O T O
O advogado constituído nos autos impetrou
ordem de habeas corpus com pedido de liminar em favor do paciente VALDINEI COSTA DE SOUZA, preso em flagrante delito no dia 14 de junho de 2014
pela suposta prática do delito tipificado no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006.
Alega, em síntese, que não estão
presentes os requisitos do art. 312 do CPP; que a
decisão que converteu prisão em flagrante em preventiva do paciente carece de
fundamentação; que a prisão preventiva seria desproporcional ante a
aplicabilidade do art. 33, §4º na hipótese de condenação; que deve ser
observado o princípio constitucional da presunção de inocência; que seria
possível a aplicação de medida cautelar diversa da prisão; que o paciente
possui condições pessoais favoráveis.
Requer seja concedida a ordem de habeas corpus em sede liminar, a fim de
que seja restituída sua liberdade, através da expedição do alvará de soltura e,
no mérito o deferimento em definitivo confirmando a liminar eventualmente
concedida.
O pedido de liminar foi
indeferido, fls. 46/46v.
A douta autoridade apontada como
coatora apresentou suas informações, fls. 53/54.
A Procuradoria-Geral de Justiça
manifestou pela denegação da ordem, fls. 57/62.
Este o relatório.
Passo a proferir o voto:
Analisando os autos, verifica-se
que o paciente foi preso em flagrante delito, no dia 14 de junho de 2014, e
denunciado, pela prática, em tese, do delito tipificado no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, prisão esta
convertida em preventiva. Consta ainda que policiais
militares, com base em denúncias anônimas informando a prática de tráfico de
drogas por um indivíduo nas imediações do estabelecimento comercial “Bar do
Caú”, e que as drogas estariam acondicionadas em seu capacete, se dirigiram ao
local e teria encontrado, dentro do capacete do paciente, 4 pedras de crack. Na oportunidade, militares
atenderam ao telefone do paciente, que teria tocado diversas vezes, e o
interlocutor teria manifestado interesse em adquirir cocaína, indicando o local
para receber a droga.
Pela importância, deixo
registrado: ninguém melhor que o juiz da causa, que tem contato direto com o
indiciado/paciente e possíveis testemunhas, para perceber, nas entrelinhas do
processo, a realidade dos fatos que estão sob seu exame.
É certo que não se exige para a
custódia cautelar, a mesma certeza que é exigível para que se possa proferir
uma condenação, de vez que aquela é baseada em elementos, em regra, não
perfeitamente delineados, porém fortemente justificadores de tal medida.
No caso em apreço verifica-se a
presença dos requisitos do art. 312 do CPP.
Como se sabe, para a manutenção da
medida coativa, deve revelar-se no caso concreto uma das quatro finalidades
expressas pela Lei: a garantia da ordem pública, da ordem econômica, a
conveniência da instrução criminal ou o asseguramento da aplicação da lei
penal.
Além do mais, deve estar presente
pelo menos uma das hipóteses estabelecidas no art. 313, incisos e parágrafo
único do mesmo Diploma Legal.
Ora, foi o paciente preso e
autuado em flagrante delito, com o que, como incurso nas penas do delito de
tráfico de drogas, sendo tal prisão convertida em preventiva pela autoridade
coatora em razão da presença dos requisitos previstos no art. 312 do CPP.
Analisando a decisão que converteu
a prisão em flagrante do paciente em preventiva, bem como a que indeferiu o
pedido de liberdade provisória, verifica-se a existência de fundamentos idôneos
a sustentá-las, eis que proferidas levando em consideração as circunstâncias do
caso concreto, destacando a necessidade de garantia
da ordem pública, vejamos, fls. 28/31 e 33/33v:
“A prisão cautelar sempre foi
medida excepcional em nosso ordenamento, ante o princípio constitucional de não
culpabilidade. Assim, somente é possível a manutenção da prisão em flagrante,
quando estiverem presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão
preventiva. (...). Na forma do artigo 310, II do Código de Processo Penal, o
juiz converterá a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os
requisitos do artigo 312 e as medidas cautelares diversas da prisão se
mostrarem inadequadas ou insuficientes. O réu foi preso em flagrante delito
pela prática do crime de tráfico de drogas. Dessa forma, a pena máxima
privativa de liberdade suplanta os 04 anos de prisão necessários para a
conversão do flagrante em preventiva. Logo, resta possível, com força no artigo
313, I do Código de Processo Penal, a conversão do flagrante em preventiva.
