Consultor Jurídico

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Lacuna legal após alteração dos critérios para a concessão de progressão de regime - ARE 1327963/SP (Tema 1169 da RG) - Reincidente não específico - art. 112, V Lep - 40%

o Plenário, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada (Tema 1169 da RG). No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria (3). Vencido
o ministro Luiz Fux.

 

TESE FIXADA:

 
“Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (art. 5º, XXXIX, CF) (1), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no art. 112 da LEP (2) não autoriza a incidência do percentual de 60% (inc. VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analo-
gia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da
LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem
resultado morte reincidente não específico.

 

Precedentes: RHC 200.879; RHC 196.810 AgR; RHC 198.156 AgR; ARE 1.330.176; HC 202.691; e HC 193.187.

 
ARE 1327963/SP, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento no Plenário Virtual finalizado em 17.9.2021

 

 

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

JÚRI - DESCLASSIFICAÇÃO - DECOTE MOTIVO FÚTIL - NECESSIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA

 Processo: 1.0443.14.000509-3/001

 Relator: Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini

 Relator do Acordão: Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini

 Data do Julgamento: 21/09/2021

 Data da Publicação: 01/10/2021

 EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO - DESCLASSIFICAÇÃO - DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA - NÃO COMPROVAÇÃO INDENE DE DÚVIDA - MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI - DECOTE DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL - NECESSIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. 1. A desclassificação da conduta para Crime de competência do Juiz Singular exige a comprovação, inconteste, sobre a ausência de animus necandi ou da configuração de Desistência Voluntária. 2. A qualificadora do Motivo Fútil deve ser decotada, porquanto manifestamente improcedente (Súmula 64 TJMG), ante a ausência de indícios a demonstrar a motivação de somenos importância. REC EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0443.14.000509-3/001 - COMARCA DE NANUQUE - RECORRENTE(S): ALEXSANDRO DE JESUS SANTOS - RECORRIDO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.


DES. OCTAVIO AUGUSTO DE NIGRIS BOCCALINI (RELATOR)

 V O T O Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Alexsandro de Jesus dos Santos, contra a r. Decisão (fls. 100/102v-TJ) proferida pela MMª Juíza de Direito da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Nanuque, que o Pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, §2º, II e IV c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. 

 Em Razões recursais (fls. 109v/110v-TJ), a Defesa pugna pela Desclassificação do Delito para o Crime de Lesão Corporal, argumentando a ausência de comprovação do animus necandi e a ocorrência de Desistência Voluntária. Em Contrarrazões (fls. 113/119v-TJ), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais pugna pelo desprovimento do Recurso defensivo.

 Em Juízo de Retratação (fl. 139-TJ), a Magistrada Singular manteve inalterada a r. Decisão de Primeiro Grau. Em Parecer (fls. 141/143-TJ), opina a Procuradoria-Geral de Justiça pelo provimento do Recurso defensivo, para Desclassificar o Crime Doloso Contra a Vida. Subsidiariamente, manifesta pelo decote da Qualificadora do Motivo Fútil. Vieram-me os autos conclusos (fl. 144-TJ).

 É o relatório. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conforme art. 581, IV, do Código de Processo Penal, conheço do recurso. Inexistem Preliminares, tampouco Nulidades arguidas pelas partes ou que devam ser declaradas de ofício.


Narra a Denúncia (fls. 02D/v-TJ) que, no dia 17.10.2013, por volta de 13h00min, na Rua Pará, nº 175, Bairro São Geraldo, na Cidade de Nanuque, Alexsandro de Jesus dos Santos (Recorrente), supostamente, com animus necandi, por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da Vítima, desferiu golpe de faca contra o Ofendido C.S.S. (Cláudio), causando-lhe lesões que não foram a causa da morte por circunstâncias alheias à vontade do agente. Confira-se:

 "(...) Segundo apurado, o denunciado recebeu como herança de seu pai um imóvel situado na Rua Pará, nº 173, Bairro São Geraldo, Nanuque/MG. Em razão de ter se mudado para a fazenda onde trabalhava, deixou seu sobrinho, ora vítima, residir no referido imóvel juntamente com sua companheira. 

Ocorre que após sair de seu emprego na zona rural, o denunciado pediu à vítima que desocupasse a casa, em razão de seu retorno à cidade, o que ocasionou atrito entre os dois, posto que a vítima se recusava a desocupar a residência.

 Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas acima, o denunciado se dirigiu à vítima e sua companheira dizendo que entraria no imóvel e os agrediria a fim de que dali saíssem. Mais tarde, por volta das 13h00min, quando a vítima saía de casa para trabalhar, o denunciado voltou a proferir ameaças. 

