Consultor Jurídico

quarta-feira, 26 de junho de 2019

AUSÊNCIA DE VAGAS - REGIME DIVERSO - SÚMULA VINCULANTE Nº 56 - PARECER MP


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
 HABEAS CORPUS N.º 1.0000.19.065336-0/000 – 2ª CÂMARA CRIMINAL
PACIENTE: MIGUEL NETO DOS SANTOS NASCIMENTO AUTORIDADE
COATORA: JD VARA DE EXECUÇÕES CRIMINAIS DA COMARCA DE CONTAGEM

 Egrégio Tribunal de Justiça, Colenda Câmara Julgadora, Eminente Relator,

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de MIGUEL NETO DOS SANTOS NASCIMENTO, sob a alegação de constrangimento ilegal perpetrado pelo MM. Juiz de Direito da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Contagem, ora apontado como autoridade coatora. Sustenta o impetrante que o paciente cumpria pena em regime semiaberto na Comarca de Nanuque/MG e, devido a sua condição de ex-agente penitenciário, deveria cumprir a sanção que lhe foi imposta em cela separada, não sendo possível devido à superlotação. Afirma que, por isso, foi transferido para Nelson Hungria, na comarca de Contagem, onde há pavilhão destinado a detentos especiais. Aduz que, agora, está cumprindo pena em regime mais gravoso do que foi condenado, o que não é permitido pela Súmula nº 56 do STF. Alega que dever-se-ia seguir as diretrizes do Recurso Extraordinário nº 641.320, concedendo ao paciente a prisão domiciliar, uma vez que encontra-se recolhido em regime fechado. Pleiteia o deferimento da liminar para que seja concedida a prisão domiciliar em favor do paciente e a autorização para que retorne à Comarca de Nanuque/MG. Requer, ao final, a concessão definitiva da ordem às fls. 01/03 – Processo Eletrônico. A inicial veio instruída com o documento de fl. 04/19 – Processo Eletrônico.
 A liminar foi indeferida às fls. 29/31 – Processo Eletrônico e determinou a requisição de informações à autoridade coatora. Prestadas as informações e colacionados os documentos, em sequência, vieram-nos os autos com vista. É a síntese. Prima facie, é de se ressaltar que, no Brasil, adota-se o sistema progressivo de cumprimento de penas. Assim, de acordo com o Código Penal e com a Lei de Execução Penal, as penas privativas de liberdade deverão ser executadas (cumpridas) em forma progressiva, com a transferência do apenado de regime mais gravoso para o menos gravoso tão logo ele preencha os requisitos legais. Contudo, o que se verifica da notória realidade fática é o oposto. O sistema carcerário brasileiro encontra-se estruturalmente comprometido, dada a carência de vagas para o grande número de prisões impostas no País e a insuficiência material para a sua manutenção e expansão. O resultado é o total abandono do modelo de cumprimento progressivo de pena, em especial no que tange aos regimes semiaberto e aberto. Os presos dos referidos regimes frequentemente são mantidos nos mesmos estabelecimentos que os presos em regime fechado e provisório, em clara afronta a normas fundamentais do Estado Democrático de Direito, notadamente o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como as garantias de individualização das penas (art. 5º, XLVI) e da legalidade (art. 5º, XXXIX). A manutenção do condenado em regime mais gravoso do que é devido caracteriza-se como "excesso de execução", havendo, no caso, um verdadeiro “estado de coisas inconstitucional”, em que se verifica a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais. Vale ressaltar que não é possível "relativizar" direitos básicos do condenado com base em argumentos ligados à manutenção da segurança pública.
A proteção à integridade da pessoa e ao seu patrimônio contra agressões injustas está na raiz da própria ideia de Estado Constitucional. A execução de penas corporais em nome da segurança pública só se justifica se for feita com observância da estrita legalidade. Permitir que o Estado execute a pena de forma excessiva é negar não só o princípio da legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados (art. 1º, III, da CF/88). Por mais grave que seja o crime, a condenação não retira a humanidade da pessoa condenada. Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos, os condenados não se tornam simples objetos de direito (art. 5º, XLIX, da CF/88). Como é sabido, o Supremo Tribunal Federal debateu esse tema no Recurso Extraordinário 641.320/RS, o qual contou com ampla participação de diversos atores sociais, na posição de amicus curiae. Do julgamento daí traçado, resultou a elaboração da Súmula Vinculante nº 56, assim avençada: Súmula vinculante 56: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS. STF. Plenário. Aprovada em 29/06/2016. Portanto, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu a impossibilidade da manutenção de condenado em regime prisional mais gravoso, instituindo-se como parâmetros para se aferir tal situação aqueles fixados no RE 641.320/RS, em caráter vinculante, quais sejam:
Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, § 1º, alíneas “b” e “c”). No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. Destarte, o STF decidiu que os magistrados possuem competência para verificar, no caso concreto, se tais estabelecimentos onde os presos do regime semiaberto e aberto ficam podem ser enquadrados como "estabelecimento similar" ou "estabelecimento adequado". Assim, os presos do regime semiaberto podem ficar em outra unidade prisional que não seja colônia agrícola ou industrial, desde que se trate de estabelecimento similar (adequado às características do semiaberto) e que não haja alojamento conjunto com presos do regime fechado. A nosso ver, tal recomendação parece ser a mais acertada, tendo em vista o princípio da razoabilidade, pois não se pode negligenciar, também, o cumprimento da pena, imediatamente colocando o preso em regime aberto ou domiciliar. Aliás, o próprio Supremo, no mesmo RE 641.320/RS, assumiu a necessidade de se perquirir uma harmonização dos fins da execução penal. Inclusive, reconheceu que a prisão domiciliar apresenta vários inconvenientes, a saber:
1º) para ter esse benefício, cabe ao condenado providenciar uma casa, na qual vai ser acolhido. Nem sempre ele tem meios para manter essa residência. Nem sempre tem uma família que o acolha; 2º) o recolhimento domiciliar puro e simples, em tempo integral, gera dificuldades de caráter econômico e social. O sentenciado passa a necessitar de terceiros para satisfazer todas as suas necessidades – comida, vestuário, lazer. De certa forma, há uma transferência da punição para a família, que terá que fazer todas as atividades externas do sentenciado. Surge a necessidade de constante comunicação com os órgãos de execução da pena, para controlar saídas indispensáveis – atendimento médico, manutenção da casa etc.; 3º) existe uma dificuldade grande de fiscalização se o apenado está realmente cumprindo a restrição imposta; 4º) a prisão domiciliar pura e simples não garante a ressocialização porque é extremamente difícil para o apenado conseguir um emprego no qual ele trabalhe apenas em casa.
Vale ressaltar, ainda, que os apenados que serão beneficiados com a saída antecipada ou com as penas alternativas deverão ser escolhidos com base em critérios isonômicos, conforme o mesmo entendimento fixado pelo STF no Recurso Extraordinário ora analisado. Assim, tais benefícios deverão ser deferidos aos sentenciados que satisfaçam os requisitos subjetivos (bom comportamento) e que estejam mais próximos de satisfazer o requisito objetivo, ou seja, aqueles que estão mais próximos de progredir ou de encerrar a pena. Portanto, permanecendo a falta de vagas, mesmo após a verificação de viabilidade do cumprimento da pena no regime semiaberto em estabelecimento destinado ao regime fechado, deverão ser observadas, havendo possibilidade, as seguintes medidas:
1ª) saída antecipada de sentenciado do regime com falta de vagas, obedecida a ordem preferencial daqueles que estão mais próximos da progressão, mediante uma análise acurada dos requisitos subjetivos (bom comportamento carcerário, merecimento e aptidão do sentenciado para o benefício); 2ª) liberdade eletronicamente monitorada dos que saírem antecipadamente, enquanto estiverem em regime semiaberto, conferindo-se ao sentenciado o direito ao trabalho e/ou estudo, devendo recolher-se ao domicílio nos períodos de folga, mediante apresentação periódica ao juízo da execução penal; e 3ª) cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo como alternativa ao regime aberto.
Logo, opinamos pela concessão parcial da ordem de habeas corpus, no sentido de que se requisite ao juízo de origem a avaliação concreta, com base na Súmula Vinculante nº 56 do STF, dos seguintes fatores, nesta ordem, para cessação do constrangimento ilegal do paciente: 1.Se o paciente está alojado conjuntamente a condenados ao regime fechado e pode cumprir a pena na situação que se encontre, sem que ocorra violação de seus direitos e garantias constitucionais; 2.Não podendo, e havendo déficit de vagas aos condenados ao regime semiaberto, determinar a saída antecipada do paciente, obedecida a ordem preferencial daqueles que estão mais próximos da progressão, mediante uma análise acurada dos requisitos subjetivos (bom comportamento carcerário, merecimento e aptidão do sentenciado para o benefício), impondo o monitoramento eletrônico; 3.Se não for possível a referida medida de monitoramento eletrônico, impor o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo como alternativa ao regime aberto; 4.Por fim, avaliar, excepcionalmente, a colocação imediata do paciente no regime aberto ou domiciliar.
 Belo Horizonte, 25 de junho de 2019.
Cláudio Varella de Souza Procurador de Justiça

Nenhum comentário:

Postar um comentário