Compulsando os autos do presente APFD, observo que há prova de materialidade e
indícios suficientes de autoria (depoimentos prestados na fase policial e laudo
de constatação preliminar) do delito imputado ao réu. Desta feita, presente
está o fumus comissi delicti. Embora
o réu, quando de seu interrogatório pela autoridade policial, tenha negado a
prática do crime, os militares responsáveis pela prisão do agente relataram que
o abordaram com as drogas apreendidas. Outrossim, a polícia militar foi extremamente
diligente e encontrou um usuário que iria adquirir a droga do agente. Com
efeito, o local onde a droga estava escondida e o contato telefônico evidenciam
que há fortes indícios que a droga apreendida era destinada ao comércio. Já a periculum libertatis consiste na
presença dos pressupostos legais da prisão preventiva, descritos no art. 312 do
CPP. Analisando os autos de forma detida, vejo como indispensável à manutenção
da prisão cautelar do réu, pois a comunidade de Nanuque está sofrendo com o
crescente aumento das estatísticas dos crimes, influenciados pelo crime de
tráfico, notadamente os contra o patrimônio, contra a vida e principalmente
corrupção de menor, a manutenção do réu no cárcere é medida que se impõe.
Consigno que a conduta do réu é altamente reprovável ressaltando ser o crime de
tráfico de drogas equiparado a hediondo e causador do aumento da criminalidade
em todo o país. Dessa forma, para garantia da ordem pública e a credibilidade
do Poder Judiciário é necessária a manutenção da prisão do réu. Vale menção que
foi apreendido em poder do réu droga que causa forte dependência física e
química (cocaína), o que evidencia o comércio das substâncias ilícitas. A
quantidade de droga apreendida, bem como a quantia financeira, evidencia que o
crime de tráfico não é fato isolado na vida do agente. (...) Ademais, no caso,
não vejo, ao menos nesta fase, ser suficiente para a garantia da ordem pública
e para assegurar a aplicação da lei penal, a aplicação das medidas cautelares
diversas da prisão, sendo indispensável a prisão cautelar. Logo, feitas essas
ponderações, mantenho o réu recolhido no cárcere, converto a prisão em
flagrante em prisão preventiva. (...)”
“A Constituição Federal, no art.
5º, LXVI, dispõe que ninguém será mantido na prisão quando a lei admitir
liberdade provisória. Sabe-se que a restrição à liberdade é uma exceção no
Estado Democrático de Direito. Não podemos olvidar que a revogação da prisão
preventiva trata-se de mais um mecanismo hábil para obter o restabelecimento do
status libertatis do indivíduo.
Todavia, é imprescindível que façam ausentes os fundamentos da custódia
preventiva. No caso, a decisão que decretou a prisão preventiva do requerente
se baseou no risco à ordem pública. A Polícia Militar, com base em denúncia anônima
de que o agente comercializaria drogas, compareceu no "Bar de Cau" e
encontrou, dentro do capacete daquele, um invólucro contendo dois papelotes de
substância semelhante a cocaína. Embora o agente tenha dito aos milicianos que
as drogas se destinavam a seu próprio consumo, seu aparelho celular tocou no
momento da confecção do REDS e foi atendido pelo policial Jackson Pierre Reis
Teixeira (f.03). O interlocutor teria dito ao referido policial que queria
comprar um papelote de cocaína e que o esperaria próximo a um condomínio. Tal
pessoa foi encontrada pela Policia Militar, tratando-se de Ricardo dos Santos,
que confirmou que iria adquirir a droga com o autor dos fatos. Dessa forma, há
indícios suficientes da prática de tráfico de drogas pelo agente. (...) Adair
teria dito aos policiais que não era a primeira vez que compraria drogas do
autuado (ff. 02v/03), o que é indícios de que este já havia se estabilizado na
cidade como traficante. Registre-se que, quanto maior é o enraizamento do
envolvido no mundo do tráfico de drogas, maior é a probabilidade de sua
reiteração na conduta delitiva. Assim, diante do que consta nestes autos,
verifico ser necessária para a garantia da ordem pública a manutenção da prisão
preventiva do agente, como bem fundamentado na decisão de ff. 19/23. Ademais,
os argumentos da defesa no sentido de o autor ser primário e possuir trabalho e
residência fixa não são suficientes para o deferimento do seu pedido, pois a
necessidade da custódia provisória do agente se sobrepõe a esses elementos
individuais. (...)” – fls. 33/33v
Para complicar a situação, entende o STF pela “irrelevância da existência, ou não, de
fundamentação cautelar para a prisão em flagrante por crimes hediondos ou
equiparados.” (STF. HC 109.236, Relatora Ministra Carmem Lúcia, Primeira
Turma, julgado em 13/12/2011).
