Consultor Jurídico

sexta-feira, 17 de abril de 2015

CONDENAÇÃO - APELAÇÃO - PRESCRIÇÃO - ABSOLVIÇÃO - FALTA PROVAS

        O acusado foi  condenado em primeiro grau por ter furtado uma arma de fogo da PM mas, após apelação houveram dois veredictos : Prescrição e Absolvição. Os Desembargadores optaram pela Absolvição por falta de provas e por ser mais benéfico ao acusado. 
        Vejamos a decisão colegiada em 24/03/2015 


           
- Decorrido o lapso prescricional entre a data do recebimento da denúncia e a data de publicação da sentença, manifesta-se extinta a punibilidade do acusado, pela prescrição da pretensão punitiva.
- Contando o réu, à data dos fatos, com apenas 20 (vinte) anos de idade, deve o prazo prescricional ser reduzido pela metade, nos termos do art. 115 do Código Penal.
- Não obstante verificar-se a incidência da prescrição, fundamental é a análise de mérito, frente à possibilidade de ser o réu absolvido, o que se mostraria uma situação mais benéfica para este.
- Não havendo provas concretas de autoria contra o réu Damião Gomes de Oliveira, imperiosa é a sua absolvição, pela aplicação do consagrado princípio in dubio pro reo.
Apelação Criminal Nº 1.0443.08.039985-2/001 - COMARCA DE Nanuque  - Apelante(s): DAMIÃO GOMES DE OLIVEIRA - Apelado(a)(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - Vítima: F.A.G. - Corréu: WESLEY PEREIRA COSTA

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.


DES. JAUBERT CARNEIRO JAQUES
Relator.

 

  
Des. Jaubert Carneiro Jaques (RELATOR)

V O T O

Trata-se de recurso de apelação interposto por Damião Gomes de Oliveira, contra a r. sentença de fls. 161/165, que, julgando procedente a pretensão punitiva, o condenou como incurso nas sanções do artigo 155, §4º, inciso IV, do Código Penal, à pena definitiva de 02 (dois) anos de reclusão, no regime aberto, mais 10 (vinte) dias-multa. Ademais, diante da presença das condições legais, a pena corporal foi devidamente substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes na prestação de serviços comunitários, em local a ser indicado pelo Juízo de Execução, bem como o pagamento de prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo, à vítima.

Sobre os fatos, narra a denúncia que, na noite de 26 de julho de 2008, ao perceberem que a mulher do policial militar Frank Albert Garcia havida saído de casa e esta ficara vazia, os denunciados encarregaram o menor E. F. E. de vigiar externamente a residência para que eles entrassem no local. De lá, teriam subtraído, para si, uma pistola calibre .40, 3 (três) carregadores e 40 (quarenta) cartuchos intactos, tudo de propriedade da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.

Inconformada com o resultado do julgamento, a Defesa requereu, em suas razões de fls. 170/172, a absolvição do acusado diante da ausência de provas de materialidade e de autoria.

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais deixou de apresentar contrarrazões, peticionando às fls. 174/181, defendendo que deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 110, do Código Penal, ou, caso não seja esse o entendimento, antes da abertura de nova vista para contrarrazoar, deve ser o réu intimado da sentença condenatória.

Subiram os autos.

Nesta instância, a d. Procuradoria Geral de Justiça exarou parecer de fls. 191/192, destacando que o presente processo foi atingido pelo fenômeno da prescrição, devendo ser declarada extinta a punibilidade do réu.

É o relatório.

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Preliminarmente, insta salientar que razão assiste ao órgão ministerial quando se manifesta pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

No entanto, mesmo que a prescrição tenha se operado tomando por base a reprimenda cominada ao acusado em sentença, esta não deve prevalecer se, no caso dos autos, vislumbrar-se a eventual possibilidade de absolvição do réu, a qual, por óbvio, se mostra como a solução mais benéfica, porquanto, além de evitar reflexos negativos em outras esferas do Direito, acalenta substancialmente a moral do acusado declarado inocente. E exatamente este nos parece ser o caso.

A materialidade do delito restou plenamente evidenciada pelas informações contidas no Auto de Prisão em Flagrante Delito de fls. 07/11 e pelo Boletim de Ocorrência de fls. 13/19.