Percebendo, iminente perigo, a vítima retornou à sua residência para alertar sua companheira e mãe que, caso algo acontecesse, deveriam acionar a Polícia Militar, momento em que foi surpreendido pelo denunciado, que lhe golpeou na cabeça com um facão, não oportunizando qualquer defesa e provocando-lhe as lesões descritas no ACD de fl. 15. Os demais familiares, notando a agressão, socorreram a vítima até o Pronto Socorro Municipal, tendo o denunciado evadido em meio ao tumulto que se formou em razão do ocorrido. (...)" (fls. 02d/v-TJ).

 1) Da Desclassificação para o crime de Lesão Corporal 

 Sustenta a Defesa a ausência de comprovação de que o Recorrente teria agido com animus necandi, consignando que Alexsandro de Jesus Santos teria desistido voluntariamente da prática do Delito de Homicídio, motivo pelo qual aduz a necessidade de desclassificação para o Crime de Lesão Corporal. 

 Sem razão.

 A Decisão de Pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade acusatório, em que o Magistrado Singular aprecia os requisitos para a submissão do Réu ao Júri Popular, em observância à competência conferida pela Constituição Federal (art. 5º, XXXVIII) ao Tribunal Júri, para julgar os crimes dolosos contra a vida. 

 Por não se tratar de juízo condenatório, a Decisão não deve adentrar ao meritum causae, consubstanciando-se somente na existência de um crime doloso contra a vida e na probabilidade razoável de ser o Réu o responsável pela prática do delito, delineando a incidência das qualificadoras e causas de aumento de pena, consoante dispõe o art. 413 do Código de Processo Penal. 

 Assim, sustentando eventual dúvida acerca da participação do agente no delito, ou até mesmo da intenção, deve a tese defensiva ser examinada de forma pormenorizada pelo Tribunal do Júri, haja vista que o juízo meritório final acerca da imputação assiste exclusivamente ao Tribunal Popular, sob pena de usurpação de competência constitucional. 

 Neste sentido, a desclassificação do delito, em sede de Pronúncia, somente é possível quando restar evidenciada, inequivocamente, a ausência de intenção de matar na conduta do agente, porquanto a aferição de existência ou não do animus necandi compete exclusivamente ao Tribunal do Júri. 

 - Da materialidade

 In casu, a materialidade do Crime Doloso Contra Vida é incontroversa e se encontra consubstanciada pelo Boletim de Ocorrência (fls. 09/12-TJ), Exame de Corpo de Delito (fl. 15-TJ) e Relatório (fls. 41/43-TJ). 

A propósito, o Exame de Corpo de Delito (fl. 15-TJ) atestou a presença de "ferida suturada com fio de nylon preto de 8,0 cm localizado em região temporal esquerda" e "ferida saturada com fio de nylon preto de 7,0cm localizado em região retro auricular", concluindo, assim, que houve ofensa à integridade corporal ou a saúde da Vítima C.S.S. (Cláudio), causada por instrumento corto-contundente. 

 - Dos indícios de autoria 

 Quanto aos indícios de autoria, podem ser suficientemente vislumbrados pela prova testemunhal, colhida ao longo da instrução processual.

 Outrossim, o modus operandi da suposta prática delitiva, a princípio, demonstra indícios suficientes acerca da presença de animus necandi na conduta do Recorrente. 

 O Recorrente, à Autoridade Policial (fl. 21/23-TJ), relatou que, após o falecimento do genitor, aproximadamente cinco anos antes dos fatos, o Réu teria herdado o direito de residir em imóvel, localizado na Rua Pará, nº 173, Bairro São Geraldo, na Cidade de Nanuque. 

 Esclareceu que teria residido no local por um tempo, contudo, ao se mudar para trabalhar na Zona Rural do Município, teria emprestado a residência para a Vítima, porquanto o Ofendido teria lhe pedido o imóvel para residir com a companheira, que estava grávida. Consignou que, no início do mês de setembro, teria solicitado a Cláudio para que desocupasse o imóvel, porquanto estava retornando para o perímetro urbano, contudo, a Vítima teria se recusado a sair da residência.

 Em relação ao dia dos fatos, o Réu narrou que se encontrava em via pública, quando escutou o Ofendido afirmar à esposa para acionar a Polícia, "se algo acontecesse". Alegou ter se dirigido ao imóvel onde a Vítima residia, ocasião em que teria assegurado a Cláudio a desnecessidade de acionar a Polícia, consignando que desejava apenas que a Vítima desocupasse o imóvel que pertencia ao Recorrente. 