Na hipótese dos autos
a prisão do paciente se faz necessária para garantir a ordem pública, tendo em
vista que o tráfico de drogas, conforme sabido, é fomentador de diversas
atividades criminosas, ademais, cumpre ressaltar a natureza da droga apreendida
– 04 pedras de crack – que se tivesse
sido vendida poderia gerar transtornos graves à sociedade.
Aconselhável trazer à baila a
lúcida observação da MINISTRA ELIANA CALMON, ex-Corregedora Nacional de
Justiça:
“RESGATE DA
DIGNIDADE”
“Juiz de primeira instância deve ser valorizado.”
“Enquanto o juiz de primeiro grau não for devidamente
respeitado em suas decisões e suas decisões forem sempre reformadas, muitas
vezes até sem fundamento, nós teremos mais um fator de inchaço para a
Justiça”.(Fonte:
http://www.conjur.com.br/2009-jan-14/eliana_calmon_juiz_primeira)
São fatos e não hipóteses ou
suposições. É a realidade que determina ao Poder Judiciário não esquecer que
presta serviço à sociedade. Sua atuação deve ser pautada no que melhor atende
ao meio social em que convive e jurisdiciona. O fundamento prisional adotado
pelo julgador deve ser prestigiado, porquanto, exercendo suas funções no
distrito da culpa, tem percepção privilegiada acerca da repercussão do delito
no seio da comunidade, podendo, com mais facilidade, aquilatar a necessidade da
prisão.
O Judiciário, em suas decisões,
precisa ter sensibilidade para compreender que, efetivamente, a sociedade, cada
vez mais, está sendo agredida das mais diversas maneiras e, em assim sendo, não
pode privilegiar o interesse individual sobre o interesse maior, ou seja, o da
coletividade. É preciso, pois, diminuir a sensação de impunidade.
Assim, observo que a manutenção da
prisão do paciente é lastreada em elementos concretos, extraídos das
circunstâncias colhidas nos autos, justificando-se satisfatoriamente sobre a
presença dos requisitos do art. 312 do CPP, motivo pelo qual não vislumbro
qualquer ilegalidade que venha a inquinar referido ato.
Julgo oportuno, nesta ocasião,
diante do que está acontecendo, destacar o posicionamento da 2ª Turma do
Supremo Tribunal Federal:
“O Poder Judiciário não pode ficar alheio à gravidade do
problema de segurança que atormenta os moradores das cidades. E se o Juiz é,
como deve ser, homem de seu tempo, atento á realidade dos fatos e ao momento
que atravessa, não pode deixar de considerar a importância de suas decisões na
contenção da onda de violência que se vem alastrando e de maneira quase
incontornável, alarmando a população e intranqüilizando as famílias. Justo é,
em tais circunstâncias, que considere o Tribunal existentes aqueles
pressupostos legais que justificaram a prisão preventiva e, em conseqüência, a
custódia do agente (...) que foi preso em flagrante....” (“Revista Trimestral
de Jurisprudência”, do STF, vol.123, p.548/549)
É possível que apareça alguém para
dizer que o posicionamento da 2ª Turma do STF acima destacado nada tem a ver
com o caso em tela. Engano. Ora, o tráfico de drogas, com suas consequências,
praticamente está por detrás de todos os crimes que estão acontecendo.
