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terça-feira, 9 de junho de 2015

LESÕES CORPORAIS - CARACTERIZAÇÃO LEGÍTIMA DEFESA - RECONHECIMENTO - ABSOLVIÇÃO

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- A existência de fortes indícios de que o acusado agiu amparado em um contexto de legítima defesa impõe o acolhimento do pleito absolutório, em consagração ao princípio favor rei.  Inteligência do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.
Apelação Criminal Nº 1.0443.11.004732-3/001 - COMARCA DE Nanuque - 1º Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - 2º Apelante: MOISÉS CONCEIÇÃO SANTOS - Apelado(a)(s): MOISÉS CONCEIÇÃO SANTOS, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - Vítima: J.C.S.

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao segundo apelo. Prejudicado o exame do primeiro apelo.

DES. RENATO MARTINS JACOB
Relator.



           

O Des. Renato Martins Jacob (RELATOR)

V O T O

Em exame, recursos de apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINASGERAIS e por MOISÉS CONCEIÇÃO SANTOS em face da respeitável sentença de fls. 88/91 que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o segundo apelante nas sanções do artigo 129, §1º, inciso I, do Código Penal, fixando-lhe a pena de 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto, a qual foi suspensa na forma do artigo 77 do mesmo diploma legal.
Foi concedido ao acusado o direito de recorrer em liberdade.
Nas razões de fls. 97/98-v, o ilustre Promotor de Justiça pugna pela condenação do acusado nos exatos termos da denúncia, ou seja, pelo crime de lesão corporal na modalidade gravíssima (artigo 129, §1º, II, do CP), argumentando para tanto que o exame de corpo de delito trouxe elementos que demonstraram a deformidade permanente causada pela lesão.
A Defesa, por sua vez, pleiteia a absolvição, com fulcro na tese de configuração da excludente de legítima defesa. Alternativamente, postula a desclassificação do delito para modalidade culposa, sob o argumento de que o acusado não tinha a intenção de lesionar a vítima (fls. 114/115)
Em sede de contrarrazões, às fls. 100/101 e fls. 117/119, o Ministério Público e Moisés pugnaram, respectivamente, pelo desprovimento do recurso da parte ex adversa.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se às fls. 121/126, opinando pelo provimento do recurso defensivo, e, caso não seja este o entendimento da Turma Julgadora, pelo provimento do recurso ministerial.
Esse, resumidamente, é o relatório.
Não há preliminares e nem se vislumbram nulidades a serem apreciadas de ofício.
Por uma questão de prejudicialidade, analisarei primeiramente o recurso defensivo.
O apelante foi condenado por infração ao artigo 129, §1º, inciso I, do Código Penal, porque, no do dia 18/09/2011, aproximadamente às 09h40min, em um campo de futebol, localizado na Rua Avenida Santos Dumond, na Ilha do Sol, em Nanuque/MG, agindo com vontade de lesionar, agrediu fisicamente J.C.S., causando-lhe as lesões descritas no auto de corpo de delito.
Consta da peça de ingresso que “o denunciado participava de um jogo de futebol juntamente com a vítima e outras pessoas, sendo que em dado momento houve uma discussão entre os participantes do jogo e, na sequência, o denunciado de posse de um pedaço de madeira, desferiu uma paulada no olho da vítima” (fl. 02).
A materialidade delitiva está devidamente positivada no exame de corpo de delito (fls. 17/18) e no laudo de fl. 22, assim como a autoria, já que o próprio acusado assumiu ter efetuado o golpe que lesionou a vítima, embora tenha afirmado que agiu para se defender.
Examinando atentamente os autos, entendo que a pretensão absolutória merece acolhida, por existirem sérios indícios de que o acusado agiu amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa.
O apelante foi bastante coerente nas duas oportunidades em que foi ouvido, narrando que, no dia dos fatos, teve um desentendimento com a vítima em um jogo de futebol, o que desencadeou uma briga entre eles, com a interferência de seus irmãos e dos irmãos daquela. Disse, ainda, que, quando deixava o local, depois que os ânimos já haviam acalmado, os irmãos da vítima vieram em sua direção, tendo, para se defender, arremessado um pedaço de madeira que veio a acertar a vítima (fls. 15 e 74), valendo registrar, ainda, que ele também foi lesionado, conforme faz prova o exame de corpo de delito de fl. 19.
Tal versão foi corroborada por seus irmãos, Renildo Conceição dos Santos e Reginaldo Conceição Santos, os quais confirmaram que o acusado agiu para se defender, em momento posterior àquela briga generalizada ocorrida durante o jogo de futebol, destacando que vítima e seus irmãos deram início às novas agressões:
“Que quando acharam que estava tudo acabado, e já estavam indo embora atravessando uma ponte de madeira, Paulo e Renato, irmãos de Alemão, começaram a jogar pedra, e Moisés pegou um pau e jogou; que o pau pegou em Alemão; que Moisés só revidou, pois foi agredido (...)” (Renildo Conceição dos Santos – fl. 13).

“Que depois que acabou o jogo e passaram da ponte Paulo jogou uma pedra em Moisés e o declarante também revidou com uma pedra, mas não acertou Paulo, que eles vieram correndo atrás do declarante e seus irmãos, que Renato arrumou um porrete e Noises (sic) jogou o pau para trás, acertando Alemão, que a distância era grande e o declarante nem viu que tinha acertado Alemão” (Reginaldo Conceição Santos – fl. 14).