 Relatou que, neste momento, o Ofendido teria desferido dois golpes de vassoura contra as costas do Réu, sendo que, na tentativa de se defender, Alexsandro teria levantado o facão que trazia consigo, ocasião em que o objeto teria atingido Cláudio. Alegou que não tinha a intenção de machucar o Ofendido, afirmando que não conseguiu evitar a lesão causada à Vítima. Veja-se: 

Alexsandro de Jesus Santos (Recorrente) - IP 


"(...) que sempre trabalhou em fazenda, e há aproximadamente três meses, retornou para a cidade; que quando morava na cidade, residia na casa a qual Claudio mora; que na casa morava o declarante, o pai e a mãe do mesmo; que antes do pai do declarante falecer, o declarante arrumou uma esposa, e ficou morando com os seus pais na mesma casa; que algum tempo depois se mudou para uma casinha perto da casa de seu pai; que quando o pai do declarante faleceu, há aproximadamente 05 anos, deixou a casa para o declarante, até que ele conseguisse adquirir sua própria casa; que ficou morando na casa deixada por seu pai; que quando arranjou um emprego em uma fazenda no corrente ano, fechou a casa e foi trabalhar na Fazenda Boa Vista, Município de Posto da Mata/BA; que Claudio havia engravidado uma moça, e já que a casa estava fechada, pediu ao declarante para morar nela; que o declarante permitiu que Claudio morasse na casa; que o declarante também emprestou alguns de seus móveis para Cláudio; que no início do mês de setembro, precisamente dia 01/09 do corrente ano, o declarante veio acidade fazer feira e encontrou Claudio; que o declarante pediu a Claudio que desocupasse a casa, pois havia pedido as contas e já estaria vindo embora de volta para a cidade; que Claudio respondeu que ninguém o tiraria da casa; (...) que o declarante disse que nunca ameaçou Claudio de morte; que somente queria a casa em que morava de volta; (...) que no dia 17/10/2013, o declarante havia acabado de almoçar, e estava sentado em um carrinho de mão, pois iria cortar capim para os carneiros que cria; que ao passar na rua, Claudio falou em alto e bom som para sua esposa, que se algo acontecesse, pudesse chamar a Polícia; que o declarante passou em frente aos fundos da casa de Claudio e falou para o mesmo que não precisaria chamar a Polícia, pois somente queria que ele desocupasse a sua casa; que ao passar, o declarante foi repreendido com uma vassourada em suas costas, desferidas por Claudio; que o declarante tentou se esquivar, mas Claudio novamente deu outra vassourada no declarante; que o declarante estava com um facão na mão, pois iria cortar capim para os animais, na tentativa de se defender, levantou o facão de uma vez, para conter a vassoura, para não bater em seu corpo; que Claudio entrou na frente e foi atingido pelo facão; que não teve como evitar a lesão; que não tinha a intenção de machucar Claudio; que desde que o declarante pediu a casa, Claudio vem o ameaçando e humilhando o declarante, dizendo a ele que tem dinheiro e trabalho de carteira assinada, e o declarante não; que dizia também que o declarante não tinha mais o direito de morar na casa, dizia que iria matar o declarante; (...)" (fl. 22-TJ) - Negritei.


Sob o crivo do contraditório (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), Alexsandro de Jesus Santos, ora Recorrente, relatou que teria fornecido à Vítima imóvel que lhe pertencia, para que o Ofendido residisse com a companheira, contudo, ao necessitar do imóvel, Cláudio teria se recusado a desocupá-lo.


Afirmou que, no dia dos fatos, estava jogando Dominó, quando a Vítima, em via pública, teria o chamado de "macaco", afirmando "que qualquer coisa que você fizer com a minha mulher, o que está lá em casa te espera, vai lá em casa para você ver". Narrou que, em seguida, teria se dirigido à residência da Vítima, sendo que, no local, Cláudio teria desferido dois golpes de vassoura contra o Recorrente. Por derradeiro, confirmou ter efetuado golpe de facão contra a Vítima, consignando que "não matou porque seu coração sentiu, pois era seu sobrinho". 

A saber: Alexsandro de Jesus Santos (Recorrente) - Em Juízo 


"(...) que os fatos aconteceram; que se quisesse matar a vítima, poderia; que se arrependeu; que forneceu a casa para a vítima morar; que estava com facão pequeno de 15 polegadas; que estava cortando o capim para carneiros; que não era um facão de cana; que não estava bêbado; que não bebe; que pediu para um amigo avisar para a vítima desocupar a casa; que o amigo teria lhe falado que a vítima falou que a casa estava desocupada; que veio com caminhão para mudar; que, quando chegou, a mulher da vítima falou que não ia desocupar; que estava sentado, jogando dominó; que a vítima passou na rua e lhe chamou de "macaco", afirmando "que qualquer coisa que você fizer com a minha mulher, o que está lá em casa te espera, vai lá em casa para você ver"; que foi para casa da vítima com o facão e saco nas costas, porque estava indo cortar capim; que quando foi na casa da vítima, cláudio lhe deu duas vassouradas; que fez o laudo médico, por causa das marcas das vassouradas; que a vítima quebrou a vassoura nas suas costas; que, depois de atingir a vítima, Cláudio lhe deu "duas porretadas"; que cláudio não caiu na hora; que poderia ter matado a vítima; que não matou porque seu coração sentiu, pois era seu sobrinho; que estava com o sangue quente; que na hora que atingiu ele só estava ele e a vítima; que a mãe da vítima não estava no momento; que a vítima falou que o acusado iria "lhe pagar", afirmando que ia vender a égua que o acusado teria lhe dado; que trabalha na fazenda; que depois de dar o golpe foi embora; que sua irmã o levou na delegacia; que o delegado lhe falou para ir pra sua casa; que lhe falaram que a vítima adquiriu arma de fogo para matar o acusado; que está arrependido; (...)" (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ) - Negritei


A Vítima C.S.S. (Cláudio), na fase Policial (fl. 13/14-TJ), relatou que o Recorrente, meses antes dos fatos, teria passado a ameaçar o Ofendido, sendo que, no dia do ocorrido, enquanto a Vítima se dirigia ao local de trabalho, o Réu teria afirmado que "iria entrar na casa" do Ofendido e "pegar a sua esposa e também agredi-la". 