A autoria, por sua vez, contestada pela Defesa em suas razões recursais, se mostra obscura, perante as contradições dos depoimentos colhidos durante a fase de instrução.

Vê-se que, inicialmente, o recorrente relatou ter ouvido Wesley e o menor planejarem o furto enquanto assistiam a um filme em sua casa (fls. 09/10):

“(...) encontrava-se em sua residência, acompanhado de ‘Deraldinho’, e, por volta das 19:30 horas, também chegou Wesley e ficaram assistindo a um filme, quando ouviu Wesley e ‘Deraldinho’ combinando de entrar na residência de Frank para furtar uma arma (...); Que Wesley pulou o muro da casa de Frank e ‘Deraldinho’ foi para a rua ficar vigiando a frente da casa e o declarante ficou dentro de sua casa, não tendo qualquer participação no furto (...).” (Depoimento do acusado Damião Gomes de Oliveira, fase extrajudicial,  fls. 09/10) (grifos nossos)

Já E. F. E., ao ser ouvido pela primeira vez, declarou que Wesley e Damião o pediram para ficasse do lado de fora da residência, vigiando-a, para que entrassem na casa do policial para pegar “alguma coisa”. Confira-se:

“Que Damião disse que ele e Wesley iriam entrar na casa do Policial Frank para pegar alguma coisa, mas não disseram o que era; (...) Que Damião disse que ele e Wesley iriam pular o muro para o quintal de Frank e iriam sair pelo portão da frente e que era para o informante ficar na frente da casa vigiando e, caso alguém chegasse, deveria bater com a mão no portão(Depoimento do menor E.F.E., na fase extrajudicial, às fls. 28/29) (grifos nossos)

Posteriormente, entretanto, o adolescente retificou a declaração prestada, alegando que teria sido ameaçado pelos policiais para que assumisse a participação no furto e acusasse Wesley e Damião.

“(...) que, no dia dos fatos, estava trabalhando, quando alguns policiais o abordaram (...); Que os policiais o colocaram na viatura e deram umas voltas, levando-o até uma fazenda, perto de uma plantação de eucalipto; Que os policiais o ameaçaram, dizendo que iriam matá-lo; (...) Que ficou com medo dos policiais e por esse motivo fez as declarações anteriores (...).” (Depoimento do menor E. F. E., fase extrajudicial, fls. 51/52) (grifos nossos).

Em audiência, o recorrente negou, novamente, que tivesse alguma participação no crime, declarando que:

“não são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que, no dia dos fatos, estava em casa assistindo a um filme, na companhia de E. e Wesley, os quais foram embora em torno de oito horas e o interrogado foi dormir; (...) que em sua defesa alega que apanhou dos policiais, mas que não fez exame de corpo de delito e não tem como provar a agressão; (...) que Frank buscou o interrogando em seu serviço, sem mandado judicial, e o levou para o quartel, que ele não lhe disse o motivo da prisão, além de agredir o interrogando, Wesley e E., acusando-lhes de ter invadido sua casa; que falou na delegacia que Wesley e o menor planejaram e executaram o furto, mas que teria dito isso por pressão do delegado de polícia (...)” (Depoimento do acusado Damião Gomes de Oliveira, em juízo, às fls. 140/141) (grifos nossos)

Como se depreende do trecho transcrito acima, Damião, ao ser ouvido, na fase judicial, confirmou parcialmente o primeiro depoimento, sustentando que os três envolvidos encontravam-se em sua casa vendo um filme, porém aderiu à alegação de E. F. E. de que eles teriam sido agredidos, argumentando que foi pressionado para entregar a autoria do delito.

Cabe ressaltar que a própria vítima, quando perguntada sobre o recorrente, declarou:

“a vizinha do depoente só viu o menor em frente à casa do depoente, não tendo dito ter visto Damião; (...) nunca soube do envolvimento de Damião com nenhuma outra ocorrência policial.” (Declaração da vítima Frank Albert Garcia, em juízo, às fls. 114/115). (grifamos)

                          Assim, sem maiores divagações, tenho que, da análise de todo o caderno de provas, não se depreende evidências suficientes para ensejar a condenação do apelante.

