HC 143641 / SP
Ementa:
HABEAS CORPUS COLETIVO.
ADMISSIBILIDADE. DOUTRINA
BRASILEIRA DO HABEAS
CORPUS . MÁXIMA EFETIVIDADE DO WRIT . MÃES E GESTANTES
PRESAS. RELAÇÕES SOCIAIS MASSIFICADAS E BUROCRATIZADAS. GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS.
ACESSO À JUSTIÇA. FACILITAÇÃO. EMPREGO DE REMÉDIOS PROCESSUAIS
ADEQUADOS. LEGITIMIDADE
ATIVA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA
LEI 13.300/2016. MULHERES GRÁVIDAS OU
COM CRIANÇAS SOB
SUA GUARDA. PRISÕES PREVENTIVAS CUMPRIDAS
EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. INADMISSIBILIDADE. PRIVAÇÃO DE
CUIDADOS MÉDICOS PRÉ- NATAL E PÓS-PARTO. FALTA DE BERÇARIOS E CRECHES. ADPF 347
MC/DF. SISTEMA PRISIONAL
BRASILEIRO. ESTADO DE
COISAS INCONSTITUCIONAL. CULTURA DO
ENCARCERAMENTO. NECESSIDADE
DE SUPERAÇÃO. DETENÇÕES
CAUTELARES DECRETADAS DE FORMA
ABUSIVA E IRRAZOÁVEL. INCAPACIDADE DO
ESTADO DE ASSEGURAR
DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀS ENCARCERADAS. OBJETIVOS
DE DESENVOLVIMENTO DO
MILÊNIO E DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. REGRAS DE
BANGKOK. ESTATUTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA. APLICAÇÃO À ESPÉCIE. ORDEM CONCEDIDA.
EXTENSÃO DE OFÍCIO.
I – Existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos problemas
estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos,
especialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis.
II – Conhecimento do writ coletivo homenageia nossa tradição jurídica
de conferir a maior amplitude possível ao remédio heroico, conhecida como doutrina brasileira do
habeas corpus .
III – Entendimento que se amolda
ao disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal - CPP, o qual
outorga aos juízes e tribunais competência para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus , quando no curso de processo,
verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
IV – Compreensão que se harmoniza
também com o previsto no art. 580 do CPP, que faculta a extensão da ordem a
todos que se encontram na mesma situação processual.
V - Tramitação de mais de 100
milhões de processos no Poder Judiciário, a cargo de pouco mais de 16 mil
juízes, a qual exige que o STF prestigie remédios processuais de natureza
coletiva para emprestar a máxima eficácia ao mandamento constitucional da
razoável duração do processo e ao princípio universal da efetividade da
prestação jurisdicional
VI - A legitimidade ativa do habeas corpus coletivo, a princípio, deve ser reservada
àqueles listados no art. 12 da Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a
legislação referente ao mandado de injunção coletivo.
VII – Comprovação nos autos de
existência de situação estrutural em que mulheres grávidas e mães de crianças
(entendido o vocábulo aqui em seu sentido legal, como a pessoa de até doze anos
de idade incompletos, nos termos do art. 2º do Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA) estão, de fato, cumprindo prisão preventiva em situação
degradante, privadas de cuidados
médicos pré-natais e
pós-parto, inexistindo, outrossim
berçários e creches para seus filhos.
VIII – “Cultura do
encarceramento” que se evidencia pela exagerada e irrazoável imposição de prisões
provisórias a mulheres pobres e vulneráveis, em decorrência de excessos na
interpretação e aplicação da lei penal, bem assim da processual penal, mesmo
diante da existência de outras soluções, de caráter humanitário, abrigadas no
ordenamento jurídico vigente.
IX – Quadro fático especialmente
inquietante que se revela pela incapacidade de o Estado brasileiro garantir
cuidados mínimos relativos à maternidade, até mesmo às mulheres que não estão
em situação prisional, como comprova o “caso Alyne Pimentel”, julgado pelo
Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
das Nações Unidas.
X – Tanto o Objetivo de
Desenvolvimento do Milênio nº 5 (melhorar a saúde materna) quanto o Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável nº 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar
todas as mulheres e meninas), ambos da Organização das Nações Unidades, ao
tutelarem a saúde reprodutiva das pessoas do gênero feminino, corroboram o
pleito formulado na impetração.
X – Incidência de amplo
regramento internacional relativo a Direitos Humanos, em especial das Regras de
Bangkok, segundo as quais deve ser priorizada solução judicial que facilite a
utilização de alternativas penais ao encarceramento, principalmente para as
hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado.
XI – Cuidados com a mulher presa
que se direcionam não só a ela, mas
igualmente aos seus
filhos, os quais sofrem
injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao
art. 227 da Constituição, cujo teor determina
que se dê
prioridade absoluta à concretização dos direitos destes.
XII – Quadro descrito nos autos
que exige o estrito cumprimento do Estatuto da Primeira Infância, em especial
da nova redação por ele conferida ao art. 318, IV e V, do Código de Processo
Penal.
XIII – Acolhimento do writ que se impõe de modo a superar tanto a arbitrariedade
judicial quanto a sistemática exclusão de direitos de grupos hipossuficientes,
típica de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções coletivas para
problemas estruturais.
XIV – Ordem concedida para
determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo
da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP
- de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e
deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das
Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015),
relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto
perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante
violência ou grave ameaça, contra seus descendentes.
XV – Extensão da ordem de ofício
a todas as demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e
de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas
socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as
restrições acima.