EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIAS
ENTORPECENTES – AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL TOXICOLÓGICO DEFINITIVO AO TEMPO DA
SENTENÇA – JUNTADA TARDIA – IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA –
NULIDADE - INOCORRÊNCIA. 01. Inocorrendo o exame definitivo da substância
supostamente tóxica, torna-se impossível atestar o seu poder de causar
dependência física e psíquica. 02. Ignorado o poder de causar dependência da
substância apreendida, falta prova da materialidade da traficância,
indispensável à condenação do agente pelo delito de tráfico de drogas. 03. A
juntada tardia do laudo toxicológico definitivo não pode ser admitido para
prejudicar o réu, sob pena de violar não apenas o devido processo legal e seus
corolários, mas também o duplo grau de jurisdição quando não submetido à
apreciação do juízo primevo.
Apelação Criminal Nº 1.0443.15.004259-8/001 - COMARCA
DE Nanuque - Apelante(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS - Apelado(a)(s): OSVALDO GONÇALVES JÚNIOR - Corréu: LUIZ CARLOS
CONCEIÇÃO DA SILVA
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA
CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da
ata dos julgamentos, em, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO
AO RECURSO
DES. FORTUNA GRION
Relator.
Des.
Fortuna Grion (RELATOR)
V O T O
O Ministério Público denunciou LUIZ CARLOS CONCEIÇÃO DA SILVA e OSVALDO GONÇALVES JUNIOR, já
qualificados nos autos, como incursos nas iras do art. 33, caput, e art. 35, ambos da Lei 11.343/06, isso porque estariam
eles, no dia de 28 de outubro de 2015, na Travessa Santa Luzia, nº 64, Bairro
Getúlio Vargas, em Nanuque/MG, transportando drogas, sem autorização em
desacordo com determinação legal e regulamentar, bem como se associaram, de
modo estável e permanente, para o fim de praticar o tráfico de drogas.
Narra a denúncia que os
increpados trafegavam no veículo Volkswagen Gol, placas MSQ-7511, conduzido por
Luiz Carlos, ocasião em que policiais militares emitiram ordem de parada, tendo
eles sido abordados e submetidos a busca pessoal.
Descreve a inicial acusatória
que os militares lograram encontrar, no bolso da bermuda de Osvaldo, quatro
pedras de crack, sendo três pedras pequenas e uma grande.
Conta, mais, a peça acusatória
que, no momento da apreensão, Osvaldo alegou haver adquirido 25 gramas de crack
pela importância de R$400,00, tendo sido constatada, após verificação do
celular de Luiz Carlos, um conversa entre eles, em que este perguntava se “deu
certo a entrega”, tendo obtido a resposta de que “claro, pow, é nois”. Assim, restou evidenciado que os denunciados
estavam associados, de modo estável e permanente, para o fim de praticar o
tráfico de drogas.
A denúncia foi rejeitada quanto ao réu Luiz Carlos, como se vê da decisão
de f. 130/131, correndo a presente ação penal apenas para Osvaldo Gonçalves
Junior.
Após a instrução
probatória, foi o réu absolvido das imputações de tráfico e associação para o
tráfico por falta de prova, nos termos do disposto no art. 386, VII, do CPP.
Inconformado,
recorreu o Ministério Público, buscando, em razões de f. 209/213, a nulidade da
sentença, alegando error in procedendo
pela ausência de juntada de laudo toxicológico definitivo, não obstante
requerimentos do órgão ministerial.
Em contrarrazões de f. 224/226,
a defesa manifestou-se pelo desprovimento do recurso ministerial, mantendo-se
íntegra a sentença combatida.
Nesta instância, a
douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de f. 230/234, opinou pelo
provimento do Apelo.
É, no essencial, o relatório.
Presentes os pressupostos
extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.
Ante a ausência de preliminares,
passo à análise do mérito.
Requer o Ministério Público a nulidade da sentença, alegando, para tanto,
error in procedendo, pela ausência de
juntada de laudo toxicológico definitivo, não obstante requerimentos do órgão
ministerial.
Em que pesem as razões apresentadas pelo Parquet, peso razão não lhe assistir.
