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quarta-feira, 27 de maio de 2020

AUSÊNCIA DE PROVAS DA MERCANCIA ILÍCITA - DESCLASSIFICAÇÃO - POSSIBILIDADE - CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE NA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA - INVIABILIDADE - INEXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS QUE AUTORIZEM A CONDENAÇÃO PELO CRIME MAIS GRAVE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO 'IN DUBIO PRO REO

Um cliente foi condenado por roubo e tráfico de drogas, mesmo nos autos comprovado que o mesmo era usuário através das palavras dos próprios Policiais Militares.



Processo: 1.0443.19.000740-3/001
Relator: Des.(a) Márcia Milanez
Relator do Acordão: Des.(a) Márcia Milanez
Data do Julgamento: 14/05/2020
Data da Publicação: 18/05/2020

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO - AUSÊNCIA DE PROVAS DA MERCANCIA ILÍCITA - DESCLASSIFICAÇÃO - POSSIBILIDADE - CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE NA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA - INVIABILIDADE - INEXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS QUE AUTORIZEM A CONDENAÇÃO PELO CRIME MAIS GRAVE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO 'IN DUBIO PRO REO' - ROUBO MAJORADO - REDUÇÃO DA PENA - CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL - PENA DE MULTA - REDUÇÃO DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE - PROPORCIONALIDADE À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
IMPOSTA.

A quantidade da droga apreendida, por si só, não deve conduzir à presunção absoluta de se estar diante do crime de tráfico. Diante da possibilidade de vir o acusado a incorrer em penalidade mais gravosa do que aquela prevista para o crime no art. 28 da mencionada Lei, o convencimento de que o entorpecente era destinado à venda deve estar comprovado.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0443.19.000740-3/001 - COMARCA DE NANUQUE - APELANTE(S): CASSIANO RODRIGUES QUEIROZ - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

RELATORA. DESA. MÁRCIA MILANEZ (RELATORA)

V O T O

CASSIANO RODRIGUES QUEIROZ, qualificado nos autos, foi denunciado como incurso nas sanções dos artigos 157, §2º, I, do Código Penal e art. 33 da Lei 11.343/06, porquanto, em 20 de fevereiro de 2019, por volta de 19h20min., na Avenida Antônio Barroso, Centro Industrial, em Nanuque/MG, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma, subtraiu, para si, coisa alheia móvel, de propriedade de R. R. C., motorista da viação Três Fronteiras.

Na mesma data, na Rua Camilo Said, nas proximidades do nº 1928, em Nanuque/MG, e instantes após a subtração, o denunciado transportou drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (fls. 02D/04D).

Concluída a instrução probatória, foi o réu condenado pelas imputações de roubo majorado e tráfico de drogas, a cumprir a pena privativa de liberdade de 17 (dezessete) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime fechado, e 1.747 (mil, setecentos e quarenta e sete) dias-multa (sentença às fls. 98/101v).

Inconformado, apelou o sentenciado (fl. 105v), requerendo a defesa, em suas razões recursais, a absolvição do crime de tráfico, ao argumento de que não restou comprovado que a droga era destinada à venda (fls. 108/109v).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 115/118), subiram os autos e, nesta instância, a douta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 127/128v).

É o relatório, resumido e no que interessa.

Conheço do recurso, presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Segundo consta da denúncia, no dia 20 de fevereiro de 2019, por volta das 19h20min., na Avenida Antônio Barroso, Centro Industrial, em Nanuque/MG, o denunciado, portando uma faca, subtraiu uma bolsa contendo aproximadamente R$ 800,00 (oitocentos reais), um aparelho celular da marca LG e uma bolsa contendo moedas.

Após o roubo, o denunciado evadiu-se do local. Prosseguindo nas diligências, os policiais dirigiram-se à residência de Cassiano, localizada na Rua Camilo Said, nas proximidades do nº 1928, em Nanuque/MG, ocasião em que o acusado novamente tentou evadir do local transportando uma bolsa verde que continha 37 (trinta e sete) porções de crack.