Além do mais, na espécie, a prisão
preventiva é admissível, também, pela aplicação do art. 313, I, do CPP, pois o
crime em tela é doloso e punido com pena privativa de liberdade máxima superior
a 04 (quatro) anos e, além disto, consoante explanado acima, se encontram
presentes os pressupostos do art. 312, do mesmo Diploma Legal.
Em
relação ao princípio constitucional da presunção de inocência, é preciso não se
perder de vista que o lineamento constitucional apenas impede que se inicie a
execução da pena e que surta a sentença condenatória seus demais efeitos, antes
do necessário trânsito em julgado, mesmo porque a nossa Carta Magna não proíbe
qualquer tipo de prisão, desde que emanada de Órgão competente e devidamente
fundamentada, como no presente caso.
Quanto à alegação de que o
paciente possui condições pessoais favoráveis, tais como primariedade,
residência fixa e ocupação lícita, não obstam a sua segregação cautelar, quando
verificados outros elementos a recomendarem a sua manutenção.
A propósito, o seguinte aresto do
Superior Tribunal de Justiça:
“(...) Eventuais condições favoráveis ao paciente tais
como a primariedade, bons antecedentes, família constituída, emprego e
residência fixa não são suficientes para autorizar a liberdade provisória,
(...)”. (STJ. Habeas Corpus. nº 113.968-MT. Quinta Turma. Relator: Ministro
Arnaldo Esteves Lima. DJ de 03/11/08).
Quanto
ao argumento de violação ao princípio da proporcionalidade, prematuro o
pleiteado exame, não sendo possível, nesse momento, fazer ilações sobre a
perspectiva de pena in concreto, uma vez que se trata de questão que dependerá
da análise completa das diretrizes do art. 59 do Código Penal, na fase de
prolação da sentença, sendo, ademais, impossível a concessão de “habeas corpus”
por presunção.
Insta registrar que a aplicação de
quaisquer das medidas cautelares alternativas, previstas no art. 317 e
seguintes do CPP, outrossim, revela-se inadequada e ineficiente, ante a
gravidade do crime e as circunstâncias do fato, demonstradas acima.
Com efeito, o posicionamento do
MM. Juiz de Direito, que terá a responsabilidade de presidir a instrução
criminal, merece respaldo dessa Câmara, tendo as teses defensivas sido
enfrentadas.
Cumpre ressaltar, ainda, que a
Resolução nº 05/2012, do Senado Federal que suspendeu, nos termos do artigo 52,
inciso X da Constituição da República, do parágrafo 4º, do artigo 33, da Lei
11.343 de 23/08/2006, a expressão “vedada a conversão em penas restritivas de
direitos”. Ora, a referida Resolução visa o momento em que, após encerrada a
instrução criminal, quando de eventual condenação, portanto, nada diz quanto à
liberdade provisória no tráfico de drogas.
Diante do exposto, DENEGO A ORDEM.
Envie-se, imediatamente, cópia desta
decisão para ser juntada ao respectivo processo (art. 461 do RITJMG).
Sem custas.
Desa. Kárin Emmerich
Adoto o relatório.
Data vênia, divirjo do
voto do Relator, Desembargador Walter Luiz.
Analisando os autos,
verifica-se que o paciente foi preso em flagrante delito, no dia 14 de junho de
2014, e denunciado, pela prática, em tese, do delito tipificado no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, prisão esta
convertida em preventiva.
Consta ainda
que policiais militares, com base em denúncias anônimas informando a prática de
tráfico de drogas por um indivíduo nas imediações do estabelecimento comercial
“Bar do Caú”, e que as drogas estariam acondicionadas em seu capacete, se
dirigiram ao local e teriam encontrado, dentro do capacete do paciente, 4
pedras de crack.
O Laudo nº 0490/2014, às
fls.18, constata que a substância apreendida totalizou 2,15g de Cocaína.
Mesmo que o habeas corpus seja via sumaríssima, na
qual a dilação probatória não é possível, entendo ser ilegal a prisão
preventiva da paciente VALDINEI
COSTA DE SOUZA, eis que não
foram cabalmente demonstrados, pelo douto juízo a quo, os requisitos autorizadores da prisão preventiva, nos termos
do art. 312 do Código de Processo Penal.