Depreende-se dos autos que policiais
militares, durante diligência, após avistarem Osvaldo em atitude suspeita
dentro do VW/Gol, placas MSQ-7511, deu ordem de parada ao condutor do veículo
e, após revista, apreenderam 04 pedras de crack em poder de Osvaldo.
Com efeito, ofertada a denúncia em desfavor
de Osvaldo, o representante do MP requereu fosse oficiada a autoridade policial
para que fosse requisitado o laudo toxicológico definitivo (f. 67), o que foi
devidamente deferido pelo magistrado a
quo (f. 68). Entretanto, o ofício de f. 69 não foi respondido.
Também é certo que, designada audiência de
instrução, requereu o Parquet fosse
expedido oficio ao Instituto Médico Legal e, novamente, à autoridade policial,
requisitando o envio do laudo definitivo das substâncias apreendidas.
Na ocasião, aliás, o juiz deferiu o pedido
determinando que, uma vez transcorrido o prazo, com ou sem a juntada do laudo,
fosse dada vista à acusação pública para apresentar alegações finais,
facultando-lhe a sua juntada caso não aportasse nos autos. (f. 154)
Como se vê dos autos, em atendimento ao
ofício (f. 164), a autoridade policial informou que o laudo definitivo ainda
não havia aportado 4ª DRPC/Nanuque, não sendo possível atender à requisição.
Não obstante, o Parquet apresentou memorias escrito requerendo apenas a condenação
de Osvaldo nos termos da exordial acusatória, sem, contudo, diligenciar quanto
à juntada do mencionado laudo.
Como bem destacou o sentenciante, o laudo
toxicológico não foi juntado porque “não
foram localizados registros indicativos de entrada do pedido em questão”,
como faz certo o documento de f. 188.
Em verdade, ao tempo da sentença, constava
apenas o laudo de constatação preliminar da droga apreendida (f. 30).
O exame de constatação prévia da droga,
aliás, serve à lavratura do APFD, também à instauração do procedimento
investigativo, de sorte que caracteriza mesmo início de prova material da
mercancia proibida.
Inocorrendo, contudo, o exame definitivo da
substância supostamente tóxica, torna-se impossível atestar o seu poder de causar
dependência física ou psíquica em que a consome.
E, como se depreende da norma insculpida no
art. 1º, parágrafo único, da Lei n.º 11.343/06, “consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de
causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas
atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.
A propósito, leciona Luiz Flávio Gomes:
"Em matéria de
drogas, dois são os laudos necessários: o de constatação e o definitivo. O
primeiro cumpre o papel de comprovar a materialidade do delito no momento do
auto de prisão em flagrante (ou no momento da abertura do inquérito policial,
quando este se inicia de outra maneira). O segundo laudo (o definitivo) é o que
comprova, de modo insofismável, a natureza e quantidade da droga. O laudo
definitivo deve ser subscrito por dois peritos (oficiais ou não). O subscritor
da primeira perícia não está impedido de participar da segunda. Esse laudo deve
ser juntado aos autos do processo antes da audiência de instrução, debates e julgamento.
Sem a comprovação da natureza da droga não pode o juiz proferir sentença
condenatória." (in Lei de Drogas
Comentada Artigo por Artigo, 2.ª ed. São Paulo: Editora RT, 2007, p. 258-259)
Vê-se, portanto, que o laudo toxicológico,
atestando o poder de causar dependência da substância apreendida, era
imprescindível, ao tempo da prolação da sentença, à edição de um decreto
condenatório e à imposição das reprimendas.
Na hipótese dos autos, como bem destacou o
sentenciante, embora as drogas apreendidas tenham sido submetidas a exame
preliminar pela autoridade policial, até
a prolação da sentença, não havia sido submetida a exame técnico.
Ora, o laudo toxicológico definitivo somente
aportou nos autos após publicação da
sentença que, como se vê, foi registrada em 03/05/2016. Não bastasse a
juntada tardia da prova técnica, vale registrar que mencionado laudo somente
foi confeccionado no dia 24/08/2016, isto é, após o édito absolutório, não
podendo este documento ser admitido para prejudicar o réu, sob pena de violar
não apenas o devido processo legal e seus corolários, mas também o duplo grau
de jurisdição, sobretudo porque, quanto a este laudo, não se manifestou o juízo
a quo.