Incontroversas a materialidade e a autoria do crime de roubo, nos termos do BO de fls. 09/14, auto de apreensão de fls. 17/17v, termos de restituição de fls. 18 e 19, confissão do apelante no APFD e em juízo (fls. 06/06v e mídia de fl. 85) e prova testemunhal coligida, pretende a defesa de Cassiano a absolvição quanto ao crime de tráfico, ao argumento de que não há comprovação de que a droga apreendida era destinada à mercancia. Ao que tudo indica, portanto, a combativa defesa pretende, na verdade, a desclassificação do delito imputado na denúncia para aquele previsto no art. 28 da Lei 11.343/06, mesmo porque o apelante é confesso quanto à propriedade do entorpecente apreendido.

A materialidade é induvidosa, conforme auto de apreensão de fls. 17/17v, laudo de constatação de fls. 22/23 e exame toxicológico definitivo de fls. 92/92v.

No tocante à autoria, com a devida vênia do entendimento do ilustre Magistrado a quo, realmente não se trata de hipótese que autorize a condenação pelo crime mais grave.

Sabe-se que a conduta de "transportar substância entorpecente" encontra previsão tanto no art. 33 quanto no art. 28 da Lei de Tóxicos, sendo que os critérios de diferenciação se encontram presentes no §2º do art. 28 que dispõe, verbis:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

§2º - Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Para a caracterização do delito mais grave, impõe-se a análise atenta do quadro probatório.

No caso, entendeu o Magistrado a quo por descartar a possibilidade uso próprio da droga, em razão da quantidade de entorpecente apreendido, qual seja, 12,07 gramas de crack.

Ocorre que a quantidade da droga apreendida, por si só, não deve conduzir à presunção absoluta de se estar diante do crime de tráfico, e, in casu, tenho que a quantidade, embora não seja pequena, também não é vultosa a ponto de se concluir, exclusivamente com base neste critério, que era destinada à venda a terceiros.

Certo é que, à exceção da quantidade de droga, não há nos autos qualquer outro elemento a corroborar a versão de sua destinação mercantil ou que o réu exercia o narcotráfico.

Por outro lado, a forma de acondicionamento e a natureza da droga apreendida também não levam, por si sós, à configuração da previsão mais gravosa, adequando-se perfeitamente ao crime de uso.

Cumpre ressaltar ainda que, na Comunicação de Serviço de fls. 40/42, os investigadores da Polícia Civil relataram que, segundo informações, o réu é usuário e alcoólatra, confirmando ao final que Cassiano "é viciado contumaz em drogas, mais especificamente em pedra de crack e que possui em seu histórico policial, passagens pelo crime de roubo, furto e ameaça...;" (fl. 42).

Assim, diante da possibilidade de vir o acusado a incorrer em penalidade mais gravosa do que aquela prevista para o crime no art. 28 da mencionada Lei, o convencimento de que o entorpecente era destinado à venda deve estar comprovado, o que não se fez nesses autos.

O apelante afirmou e reafirmou sua condição de usuário em ambas as oportunidades; os policiais que o prenderam não destacaram qualquer envolvimento do réu com o tráfico; não se ouviu sequer um usuário que, no passado, tenha adquirido drogas das mãos do réu; e não foram apreendidos outros materiais indicativos do tráfico.

Inexiste, portanto, comprovação inequívoca que a droga destinar-se-ia a terceiros, impondo-se, diante do quadro descrito, a solução mais favorável ao acusado, em respeito ao princípio do "in dubio pro reo". Corroborando este entendimento, com maestria decidiu o saudoso Des. Edelberto Santiago:

Enfim, pode-se até duvidar de uma conduta inocente por parte dos réus apelantes. É possível mesmo que reste em cada um dos agentes da lei - policiais, representantes do Ministério Publico e magistrados - a íntima convicção relativa à culpabilidade dos acusados na condição de traficantes. No entanto, para uma condenação tão grave e de efeitos tão severos, o convencimento subjetivo há que restar, além das provas indiretas, minimamente provado. (TJMG - trecho de voto proferido pelo E. Des. Rel. Edelberto Santiago nos autos nº 288.397-3 - j. 17/09/2002 - p.20/09/2002).