 Assim, em razão das alegadas ameaças, o Ofendido teria retornado à residência, para avisar a esposa e a genitora, a fim de que acionassem a Polícia, caso necessário. Todavia, neste momento, a Vítima teria sido surpreendida pelo Recorrente, o qual estava na posse de facão, e desferiu golpe contra o Ofendido. Afirmou que não teria conseguido se defender, aduzindo que "ao desferir o golpe de facão no declarante e ver o sangue escorrendo pelo rosto do declarante, Alexsandro parou e não tentou golpeá-lo novamente". 

 Esclareceu a Vítima que foi socorrida e encaminhada ao hospital, informando que acreditava que a motivação do Delito seria porque o Recorrente é "valentão e acha que todo mundo tem que ter medo dele". 

 Em Juízo (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), a Vítima C.S.S. (Cláudio) esclareceu a existência de desavença prévia entre o Ofendido e o Recorrente, relacionada ao imóvel em que Cláudio residia, visto que o Réu afirmava que a residência lhe pertencia. 

 Cláudio consignou que, no dia dos fatos, por volta de 12h00min, teria retornado ao imóvel onde residia, para buscar objeto, sendo que, enquanto adentrava a cozinha da residência, teria chamado pela genitora, e, de forma concomitante, o Réu teria surpreendido a Vítima, com golpe de facão.

 Relatou que, no mesmo momento em que teria sido golpeado, Cláudia de Jesus Santos, genitora do Ofendido, teria adentrado o cômodo, motivo pelo qual teria presenciado a suposta prática delitiva, sendo que, após o golpe, a Informante teria fechado a porta do imóvel, oportunidade em que o Recorrente evadiu. Veja-se:

"(...) que tinha uma casa; que o réu falava que a casa era dele; que nenhum dos outros parentes falaram que a casa era do réu; que ele morava nessa casa; que se o réu tivesse lhe pedido, na época, para desocupar a casa, teria desocupado; que a casa não era sua, mas também não era do acusado; que não ia ficar com algo que não era seu; que hoje está construindo sua casa; que sempre trabalhou; que sua esposa estava grávida na época; que tinha 18 ou 19 anos na época; que o réu não estava trabalhando, na época; que o réu estava na porta da casa de sua mãe; que estava indo trabalhar e voltou para buscar uma sacola; que sua mãe já tinha lhe falado que Alexsandro tinha mencionado a questão da casa; que falou com sua mãe que iria conversar com o acusado para resolver o problema; que, quando entrou na porta da cozinha, só sentiu a batida do facão na cabeça; que foi por volta de 12h00min; que, na hora, ficou tonto; que sua mãe estava chegando na cozinha; que gritou sua mãe; que no movimento sua mãe tentou fechar a porta, para o acusado não vir pra cima da vítima; que foi só um golpe e já caiu tonto, para o lado; que sua esposa viu e gritou também; que foi hospitalizado; que um vizinho prestou socorro; que depois disso Alexsandro não tentou desferir outro golpe; que depois do golpe, na hora que sua mãe chegou, ela tentou fechar a porta, para o acusado não entrar de novo; que ele ficou do lado de fora, correu e sumiu; que só viu o acusado de novo na delegacia; que Alexsandro não tinha lhe ameaçado antes; que ficou em observação por um dia; que levou pontos; que sente muita dor de cabeça e seu ouvido inflama com facilidade; que o facão cortou a orelha; que o acusado poderia ter desferido outro golpe contra a vítima, caso quisesse; que foi muito rápido, porque chegou em casa, já gritando sua mãe e, enquanto a mãe vinha em sua direção, sentiu o golpe na cabeça; que sua mãe viu o golpe; que, assim que a vítima caiu, sua mãe correu e fechou a porta para o acusado não entrar; (...)" (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ) - Negritei.

 O Policial Militar Giliard Meireles, à Autoridade Judicial (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), informou não se recordar da ocorrência e dos fatos em questão. 