Por outro lado, as declarações judiciais da vítima conferem plausibilidade à versão do acusado.
J.C. confirmou que, depois de cessada a briga, ainda no campo de futebol, houve novo confronto, tendo ido em direção ao acusado, pois resolvera “encarar a briga”, quando, então, foi atingido pelo pedaço de madeira (fl. 71).
É certo que a vítima alegou que assim agiu porque o acusado teria reiniciado as investidas contra si, contudo, creio que tal alegação deve ser recebida com reservas. Ora, nessa situação, o mais comum é que a vítima tente correr e não ir em direção aos seus pretensos agressores, parecendo-me que a vítima e seus irmãos, inconformados com o resultado da briga anterior, decidiram revitalizar a briga ocorrida durante o jogo.
O depoimento Renato Francisco dos Santos, irmão da vítima, também reforça a tese defensiva.
Com efeito, a testemunha apresentou versões conflitantes quanto ao momento em que teria ocorrido a agressão perpetrada pelo acusado. Em um primeiro momento (fl. 10), narrou que as agressões sofridas pela vítima teriam ocorrido naquela briga inicial durante o jogo de futebol. Posteriormente, em juízo, passou a sustentar que a vítima teria sido alvejada após os “ânimos se esfriarem”, mas, nesta oportunidade, mencionou que ele e “seus irmão também estavam armados com pedras e paus; que arremessaram tais objetos em direção a turma do réu, depois que esta já havia arremessado pedras e paus àqueles” (fl. 72).
Enfim, há fortes indícios de que o acusado estava sendo atacado e apenas por isso lançou um pedaço de madeira em direção à vítima, tentando, assim, se livrar de tais agressões.
Nem se alegue que a reação do acusado foi desproporcional, pois também lançavam em sua direção pedras e pedaços de madeira, tendo ele se utilizado do meio que se encontrava disponível e perto dele naquele momento para se defender, não se exigindo, para configuração da mencionada excludente de ilicitude, precisão milimétrica. Fica evidente que a lesão não decorreu de forma premeditada ou por causa de algum entrevero anterior entre acusado e vítima, mas, sim, em razão do momento, como forma de se livrar de uma briga, que, infelizmente, nesse país, é algo muito comum, durante e depois de jogos de futebol.
Ainda que o pedaço de madeira por ele arremessado fosse grande, não me parece possível, no contexto em que se desenvolveram os fatos, pretender que ele quebrasse o pedaço de madeira à metade para depois arremessá-lo. Situação completamente diversa seria se ele tivesse se valido, por exemplo, de uma faca ou de um revólver para arrostar aquelas agressões às quais estavam sendo submetido. Aí sim seria cabível sustentar a desproporcionalidade da reação, o que, contudo, não é a hipótese dos autos.
Embora, ao que tudo indica, quem deu início às agressões tenham sido os irmãos e não propriamente a vítima, tal circunstância não impede o reconhecimento da legítima defesa, pois, em se tratando de lesões perpetradas contra a multidão, é admissível que a reação se dirija de forma indistinta, bastando apenas que a ofensa seja injusta.
Nesse sentido, é a lição de Marcello Jardim Linhares, citado por Guilherme de Souza Nucci:
“Não deixará de ser legítima defesa exercitada contra multidão, conquanto em seu todo orgânico reúna elementos nos quais se possa reconhecer culpa e inocência, isto é, pessoas ativas ao lado de outras inertes (...) não seria culpa dos componentes do grupo que origem à legítima defesa, mas a ofensa injusta, considerada do ponto de vista do atacado. Na multidão, há uma unidade de ação e fim, no meio da infinita variedade de seus movimentos contra uma só alma (Legítima Defesa, p. 166)” (in: Manual de Direito Penal. São Paulo: RT, 2009, 5.ed., p. 265).

Enfim, se não está caracterizada a legítima defesa, no mínimo, existem fortes indícios de que o acusado agiu amparado por tal excludente, o que enseja a absolvição, nos exatos termos do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, por força do princípio favor rei, conforme explica Guilherme de Souza Nucci:
 “Se estiver provada a excludente de ilicitude ou de culpabilidade, cabe a absolvição do réu. Por outro lado, caso esteja evidenciada a dúvida razoável, resolve-se esta em benefício do acusado, impondo-se a absolvição (in dubio pro reo). Mas a obviedade nem sempre é tão clara em institutos jurídicos, fomentando a discussão na jurisprudência. A ressalva introduzida, portanto, consagra o princípio do favor rei, deixando consignado que é causa de absolvição tanto a prova certa de que houve alguma das excludentes mencionadas no inciso Vi, como também se alguma delas estiver apontada nas provas, mas de duvidosa assimilação. Resolve-se a dúvida em favor da absolvição do acusado” (in: Código de Processo Penal Comentado, Rio de Janeiro: Forense, 2014, 13.ed., p. 795).
Mercê de tais considerações, dou provimento ao recurso para absolver MOISÉS CONCEIÇÃO SANTOS, do Código Penal da prática do delito descrito às fls., com espeque no artigo 386, inciso VI, do Estatuto Processual, isentando-o do pagamento das custas processuais, do lançamento de seu nome no rol dos culpados e da suspensão de seus direitos políticos.
Deixo de determinar a expedição de alvará de soltura, porque foi concedido ao acusado o direito de recorrer em liberdade.
Em face da absolvição, resulta prejudicada a análise do apelo ministerial.
Custas pelo Estado.




Des. Nelson Missias De Morais (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Catta Preta - De acordo com o(a) Relator(a).


SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO SEGUNDO APELO. PREJUDICADO O EXAME DO PRIMEIRO APELO"

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