No mesmo sentido, este Tribunal vem reiteradamente decidindo:

TRÁFICO DE DROGAS - MEROS INDÍCIOS E PRESUNÇÕES - FRAGILIDADE DO CONTEXTO PROBATÓRIO - INSUFICIÊNCIA - PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO - ABSOLVIÇÃO - CORRÉU - AUSÊNCIA DE PROVAS DA TRAFICÂNCIA - APREENSÃO DE PEQUENA QUANTIDADE DE DROGAS - RÉU QUE NÃO NEGA A PROPRIEDADE DAS MESMAS QUE ESTAVAM EM SUA RESIDÊNCIA - ACUSADO QUE NÃO É APONTADO POR QUALQUER TESTEMUNHA COMO SENDO TRAFICANTE OU SEQUER CONHECIDO DO MEIO POLICIAL COMO POSSÍVEL CRIMINOSO - DESTINAÇÃO MERCANTIL NÃO COMPROVADA - TESE DE DESCLASSIFICAÇÃO QUE SE ACOLHE. A existência de meros indícios não autoriza o decreto condenatório, pois, para a condenação, exige-se a certeza da autoria delitiva. O fato de o acusado ser usuário de drogas não o impede de ser, simultaneamente, traficante, porém, quando as provas dos autos geram dúvidas em relação à conduta de tráfico, mas é clara em relação à posse de droga para consumo próprio, é cabível a desclassificação do crime para a conduta descrita no art. 28 da Lei nº 11.343/06. V.V.P. Os funcionários da polícia merecem, nos seus relatos, a normal credibilidade dos testemunhos em geral, a não ser quando se apresente razão concreta de suspeição. Enquanto isto não ocorra e
desde que não defendam interesse próprio, mas ajam na defesa da coletividade, sua palavra tem grande valia na formação do convencimento do julgador. Assim, restando devidamente comprovadas a materialidade e a autoria do tráfico de drogas, mantém-se a condenação dos apelantes pelo crime de tráfico. (Desembargador Eduardo Brum). (Apelação Criminal 1.0040.11.003043-0/001, Relator(a): Des.(a) Delmival de Almeida Campos , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 23/11/2012, publicação da súmula em 29/11/2012).

Por estas razões, desclassifico a imputação constante da denúncia e acatada, em parte, na sentença monocrática, para o crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/06 e aplico, cumulativamente, as medidas dispostas nos incisos I a III do art. 28 da Lei nº 11.343/06, incumbindo ao Juízo de Execução proceder à advertência sobre os efeitos da droga, bem como determinar a forma de execução da prestação de serviços à comunidade prevista no inciso II do mencionado artigo, a qual deverá ser cumprida pelo prazo de 05 (cinco) meses. Em relação à medida de comparecimento a programa ou curso educativo, viabilizo desde já a possibilidade de sua substituição por outra medida de caráter semelhante, nos termos do art. 27 da mesma Lei, sendo que sua pertinência e sua oportunidade deverão ser objetos de prudente análise pelo Juízo de Execução.

Noutro norte, quanto à pena imposta ao apelante pelo delito de roubo, a sentença está a merecer um pequeno reparo.
Da análise da decisão, verifica-se que o il. Magistrado considerou em desfavor de Cassiano seus antecedentes e as circunstâncias do crime, "em razão do emprego de faca", estabelecendo a pena-base em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão (fls. 100/101).

Presentes a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea procedeu-se à compensação de ambas.

Contudo, na terceira fase, ausentes causas de aumento ou diminuição, deve a sanção ser definitivamente concretizada em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão, mantido, diante da reincidência do apelante e do quantum da pena, o regime fechado.

Por fim, deve ser reduzida a pena de multa, exageradamente estabelecida em 97 dias-multa, para 14 (quatorze) dias-multa, fixada a unidade na fração mínima, em proporcionalidade à pena privativa de liberdade estabelecida para o crime de roubo na decisão condenatória.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, nos termos deste voto. Custas na forma da lei.

DES. DIRCEU WALACE BARONI (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. ANACLETO RODRIGUES - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO"

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