 Já o Policial Militar Antônio Valeriano, em Juízo (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), relatou que teria se dirigido à residência onde teriam ocorrido os fatos, oportunidade em que a mãe da Vítima teria lhe relatado que, após discussão, o Recorrente, que se encontrava sob o efeito de bebidas alcoólicas, teria desferido golpe de facão contra a Vítima. Esclareceu, ainda, que o Réu não foi localizado no momento da ocorrência. A Informante Cláudia de Jesus Santos, à Autoridade Policial (fl. 16/17-TJ), afirmou ser genitora da Vítima e irmã do Recorrente, relatando que, no dia dos fatos, enquanto o Ofendido se dirigia ao local de trabalho, o Réu teria proferido ameaças de causar mal à Informante e à companheira da Vítima, J.H.S.S (Jaqueline). 

Assim, o Ofendido teria retornado à residência, para avisar Cláudia e Jaqueline, momento em que o Recorrente teria se aproximado, surpreendendo a Vítima com golpe na cabeça. Veja-se: 

Cláudia de Jesus Santos (Informante) - IP

 "(...) que a depoente é genitora de C.S.S. e irmã de Alessandro de Jesus Santos; que a depoente e seu filho Claudio moram no mesmo terreno, em casas diferentes, sendo Claudio morando na casa da frente; que Alessandro mora na casa vizinha a da depoente; que já faz algum tempo que Alessandro vem perturbando Claudio, fazendo ameaças de morte a Claudio; que no dia dos fatos, Claudio saiu para trabalhar e encontrou Alessandro no caminho, que o ameaçou, dizendo que iria pegar a depoente e a esposa de Claudio; Claudio com medo retornou para casa para avisar a depoente, que se Alessandro aparecesse, por ali, era para acionar a Polícia; que Alessandro apareceu do nada e indagou com Claudio o porque ele iria chamar a policia; que antes mesmo de Claudio responder, foi surpreendido com um golpe de facão na região da cabeça; que a depoente socorreu Claudio até ao HPS, e ao retornar para casa, não encontrou mais Alessandro; (...) que não é a primeira vez que Alessandro vai a casa da depoente de posse de um facão para tentar matar o seu filho Claudio; que a depoente não presenciou a agressão, pois estava na sala de sua casa e o fato aconteceu na cozinha; (...)" (fls. 16/17-TJ) - Negritei.

 À Autoridade Judicial (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), a Informante Cláudia de Jesus Santos relatou que teria ocorrido discussão entre o Réu e a Vítima, em via pública, e, em seguida, o Ofendido teria se dirigido à residência, momento em que o Recorrente teria seguido Cláudio, na posse de facão. Consignou que, no momento em que o Recorrente teria desferido o golpe, Cláudia teria empurrado geladeira contra o Réu, ocasião em que o facão atingiu a orelha de Cláudio. Afirmou que o Ofendido teria desmaiado, em razão do golpe, sendo socorrido, enquanto o Recorrente teria evadido do local. 

 A Testemunha J.H.S.S. (Jaqueline), companheira da Vítima, à época dos fatos, narrou, à Autoridade Policial (fls. 18/19-TJ), que, no dia do ocorrido, o Ofendido teria saído para trabalhar, sendo que, logo após, Cláudio teria retornado à residência, afirmando que teria encontrado com o Recorrente, o qual afirmou que "iria fazer algo" com J.H.S.S. 

 Relatou que, neste momento, o Réu teria adentrado a residência, exaltado e na posse de facão, se dirigindo ao imóvel da genitora da Vítima, que morava na residência dos fundos. Afirmou que o Recorrente teria localizado o Ofendido, na residência da genitora, ocasião em que Alexsandro teria desferido golpe de facão contra a cabeça de Cláudio. 

 J.H.S.S. informou ter presenciado a suposta prática delitiva, afirmando que o Recorrente teria desferido golpe de facão, enquanto a Vítima se encontrava de costas. 

Esclareceu, por derradeiro, que Cláudio foi socorrido e encaminhado ao hospital. As Testemunhas Terezinha Teixeira dos Santos, mãe do Recorrente, e Natali Brandão de Oliveira, companheira do Réu à época dos fatos, na fase Policial (fls. 25/26 e 28-TJ), narraram que a Vítima teria ameaçado o Recorrente, afirmando que Cláudio teria contratado terceiro para ceifar a vida de Alexsandro.

 Ademais, relatou Natali Brandão de Oliveira que, no dia do ocorrido, o Réu se encontrava jogando Dominó, preparando-se para trabalhar, quando o Ofendido teria provocado o Recorrente, em meio à via pública. 

Narrou que, em seguida, a Vítima teria seguido o Recorrente e agredido Alexsandro com cabo de vassoura, sendo que, no momento em que Cláudio iria desferir segundo golpe, o Réu teria se virado, na posse de facão, para impedir a agressão, contudo, a faca teria atingido a orelha da Vítima. Assim, considerando as provas orais e documentais analisadas, em Juízo de admissibilidade acusatório, não é possível concluir, de forma inconteste, a intenção do Recorrente, haja vista a existência de versões divergentes sobre os fatos. 

