Consultor Jurídico

sexta-feira, 8 de maio de 2020

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - PRINCÍPIO DA EXCEPCIONALIDADE MOMENTÂNEA - COVID-19 - SUBSTITUIÇÃO PREVENTIVA - MEDIDAS CAUTELARES ART. 319 CPP


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 126.240 - MG (2020/0099571-0)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
RECORRENTE : LUAN NERY ROCHA (PRESO)
ADVOGADO : HERSINO MATOS E MEIRA JUNIOR - MG090159
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

 DECISÃO LUAN NERY ROCHA alega sofrer coação ilegal diante de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (HC n. 1.0000.20.024110-7/000). Requer, liminarmente, a expedição de alvará de soltura, por considerar inidônea a motivação adotada para converter sua prisão em flagrante, pela suposta prática do crime de tráfico de drogas, em custódia preventiva.
O pedido de urgência comporta acolhimento. Ao convolar o flagrante em segregação preventiva, o Juízo de primeiro grau assim justificou a medida extrema (fl. 52, grifei):

 No caso concreto, diante da diversidade de drogas e dos petrechos para preparo desta, para venda, os quais foram apreendidos no próprio quarto do autuado, evidencia-se que este dedica-se a prática da traficância, em especial denota seu maior envolvimento com práticas ilícitas. Diante desses argumentos, verifico a gravidade concreta do delito em questão e pondero que liberdade do autuado representa risco a ordem pública local, notadamente pela possibilidade de continuar com a prática de traficância. Obtempero que, a primariedade do autuado, por si só, não afasta a possibilidade de decretação de suas prisões preventivas.

 O Tribunal de origem denegou a impetração originária. Na ocasião, registrou a apreensão em poder do acusado de "uma balança de precisão marca Olim; 3 unidades de papelotes de cocaína, com massa de 2,24 g [...]; 5 unidades de pedras de crack, com massa de 0,68 g [...]; 2 unidades de bucha de maconha, com massa de 6,34 g [...]; 1 unidade de cartucho intacto (munição) de arma de fogo, calibre .38, picotada" (fl. 113).
Na hipótese, conquanto as circunstâncias mencionadas pelas instâncias ordinárias revelem a necessidade de algum acautelamento da ordem pública – dado o risco de reiteração delitiva, diante dos indícios de habitualidade do comércio espúrio –, entendo, em análise perfunctória – inerente a esta fase processual –, não se mostrarem tais razões bastantes, em juízo de proporcionalidade, para manter o recorrente sob o rigor da cautela pessoal mais extremada, mormente em razão de a infração supostamente praticada haver sido praticada sem o emprego de violência ou grave ameaça, bem como ante a crise mundial do coronavírus e, especialmente, a gravidade do quadro nacional.
Deveras, embora presentes motivos ou requisitos que tornariam cabível a custódia preventiva, é plenamente possível que a autoridade judiciária – à luz do princípio da proporcionalidade, das novas alternativas fornecidas pela Lei n. 12.403/2011 e do necessário enfrentamento da emergência atual de saúde pública – considere a opção por uma ou mais das providências indicadas no art. 319 do Código de Processo Penal o meio bastante e cabível para obter o mesmo resultado – a proteção do bem jurídico sob ameaça – de forma menos gravosa.
A excepcionalidade momentânea impõe intervenções e atitudes mais ousadas das autoridades, inclusive do Poder Judiciário. Assim, reputo que, na atual situação, salvo necessidade inarredável da segregação preventiva – sobretudo casos de crimes cometidos com particular violência –, a envolver acusado de especial e evidente periculosidade ou que se comporte de modo a, claramente, denotar risco de fuga ou de destruição de provas e/ou ameaça a testemunhas, o exame da necessidade da manutenção da medida mais gravosa deve ser feito com outro olhar.
A prisão ante tempus é o último recurso a ser utilizado neste momento de adversidade, com notícia de suspensão de visitas e isolamentos de internos, de forma a preservar a saúde de todos.
Esse pensamento, aliás, está em conformidade com a recente Recomendação n. 62/2020 do CNJ, que prescreve (destaques no original e acrescidos):

