RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 126.240 - MG (2020/0099571-0)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
RECORRENTE : LUAN NERY ROCHA (PRESO)
ADVOGADO : HERSINO MATOS E MEIRA JUNIOR - MG090159
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
DECISÃO LUAN NERY ROCHA alega sofrer coação ilegal diante de acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (HC n.
1.0000.20.024110-7/000). Requer, liminarmente, a expedição de alvará de
soltura, por considerar inidônea a motivação adotada para converter sua prisão
em flagrante, pela suposta prática do crime de tráfico de drogas, em custódia
preventiva.
O pedido de urgência comporta
acolhimento. Ao convolar o flagrante em segregação preventiva, o Juízo de
primeiro grau assim justificou a medida extrema (fl. 52, grifei):
No
caso concreto, diante da diversidade de drogas e dos petrechos para preparo
desta, para venda, os quais foram apreendidos no próprio quarto do autuado,
evidencia-se que este dedica-se a prática da traficância, em especial denota
seu maior envolvimento com práticas ilícitas. Diante desses argumentos,
verifico a gravidade concreta do delito em questão e pondero que liberdade do
autuado representa risco a ordem pública local, notadamente pela possibilidade
de continuar com a prática de traficância. Obtempero que, a primariedade do
autuado, por si só, não afasta a possibilidade de decretação de suas prisões
preventivas.
O Tribunal de origem denegou a impetração
originária. Na ocasião, registrou a apreensão em poder do acusado de "uma
balança de precisão marca Olim; 3 unidades de papelotes de cocaína, com massa
de 2,24 g [...]; 5 unidades de pedras de crack, com massa de 0,68 g [...]; 2
unidades de bucha de maconha, com massa de 6,34 g [...]; 1 unidade de cartucho
intacto (munição) de arma de fogo, calibre .38, picotada" (fl. 113).
Na hipótese,
conquanto as circunstâncias mencionadas pelas instâncias ordinárias revelem a
necessidade de algum acautelamento da ordem pública – dado o risco de
reiteração delitiva, diante dos indícios de habitualidade do comércio espúrio
–, entendo, em análise perfunctória – inerente a esta fase processual –, não se
mostrarem tais razões bastantes, em juízo de proporcionalidade, para manter o
recorrente sob o rigor da cautela pessoal mais extremada, mormente em razão de
a infração supostamente praticada haver sido praticada sem o emprego de
violência ou grave ameaça, bem como ante a crise mundial do coronavírus e,
especialmente, a gravidade do quadro nacional.
Deveras,
embora presentes motivos ou requisitos que tornariam cabível a custódia
preventiva, é plenamente possível que a autoridade judiciária – à luz do
princípio da proporcionalidade, das novas alternativas fornecidas pela Lei n.
12.403/2011 e do necessário enfrentamento da emergência atual de saúde pública
– considere a opção por uma ou mais das providências indicadas no art. 319 do
Código de Processo Penal o meio bastante e cabível para obter o mesmo resultado
– a proteção do bem jurídico sob ameaça – de forma menos gravosa.
A
excepcionalidade momentânea impõe intervenções e atitudes mais ousadas das
autoridades, inclusive do Poder Judiciário. Assim, reputo que, na atual
situação, salvo necessidade inarredável da segregação preventiva – sobretudo
casos de crimes cometidos com particular violência –, a envolver acusado de
especial e evidente periculosidade ou que se comporte de modo a, claramente,
denotar risco de fuga ou de destruição de provas e/ou ameaça a testemunhas, o
exame da necessidade da manutenção da medida mais gravosa deve ser feito com outro
olhar.
A prisão ante
tempus é o último recurso a ser utilizado neste momento de adversidade, com
notícia de suspensão de visitas e isolamentos de internos, de forma a preservar
a saúde de todos.
Esse
pensamento, aliás, está em conformidade com a recente Recomendação n. 62/2020
do CNJ, que prescreve (destaques no original e acrescidos):
[...]