Para a referida análise,
necessário se verificar a fundamentação utilizada pelo Juiz de Direito no
momento em que optou pela decretação da medida cautelar mais extrema em
desfavor do paciente, o que consta às fls. 28/31 e
33/33v destes autos:
“O réu foi preso em flagrante delito pela prática do crime de tráfico de
drogas. Dessa forma, a pena máxima privativa de liberdade suplanta os 04 anos
de prisão necessários para a conversão do flagrante em preventiva. Logo, resta
possível, com força no artigo 313, I do Código de Processo Penal, a conversão
do flagrante em preventiva.
Compulsando os autos do presente APFD, observo que há prova de
materialidade e indícios suficientes de autoria (depoimentos prestados na fase
policial e laudo de constatação preliminar) do delito imputado ao réu. Desta
feita, presente está o fumus comissi delicti.
Embora o réu, quando de seu interrogatório pela autoridade policial, tenha
negado a prática do crime, os militares responsáveis pela prisão do agente
relataram que o abordaram com as drogas apreendidas. Outrossim, a polícia
militar foi extremamente diligente e encontrou um usuário que iria adquirir a
droga do agente. Com efeito, o local onde a droga estava escondida e o contato
telefônico evidenciam que há fortes indícios que a droga apreendida era
destinada ao comércio. Já a periculum
libertatis consiste na presença dos pressupostos legais da prisão
preventiva, descritos no art. 312 do CPP.
Analisando os autos de forma detida, vejo como indispensável à
manutenção da prisão cautelar do réu, pois a comunidade de Nanuque está
sofrendo com o crescente aumento das estatísticas dos crimes, influenciados
pelo crime de tráfico, notadamente os contra o patrimônio, contra a vida e
principalmente corrupção de menor, a manutenção do réu no cárcere é medida que
se impõe. Consigno que a conduta do réu é altamente reprovável ressaltando ser
o crime de tráfico de drogas equiparado a hediondo e causador do aumento da
criminalidade em todo o país. Dessa forma, para garantia da ordem pública e a
credibilidade do Poder Judiciário é necessária a manutenção da prisão do réu.
Vale menção que foi apreendido em poder do réu droga que causa forte
dependência física e química (cocaína), o que evidencia o comércio das
substâncias ilícitas. A quantidade de droga apreendida, bem como a quantia
financeira, evidencia que o crime de tráfico não é fato isolado na vida do
agente. (...) Ademais, no caso, não vejo, ao menos nesta fase, ser suficiente
para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal, a
aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, sendo indispensável a
prisão cautelar. Logo, feitas essas ponderações, mantenho o réu recolhido no
cárcere, converto a prisão em flagrante em prisão preventiva. (...)”
De fato, não há como se
negar a gravidade do tráfico de drogas, bem como seus nefastos efeitos na saúde
pública da sociedade brasileira. Para tanto, foi editada e aprovada a Lei nº
11.343/06, trazendo no seu corpo uma séria de normas penais incriminadoras, com
o escopo de se atribuir responsabilidade penal a quem se aventure no mercado
dessas substâncias tão danosas à população, em especial aos jovens.
Entretanto, o julgador
quando na análise da adequação e necessidade da prisão preventiva deve se
atentar à gravidade concreta da conduta do paciente, não sendo idônea a
fundamentação do risco à ordem pública na simples gravidade abstrata do delito,
que sendo levada a efeito cria quase que indubitavelmente uma prisão ex lege para todos os acusados pela
prática do crime de tráfico de drogas.
Em verdade, a
possibilidade de reiteração delitiva sempre existe, mas deve ser presumida
somente quando o histórico da paciente revelar essa propensão ao crime, o que
não ocorre no presente caso, tendo em vista que se trata de pessoa sem
antecedentes criminais, conforme consta em sua CAC juntada às fls. 65.