 Por outro lado, no que tange à Desistência Voluntária, prevê o art. 15 do Código Penal que o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução do Delito, deve responder somente pelos atos já praticados, afastando-se, assim, a imputação da Tentativa e, consequentemente, a competência constitucional do Tribunal do Júri, a qual se cinge aos Crimes Dolosos contra a vida. Conforme leciona Damásio de Jesus, a Desistência Voluntária consiste em abstenção de atividade, em que o agente cessa a prática delitiva, motivo pelo qual, essa "só ocorre antes de o agente esgotar o processo executivo, sendo somente cabível na tentativa imperfeita ou inacabada" (in: JESUS, Damásio de. Código Penal anotado - 23 ed. atualizada de acordo com a Lei n; 13.142/2015 - São Paulo: Saraiva, 2015, fl. 81). 

 Dessa forma, para configuração da Desistência Voluntária exige-se o início da execução, a não consumação do Delito e a interferência da vontade do próprio agente. In casu, não restou comprovado que os atos executórios tenham sido abandonados voluntariamente pelo Recorrente, sem qualquer interferência externa e objetiva, mormente porque há notícias de que a consumação do Delito teria sido impedida pela genitora da Vítima. 

 Portanto, por não haver demonstração inequívoca da Desistência Voluntária na conduta do Réu, inviável é a pretensão de Desclassificação para Crime diverso daqueles Dolosos contra a vida, na fase de Pronúncia.

 Assim, subsistindo eventual dúvida acerca da intenção do Agente, e, ainda, da configuração da Desistência Voluntária, as teses defensivas devem ser examinadas pelo Tribunal do Júri, haja vista que o Juízo meritório, nos Crimes Dolosos Contra a Vida, assiste exclusivamente ao Conselho de Sentença, sob pena de usurpação da Competência Constitucional. 

 Destarte, afasta-se o pleito de desclassificação da conduta, devendo o Processo Criminal prosseguir, até a devida valoração das provas pelo Tribunal do Júri, que irá dirimir as questões. 

2) Da Qualificadora do Motivo Fútil (art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal). A Procuradoria-Geral de Justiça, em Parecer (fls. 141/143-TJ), manifestou pelo decote da Qualificadora do Motivo Fútil (art. 121, §2º, II, do Código Penal). Com razão.

Destaca-se que as Qualificadoras dos Crimes Dolosos contra a Vida só devem ser afastadas da apreciação do Conselho de Sentença quando manifestamente improcedentes e dissociadas do conjunto probatório coligido, sob pena de usurpação de competência. 

 O Motivo Fútil (art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal), conforme destaca Damásio de Jesus, "é o insignificante, apresentando desproporção entre o crime e sua causa moral" (in: in: JESUS, Damásio de. Código Penal anotado - 23 ed. atualizada de acordo com a Lei n; 13.142/2015 - São Paulo: Saraiva, 2015, fl. 493). 

 In casu, verifica-se que o Réu teria desferido golpe de facão em desfavor da Vítima, em contexto de desavença familiar, porquanto o Recorrente teria emprestado imóvel para o Ofendido residir, contudo, ao solicitar a residência, Cláudio teria se negado a desocupar o imóvel, permanecendo no local.

 Ressai que o Recorrente, em ambas as fases da persecução penal (fls. 21/23-TJ e Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), afirmou que o genitor, ao falecer, teria deixado a Alexsandro imóvel, localizado na Cidade de Nanuque. Relatou que, ao se mudar para a zona rural, o Ofendido teria solicitado ao Réu para que residisse no imóvel com a companheira, ocasião em que o Recorrente atendeu ao pedido.

 Contudo, ao retornar para a Cidade de Nanuque, o Réu teria informado à Vítima que necessitava da residência para moradia, motivo pelo qual teria pedido a Cláudio que desocupasse o imóvel, o que foi negado pelo Ofendido. 

 A Vítima C.S.S., em Juízo (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), afirmou que os fatos em questão estavam relacionados à discussão sobre o imóvel, todavia afirmou não ter conhecimento de que a residência pertencia ao tio Alexsandro de Jesus Santos, ora Recorrente. 

 A genitora do Recorrente Terezinha Teixeira dos Santos e a irmã do Réu Patrícia de Jesus Santos, à Autoridade Policial (fls. 25/26 e 29/30-TJ), afirmaram que o Réu teria emprestado o imóvel que lhe pertencia para o Ofendido, contudo, ao retornar para o perímetro urbano, Cláudio teria se recusado a desocupar a residência. Consignaram, ainda, que a Vítima, em razão da discussão relacionada ao imóvel, teria ameaçado o Recorrente.

 Assim, verifica-se que a motivação do Delito seria a desavença prévia em relação à ocupação do imóvel, em tese, pertencente ao Recorrente, em que o Ofendido residia, o que, considerando-se as circunstâncias fáticas e contexto da prática delitiva, afasta a suposta insignificância e desproporcionalidade da conduta do agente. 