 [...] CONSIDERANDO a declaração pública de situação de pandemia em relação ao novo coronavírus pela Organização Mundial da Saúde – OMS, em 11 de março de 2020, assim como a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da Organização Mundial da Saúde, em 30 de janeiro de 2020, da mesma OMS, a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN veiculada pela Portaria n. 188/GM/MS, em 4 de fevereiro de 2020, e o previsto na Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus; [...] CONSIDERANDO que a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva e que um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos; CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer procedimentos e regras para fins de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus particularmente em espaços de confinamento, de modo a reduzir os riscos epidemiológicos de transmissão do vírus e preservar a saúde de agentes públicos, pessoas privadas de liberdade e visitantes, evitando-se contaminações de grande escala que possam sobrecarregar o sistema público de saúde; CONSIDERANDO o alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus e o agravamento significativo do risco de contágio em estabelecimentos prisionais e socioeducativos, tendo em vista fatores como a aglomeração de pessoas, a insalubridade dessas unidades, as dificuldades para garantia da observância dos procedimentos mínimos de higiene e isolamento rápido dos indivíduos sintomáticos, insuficiência de equipes de saúde, entre outros, características inerentes ao “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347; CONSIDERANDO a obrigação do Estado brasileiro de assegurar o atendimento preventivo e curativo em saúde para pessoas privadas de liberdade, compreendendo os direitos de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde, assistência à família, tratamento de saúde gratuito, bem como o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às suas liberdades fundamentais, nos termos da Constituição Federal de 1988, do artigo 14 da Lei de Execução Penal – LEP – Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984, do Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011, da Portaria Interministerial n. 1, de 2 de janeiro de 2014 – PNAISP, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, do artigo 60, da Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE – Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, da Portaria do Ministério da Saúde n. 1.082, de 23 de maio de 2014 – PNAISARI, além de compromissos internacionalmente assumidos; [...] RESOLVE: Art. 1º. Recomendar aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos estabelecimentos do sistema prisional e do sistema socioeducativo. Parágrafo único. As recomendações têm como finalidades específicas: I – a proteção da vida e da saúde das pessoas privadas de liberdade, dos magistrados, e de todos os servidores e agentes públicos que integram o sistema de justiça penal, prisional e socioeducativo, sobretudo daqueles que integram o grupo de risco, tais como idosos, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções; II – redução dos fatores de propagação do vírus, pela adoção de medidas sanitárias, redução de aglomerações nas unidades judiciárias, prisionais e socioeducativas, e restrição às interações físicas na realização de atos processuais; e III – garantia da continuidade da prestação jurisdicional, observando-se os direitos e garantias individuais e o devido processo legal. [...] Art. 4º. Recomendar aos magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas: [...] III – a máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva, observado o protocolo das autoridades sanitárias. [...]

Apoiado nessas premissas, precipuamente em conformidade com os arts. 1º e 4º da Recomendação n. 62/2020 do CNJ – inclusive o conselho de "suspensão do dever de apresentação periódica ao juízo das pessoas em liberdade provisória" (art. 4º, II, grifei) –, constato ser suficiente e adequado, para atender às exigências cautelares do art. 282 do CPP, impor ao réu – independentemente de mais acurada avaliação do Juízo monocrático – as providências alternativas positivadas no art. 319, IV e V, do CPP.
À vista do exposto, defiro a liminar para substituir a prisão preventiva do recorrente pelas seguintes medidas cautelares, com fulcro no art. 319, IV e V, do CPP: a) proibição de se ausentar da comarca sem prévia autorização judicial; e b) recolhimento domiciliar no período noturno, cujos horários serão estabelecidos pelo Juiz, sem prejuízo de outras medidas que o prudente arbítrio do Juízo natural da causa indicar cabíveis e adequadas, bem como de nova decretação da constrição preventiva se efetivamente demonstrada sua concreta necessidade. Alerte-se ao acusado que a violação das providências cautelares poderá importar o restabelecimento da prisão provisória, a qual também poderá ser novamente aplicada se sobrevier situação que configure a exigência da cautelar mais gravosa.
 Comunique-se a decisão, com urgência, à autoridade apontada como coatora e ao Juízo de primeiro grau, solicitando-lhes o envio de informações e eventual senha para acesso aos andamentos processuais, via malote digital.
A seguir, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para manifestação.
Publique-se e intimem-se.
Brasília (DF), 04 de maio de 2020. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

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