Nessa esteira, tendo em
vista a presunção de inocência garantida pela Constituição Federal em seu
artigo 5º, inciso LVII, não há como se presumir que o paciente irá reincidir na
prática de crimes, sendo certo que se o fizer, deverá ser processado e julgado
nos termos da legislação penal e processual penal.
O comprovante de
residência juntado às fls. 32v. indica o endereço onde a paciente poderá ser
encontrado. Tal elemento, em consonância com os demais expostos no presente
voto, evidencia que, a princípio, a aplicação da Lei penal não se encontra
ameaçada.
Ressalto, ainda, a ínfima
quantidade de droga que foi apreendida, 2,15g de cocaína.
Desse modo, a decisão que
negou o pedido de liberdade provisória deixou, data venia, de demonstrar cabalmente porque as medidas cautelares
diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, não são
adequadas ao caso em tela.
Vejamos como trata o
Código de Processo Penal em relação às medidas cautelares:
“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título
deverão ser aplicadas observando-se a:
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a
instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática
de infrações penais;
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e
condições pessoais do indiciado ou acusado.
§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas
isolada ou cumulativamente.
§ 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo
juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da
investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante
requerimento do Ministério Público.
§ 3o Ressalvados os casos de urgência ou de perigo
de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará
a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das
peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.
§ 4o No caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério
Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor
outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312,
parágrafo único).
§ 5o O juiz poderá revogar a medida cautelar ou
substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como
voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
§ 6o A prisão preventiva será determinada quando
não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).”
Em relação ao que dispõe
o inciso I do referido artigo, entendo que as medidas cautelares previstas no
art. 319, incisos I, IV e V, do CPP são adequadas.
O mesmo pode ser dito em
relação ao que prescreve o inciso II do supramencionado art. 282, uma vez que,
conforme já mencionado, apesar de o bem jurídico tutelado pela Lei de Drogas
ter sido atingido, não entendo que tal agressão tenha ocorrido de maneira tão
grave a ponto de justificar uma prisão cautelar, que a propósito, é a medida
cautelar mais extrema e agressiva prevista em nosso ordenamento jurídico.
Ainda assim, friso que a
CAC da paciente, acostada às fls. 32v., não revela a necessidade da prisão
preventiva em seu desfavor, eis que não há elementos capazes de evidenciar o
risco oferecido pela sua liberdade à ordem pública.
Atento ao fato de que a
presente Ação não se confunde com a constatação da efetiva responsabilidade
penal do paciente em relação ao crime cuja autoria lhe é imputada, limitando-se
à análise da necessidade de lhe aplicar a medida cautelar prevista no art. 312
do Código de Processo penal. Desse modo, caso no curso da Ação penal originária
reste provado que o paciente realmente cometeu o crime em tela, deverá este ser
condenado nas sanções previstas para o delito que cometeu.
Nesse sentido, é farta a
Jurisprudência deste Tribunal:
“EMENTA: HABEAS CORPUS - TRÁFICO
DE DROGAS - PRISÃO PREVENTIVA - CONSTANGIMENTO ILEGAL - OCORRÊNCIA -
POSSIBILIDADE CONCRETA NO CASO EM TELA DE CONCESSÃO DO PRIVILÉGIO PREVISTO NA
LEI 11.343/06 - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CUSTÓDIA CAUTELAR
(ART. 312 DO CPP) - PACIENTE PRIMÁRIO - APREENSÃO DE MÍNIMA QUANTIDADE DE DROGA
(5,39 GRAMAS DE COCAÍNA) - APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO -
POSSIBILIDADE - ORDEM CONCEDIDA.
- Verifica-se a ocorrência de constrangimento ilegal se não estiverem
presentes no caso concreto os requisitos autorizadores da manutenção da
custódia cautelar, conforme previsto no art. 312 do Código de Processo Penal.
- Em caso de eventual condenação,
havendo probabilidade de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no
art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, com possibilidade de substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, o status libertatis do
paciente deve ser restabelecido, aplicando-se medidas cautelares diversas da
prisão.
> (Habeas Corpus 1.0000.13.066842-9/000, Relator(a): Des.(a)
Agostinho Gomes de Azevedo , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/10/2013,
publicação da súmula em 10/10/2013)
“EMENTA: HABEAS CORPUS - TRÁFICO
ILÍCITO DE ENTORPECENTES - PRISÃO PREVENTIVA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL
CARACTERIZADO - ORDEM CONCEDIDA COM APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES.