 Isso porque o motivo do Delito, conforme se depreende do conjunto probatório, não seria banal e insignificante, de forma a evidenciar maior reprovabilidade da conduta, a fim de justificar a incidência da qualificadora do Motivo Fútil.

 Dessa forma, apontando as provas (orais e documentais) para a manifesta inocorrência do Motivo Fútil, deve a Qualificadora (art. 121, §2º, II, do Código Penal) ser decotada, porquanto manifestamente improcedente, conforme dispõe a Súmula 64 deste Tribunal de Justiça (Precedentes: TJMG, Recurso em Sentido Estrito 1.0278.17.006139- 6/001, Relatora: Des.(a) Maria Luíza de Marilac, 3ª Câmara Criminal, julgado em 02.02.2021).

 Por tais fundamentos, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito, para afastar a Qualificadora prevista no art. 121, §2º, II, do CP, mantendo a pronúncia de Alexsandro de Jesus Santos como incurso nas sanções do art. 121, §2º, IV c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. É como voto. DES. FRANKLIN HIGINO - 

De acordo com o(a) Relator(a). 

DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL - De acordo com o(a) Relator(a).















quarta-feira, 2 de junho de 2021

CONTINUIDADE DELITIVA - VÍTIMAS DIVERSAS - RECONHECIMENTO - ADEEQUAÇÃO DA PENA - REDUÇÃO

 Um cliente nosso condenado a mais de 50 anos por estupro de vunerável, teve sua
pena aplicada em concurso material.

Em recurso arrazoamos que havia conexão
entre os delitos. Em grau de recurso foi reconhecida a continuidade delitiva
minorando a pena para 13 anos e 4 meses.

Apelação Criminal N° 1.0443.18.001503-6/001

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL — RECORRER EM LIBERDADE — VIA
INADEQUADA — PRISÃO DOMICILIAR — NÃO CABIMENTO — ESTUPRO DE VULNERÁVEL — PALAVRAS DAS VÍTIMAS — RELEVÂNCIA PROBATÓRIA— MENOR DE 14 ANOS — CONSENTIMENTO OU POSSÍVEL VIDA SEXUAL ATIVA DAS VÍTIMAS — IRRELEVÂNCIA — PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA ABSOLUTA — CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA — POSSIBILIDADE. - A apelação não é a via adequada para se requerer o direito de recorrer em liberdade. - A prisão domiciliar só é cabível nas hipóteses do art. 318 do CPP e, não comprovada a vulnerabilidade da saúde física ou mental do acusado, é impossível substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar. - Nos crimes contra a dignidade sexual, as palavras firmes e coerentes das vitimas são de suma importância para a comprovação da autoria delitiva, impondo-se a manutenção da condenação quando em consonância com as demais provas dos autos. - O consentimento ou a possível vida sexual ativa da vitima menor de 14 (quatorze) anos não torna atípica a conduta do réu, eis que a violência é presumida. A figura da violência presumida foi criada pelo legislador a fim de proteger a vitima que não possui capacidade de discernimento para oferecer resistência ao
ato sexual e encontra respaldo na própria Constituição Federal, que, em seu artigo 227, § 40, protege a criança e o adolescente contra o abuso, a violência e a exploração sexual. - É cabível o reconhecimento da continuidade delitiva específica prevista no artigo 71, parágrafo único, do Código Penal, quando os delitos dolosos forem cometidos nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, em  detrimento do concurso material, reconhecido na sentença.

(...)

No caso em tela, embora as circunstâncias judiciais tenham sido avaliadas totalmente favoráveis ao réu, verifico que pela quantidade de crimes cometidos pelo menos 7 delitos, entendo justa e proporcional a fração máxima de 2/3 (dois terços).

Assim, sendo as penas fixadas no mínimo legal pelo d. Juiz Monocrático, ou seja, 8 (oito) anos de reclusão, majoro-a em 2/3, e concretizo-a em 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
Mantenho o regime fechado para o início do cumprimento da pena, em face do quantum da reprimenda imposta.

terça-feira, 23 de março de 2021

ABSOLVIÇÃO - AUSÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA - DROGAS ENCONTRADA EM LOCAL DE ACESSO PÚBLICO

 

Autos Nº: 0009274-82.2020.8.13.0443

 Autor: Ministério Público

Réu: Samuel Ferreira de Oliveira

Incidência Penal: Art. 33 ‘caput’, da Lei 11.343/2006

 

SENTENÇA

1. Relatório

Infere-se dos autos que o Ministério Público Estadual apresentou denúncia contra Samuel Ferreira de Oliveira em razão de suposto crime capitulado no artigo 33 ‘caput’, da Lei 11.343/2006. A denúncia foi recebida no dia 19 de novembro de 2020. Na sequência, verifica-se que o processo transcorreu regularmente, tendo o acusado sido citado e apresentado a sua resposta preliminar à acusação.