CONSIDERANDO a declaração pública de situação de pandemia em relação ao novo
coronavírus pela Organização Mundial da Saúde – OMS, em 11 de março de 2020,
assim como a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância
Internacional da Organização Mundial da Saúde, em 30 de janeiro de 2020, da
mesma OMS, a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional
– ESPIN veiculada pela Portaria n. 188/GM/MS, em 4 de fevereiro de 2020, e o
previsto na Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as
medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do novo coronavírus; [...] CONSIDERANDO que a
manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da
saúde coletiva e que um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas
prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a
saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos
estabelecimentos; CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer procedimentos e
regras para fins de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus
particularmente em espaços de confinamento, de modo a reduzir os riscos
epidemiológicos de transmissão do vírus e preservar a saúde de agentes
públicos, pessoas privadas de liberdade e visitantes, evitando-se contaminações
de grande escala que possam sobrecarregar o sistema público de saúde;
CONSIDERANDO o alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus e o
agravamento significativo do risco de contágio em estabelecimentos prisionais e
socioeducativos, tendo em vista fatores como a aglomeração de pessoas, a
insalubridade dessas unidades, as dificuldades para garantia da observância dos
procedimentos mínimos de higiene e isolamento rápido dos indivíduos
sintomáticos, insuficiência de equipes de saúde, entre outros, características
inerentes ao “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário
brasileiro reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347; CONSIDERANDO a obrigação do
Estado brasileiro de assegurar o atendimento preventivo e curativo em saúde
para pessoas privadas de liberdade, compreendendo os direitos de serem
informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde, assistência à família,
tratamento de saúde gratuito, bem como o pleno respeito à dignidade, aos
direitos humanos e às suas liberdades fundamentais, nos termos da Constituição
Federal de 1988, do artigo 14 da Lei de Execução Penal – LEP – Lei n. 7.210, de
11 de julho de 1984, do Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011, da Portaria
Interministerial n. 1, de 2 de janeiro de 2014 – PNAISP, do Estatuto da Criança
e do Adolescente – ECA – Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, do artigo 60, da
Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE – Lei n. 12.594,
de 18 de janeiro de 2012, da Portaria do Ministério da Saúde n. 1.082, de 23 de
maio de 2014 – PNAISARI, além de compromissos internacionalmente assumidos;
[...] RESOLVE: Art. 1º. Recomendar aos Tribunais e magistrados a adoção de
medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19
no âmbito dos estabelecimentos do sistema prisional e do sistema
socioeducativo. Parágrafo único. As recomendações têm como finalidades
específicas: I – a proteção da vida e da saúde das pessoas privadas de
liberdade, dos magistrados, e de todos os servidores e agentes públicos que
integram o sistema de justiça penal, prisional e socioeducativo, sobretudo
daqueles que integram o grupo de risco, tais como idosos, gestantes e pessoas
com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades
preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a
partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças
renais, HIV e coinfecções; II – redução dos fatores de propagação do vírus,
pela adoção de medidas sanitárias, redução de aglomerações nas unidades judiciárias,
prisionais e socioeducativas, e restrição às interações físicas na realização
de atos processuais; e III – garantia da continuidade da prestação
jurisdicional, observando-se os direitos e garantias individuais e o devido
processo legal. [...] Art. 4º. Recomendar aos magistrados com competência para
a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos
epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus,
considerem as seguintes medidas: [...] III – a máxima excepcionalidade de novas
ordens de prisão preventiva, observado o protocolo das autoridades sanitárias.
[...]
Apoiado nessas
premissas, precipuamente em conformidade com os arts. 1º e 4º da Recomendação
n. 62/2020 do CNJ – inclusive o conselho de "suspensão do dever de
apresentação periódica ao juízo das pessoas em liberdade provisória" (art.
4º, II, grifei) –, constato ser suficiente e adequado, para atender às
exigências cautelares do art. 282 do CPP, impor ao réu – independentemente de
mais acurada avaliação do Juízo monocrático – as providências alternativas
positivadas no art. 319, IV e V, do CPP.
À vista do
exposto, defiro a liminar para substituir a prisão preventiva do recorrente
pelas seguintes medidas cautelares, com fulcro no art. 319, IV e V, do CPP: a)
proibição de se ausentar da comarca sem prévia autorização judicial; e b)
recolhimento domiciliar no período noturno, cujos horários serão estabelecidos
pelo Juiz, sem prejuízo de outras medidas que o prudente arbítrio do Juízo
natural da causa indicar cabíveis e adequadas, bem como de nova decretação da
constrição preventiva se efetivamente demonstrada sua concreta necessidade.
Alerte-se ao acusado que a violação das providências cautelares poderá importar
o restabelecimento da prisão provisória, a qual também poderá ser novamente
aplicada se sobrevier situação que configure a exigência da cautelar mais
gravosa.
Comunique-se a decisão, com urgência, à
autoridade apontada como coatora e ao Juízo de primeiro grau, solicitando-lhes
o envio de informações e eventual senha para acesso aos andamentos processuais,
via malote digital.
A seguir,
encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para manifestação.
Publique-se e
intimem-se.
Brasília (DF),
04 de maio de 2020. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
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