1.Não demonstrada a necessidade da imposição da medida excepcional ante
a situação fática e os parâmetros legais, configurada está à restrição ilegal
ao direito de liberdade.2. Ante a possibilidade de substituição da pena
corporal por restritiva de direitos no delito previsto no art. 33, caput da Lei
nº 11.343/06 quando aplicada a causa de diminuição estampada no parágrafo 4º do
aludido dispositivo, aferindo-se ser o caso, em tese, pelas condições pessoais
do paciente e narrativa dos fatos a ele imputados de aplicação da benesse,
mostra-se desproporcional o acautelamento em estabelecimento prisional. 3. Sendo o paciente primário, não noticiada
participação em organização criminosa, associação para o tráfico de drogas ou
possível embaraço à instrução do feito, tampouco evidenciada periculosidade
concreta extremada, há de ser revogada a prisão cautelar por ausência de
motivação idônea. (Habeas
Corpus 1.0000.13.062968-6/000,
Relator(a): Des.(a) Paulo Cézar Dias , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em
01/10/2013, publicação da súmula em 08/10/2013)”
“EMENTA: "HABEAS CORPUS"
- TRÁFICO DE DROGAS - CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA -
DECISÃO SEM LASTRO EM DADOS CONCRETOS - PREVALÊNCIA DO JUS LIBERTATIS SOBRE A
VEDAÇÃO LEGAL À LIBERDADE PROVISÓRIA AOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS -
PACIENTE PRIMÁRIO E POSSUIDOR DE BONS ANTECEDENTES - IMPOSIÇÃO DE MEDIDA
CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO - ORDEM CONCEDIDA, COM RECOMENDAÇÃO. (Habeas Corpus 1.0000.13.064126-9/000, Relator(a): Des.(a)
Antônio Carlos Cruvinel , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 01/10/2013,
publicação da súmula em 08/10/2013)”
Portanto, verificada a
inadequação da medida cautelar extrema em desfavor do paciente, resta
prejudicada a análise dos demais argumentos lançados na peça inicial.
Com essas considerações,
ausentes os requisitos autorizadores da manutenção da medida excepcional, nos
termos do art. 312 do CPP, entendo que a hipótese em análise recomenda não o
encarceramento do paciente, mas a imposição de outras medidas cautelares
diversas da prisão, pelo que, além do comparecimento periódico em juízo
(art. 319, I, do CPP), do recolhimento domiciliar no período noturno e nos
dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalhos
fixos (art. 319, V, do CPP) é cabível também a proibição de se ausentar
da comarca sem prévia autorização judicial (art. 319, IV, do CPP), medidas
que entendo suficientes e adequadas ao caso concreto, consoante determina o
art. 282, I e II, do CPP.
Diante do exposto,
divirjo do ilustríssimo Desembargador Relator e voto pela CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM, restituindo a liberdade ao paciente com
aplicação das medidas cautelares previstas nos artigos 319, incisos I, IV e V
do Código de Processo Penal nos termos acima, portanto o paciente deverá
assinar o termo constando que aceita as condições dos referidos dispositivos.
A EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA DEVERÁ SER NO JUÍZO DE ORIGEM, APÓS
FORMALIZAÇÃO DO TERMO EM QUE O PACIENTE DECLARE QUE CONCORDA COM AS CONDIÇÕES
IMPOSTAS, com o que,
repetindo, sua soltura fica condicionada à assinatura do termo de compromisso
de medida cautelar imposta, cuja lavratura atribuo ao Juiz monocrático, que
deverá, antes da liberação, adverti-lo quanto às consequências do seu
descumprimento, previstas no art. 282, §4º, c/c art. 312, parágrafo único,
ambos do Código de Processo Penal.
Envie-se, imediatamente,
cópia desta decisão para ser juntada ao respectivo processo (art. 461 do
RITJMG).
Sem custas.
Des. Alberto Deodato Neto - De acordo com o(a) Relator(a).