O feito foi instruído e, na sequência, as partes apresentaram as suas alegações finais em memoriais escritos. Em síntese, é o relatório. Fundamento e sentencio.

2. Fundamentação

Como aponta a prefacial acusatória, no dia 31/08/2018, por volta das 17h48, após receber denúncia anônima, a Polícia Militar, autorizada pelo Sr. Marcos José Antunes Oliveira, proprietário e morador da residência localizada na Av. Geraldo Romano, n. 1.179 do Bairro Stella Matutina, nesta cidade, realizou buscas em sua residência a fim de dar cumprimento a mandado de prisão preventiva expedido contra o acusado Samuel Ferreira de Oliveira.

Durante as diligências, o acusado foi encontrado em um quarto, debaixo da cama. Em um cômodo anexo à casa, foram localizados um moleton e um capacete, dentro do qual os militares acharam 52 (cinquenta e dois) invólucros contendo substância esverdeada, cujo laudo toxicológico preliminar (fl. 14) apontou se tratar de ‘maconha’.

Pois bem. Sem preliminares arguidas, também não infiro irregularidades ou vícios que ensejem a nulidade processual, razão pela qual passo ao conhecimento e enfrentamento do mérito acusatório. Cuida-se de ação penal que imputa ao acusado Samuel Ferreira de Oliveira a conduta de tráfico de drogas, classificada pelo órgão ministerial nos termos do artigo 33, ‘caput’, da Lei 11.343/2006. A materialidade da conduta em tela resta comprovada pelo auto de apreensão à fl. 12 e pelos laudos referentes aos exames toxicológicos acostados às fls. 14 e fls. 33-34. Quanto à autoria, no entanto, os autos não demonstram a mesma convicção. Explico.

 Observa-se que as drogas foram encontradas em um cômodo anexo à casa da testemunha Marcos José, utilizado para depósito dos materiais e instrumentos do seu trabalho como pedreiro. Consoante os seus depoimentos em ambas as fases da persecução penal, a indigitada testemunha afirmou que o referido ambiente é externo à sua casa e não tem cadeado, permanecendo constantemente aberto, o que conduz à lógica conclusão de que o mesmo permanece sem qualquer vigilância ou sistema de segurança a evitar o seu acesso por terceiros. Firme em semelhante premissa, não cabe acolhimento a simplória afirmação de que as drogas localizadas no mencionado cômodo eram de propriedade do acusado, na medida em que o seu acesso era possível a qualquer transeunte.

 Logo, afirmar que a droga pertencia ao acusado, apenas considerando que o cômodo lhe era de livre acesso, como o fez o Ministério Público à fl. 106, revela apenas a rotulação do réu como pessoa marginalizada, premissa sobre a qual se busca a sua condenação.

Veja-se, ainda nesse sentido, que o Ministério Público afirma em suas derradeiras fundamentações (p. 106) que o acusado é “foragido, bem como conhecido no meio policial por envolvimento com o tráfico de drogas”, todavia, sem juntar aos autos sequer uma ocorrência policial nesses termos, a fim de sustentar tais afirmações. Ainda, há que se destacar que a droga foi encontrada dentro de um capacete, embora não haja a mínima informação de que o acusado possui ou se utiliza de alguma motocicleta, ou mesmo se a testemunha Marcos José tinha alguma motocicleta em sua residência.

Percebe-se que semelhante constatação reforça as seguintes convicções: a) o entorpecente em tela pode ter sido guardado no referido ambiente por qualquer pessoa; b) a afirmação da testemunha Marcos José no sentido de apontar a propriedade da droga ao acusado não encontra nenhuma sustentação nas provas colacionadas aos autos; c) o apontamento do moleton localizado no referido ambiente, com a intenção de vincular o acusado a outro crime, notabiliza ainda mais o propósito de etiquetamento da criminalidade ao réu, sobretudo por não haver vinculação alguma com o fato em tela.

Diante do que se infere, não tendo o Ministério Público se desincumbido do seu mister probatório, conforme os termos que lhe impõe o artigo 156 do Código de Processo Penal, de forma suficiente a afastar o estado de inocência assegurado constitucionalmente ao réu e a todos, não cabe o acolhimento da sua pretensão condenatória sem amparo em provas robustas e inequívocas, firmadas apenas nas declarações dos policiais militares que, não obstante dignas, não servem, celibatariamente, à condenação penal.

3. Dispositivo

Diante de todo o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo Ministério Público na denúncia e, assim, ABSOLVO o acusado Samuel Ferreira de Oliveira pelo crime de Tráfico de Drogas, haja vista que, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de Ritos Penais, não há prova suficiente de ter realizado o crime que lhe é imputado. Assim, determino que se expeça o ALVARÁ DE SOLTURA para imediato cumprimento, DESDE QUE NÃO HAJA OUTRA ORDEM JUDICIAL PARA MANTÊ-LO CUSTODIADO. É como decido. Intimem-se.

CUMPRA-SE.

Nanuque-MG, 19 de março de 2021.