Nesse sentido, trago jurisprudência deste
Tribunal:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL
- TRÁFICO DE DROGAS - AUSÊNCIA DE LAUDO DEFINITIVO QUANDO DA PROLAÇÃO DA
SENTENÇA - MATERIALIDADE DO DELITO NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO - MANTIDA. O
laudo toxicológico definitivo é imprescindível para a comprovação da
materialidade do delito de tráfico de drogas, não sendo admissível a sua
juntada extemporânea aos autos, depois de prolatada a sentença, impondo-se a
absolvição dos réus por flagrante ausência de materialidade delitiva.
(TJMG - Apelação Criminal 1.0456.14.000145-8/001, Relator(a):
Des.(a) Jaubert Carneiro Jaques , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/02/2015,
publicação da súmula em 13/02/2015)
APELAÇÃO CRIMINAL
- TRÁFICO DE ENTORPECENTES - JUNTADA DO LAUDO TOXICOLÓGICO DEFINITIVO APÓS
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE - ABSOLVIÇÃO MANTIDA
- POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO - ART. 12 DA LEI Nº 10.826/2003
- CONDUTA APARENTEMENTE ATÍPICA - EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA ALTERANDO O
ESTATUTO DO DESARMAMENTO - PERMISSÃO DE ENTREGA ESPONTÂNEA DE ARMAS DE FOGO DE
USO PROIBIDO.
- ""O exame toxicológico da substância que motiva a ação penal contra o réu é assumido pela lei como elemento indispensável para apurar a identidade do material colhido, com vistas a demonstrar a realidade do comportamento típico"" (STF).
- Diante da possibilidade de atipicidade da conduta de posse ilegal de arma de fogo, impõe-se a absolvição do agente.
(TJMG - Apelação Criminal 1.0470.06.025189-4/001, Relator(a): Des.(a) Beatriz Pinheiro Caires , 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/07/2008, publicação da súmula em 13/08/2008)
- ""O exame toxicológico da substância que motiva a ação penal contra o réu é assumido pela lei como elemento indispensável para apurar a identidade do material colhido, com vistas a demonstrar a realidade do comportamento típico"" (STF).
- Diante da possibilidade de atipicidade da conduta de posse ilegal de arma de fogo, impõe-se a absolvição do agente.
(TJMG - Apelação Criminal 1.0470.06.025189-4/001, Relator(a): Des.(a) Beatriz Pinheiro Caires , 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/07/2008, publicação da súmula em 13/08/2008)
TRÁFICO DE
ENTORPECENTE E POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO - MATERIALIDADE DO
DELITO. A ausência de laudo toxicológico definitivo até a prolação da sentença
deve conduzir à absolvição dos réus, por falta de comprovação da materialidade
delitiva. (TJMG - Apelação Criminal
1.0452.05.017226-4/001, Relator(a): Des.(a) Jane Silva , 3ª CÂMARA
CRIMINAL, julgamento em 08/11/2005, publicação da súmula em 10/12/2005)
A propósito, vale registrar que a ausência do
laudo não restou suprida sequer pela prova oral trazida para acervo probatório.
Isso porque apenas o exame pericial poderia atestar o poder de causar
dependência física ou psíquica das substâncias apreendidas.
Assim, à falta de prova cabal da materialidade,
não há falar-se em error in procedendo,
devendo mesmo ser mantida a absolvição do recorrente
da imputação de tráfico contida na denúncia, também com fundamento no disposto
no art. 386, VII, do CPP.
Quanto ao delito de associação para o
tráfico, registro que o Parquet se
conformou com édito absolutório, eis porque deve ser mantido.
Mercê de tais considerações, NEGO
PROVIMENTO ao recurso ministerial para manter a decisão reprochada.
Custas pelo Estado.
Desa. Maria Luíza De Marilac (REVISORA) - De acordo com o(a)
Relator(a).
Des. Octavio Augusto De Nigris Boccalini - De acordo com o(a)
Relator(a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"