Neste diapasão, imperioso se invocar o brocado “in dubio pro reo”, eis que em caso de conflito entre a inocência do réu e o poder dever do Estado de punir, havendo dúvida inafastável, deve o magistrado decidir em favor deste, nos exatos termos do art. 386, VII do CPP.

Abro parêntesis para esclarecer que, conforme diretriz penal extraída do art. 156 do CPP, tendo a acusação oferecido denúncia e apontado o réu como protagonista do delito, incumbe exclusivamente a ela a prova da alegação.

Sobre a matéria em comento, explica o ilustre jurista Guilherme de Souza Nucci, em sua obra “Manual de Processo Penal e Execução Penal – 8ª edição”, às páginas 84/85:

“Conhecido, igualmente, como princípio de estado de inocência (ou da não culpabilidade), significa que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado. Encontra-se previsto no art. 5º, LVII, da Constituição.

Tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado-juiz, a culpa do réu.”

Daí, em atenção ao princípio da livre convicção motivada sedimentado em nosso sistema processual, e analisando o frágil caderno probatório até então coligido aos autos, imperiosa se faz a absolvição do réu, já que temeroso seria condená-lo embasando-se em provas que não conduzem a um juízo de certeza.

Sobre o assunto já se pronunciou este egrégio Tribunal de Justiça:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO. AUTORIA DUVIDOSA. PROVA EXTRAJUDICIAL NÃO CONFIRMADA EM JUÍZO. PALAVRA DA VÍTIMA. CONTRADIÇÕES. ARTIGO 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ABSOLVIÇÃO IMPOSTA. - Se as provas constantes dos autos deixam dúvida quanto à autoria do delito de roubo majorado imputado ao acusado, a solução absolutória é providência de rigor, por força do princípio 'in dubio pro reo'.  (Apelação Criminal 1.0699.06.064665-9/001, Relator(a): Des.(a) Renato Martins Jacob , 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 17/07/2014, publicação da súmula em 28/07/2014).

Neste mesmo sentido, outros Tribunais pátrios já decidiram:

Em matéria de condenação criminal, não bastam meros indícios. A prova da autoria deve ser contundente e estreme de dúvida, pois só a certeza autoriza condenação no juízo criminal. Não havendo provas suficientes, a absolvição do réu deve prevalecer (TJMT - AP - Rel. Paulo Inácio Dias Lessa - RT 708/709; apud FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coords). Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 1717).

Não estando suficientemente demonstradas as provas da materialidade, autoria e o elemento subjetivo, simples indícios do ilícito não são suficientes para um juízo condenação (TRF 2.ª Reg. - AP - Rel. Alberto Nogueira - RT 725/675; in ob. cit., p. 1717).

Por todo o exposto, merece acolhimento o recurso da Defesa.

Ademais, em atenção à manifestação do Ministério Público, verifico que a punibilidade do réu, no presente feito, estaria, de fato, extinta, frente à prescrição da pretensão punitiva estatal.

No caso vertente, foi fixada ao réu pena corporal à razão de 02 (dois) anos de reclusão mais 10 (dez) dias multa, e, nos termos do art. 109, inciso V e art. 110, § 1º, ambos do Código Penal, verifica-se a prescrição em 04 (quatro) anos, devendo tal prazo ser reduzido pela metade por tratar-se o réu, ao tempo do crime, de menor de 21 anos, nos moldes do art. 115 do CP.

Frise-se, neste ponto, que o recorrente, nascido em 12/09/1987, à época dos fatos contava com 20 anos de idade.

Analisando detidamente os presentes autos, vislumbra-se que entre a data em que a denúncia foi recebida – 06/03/2009 (fl. 54) – e a data da publicação da sentença – 25/04/2014 (fl. 166) - passaram-se aproximadamente 05 (cinco) anos.

Como dito, pela incidência do art. 115 do CP, o prazo prescricional no presente caso perfaz 02 (dois) anos, e, ultrapassado o indicado interregno entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença, é de rigor o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, restando, pois fulminado, o exercício do jus puniendi estatal.

Da mesma forma, a pena de multa também estaria prescrita, porquanto sujeita ao mesmo prazo da pena privativa de liberdade, quando for cumulativamente cominada ou aplicada, ao teor do art. 114, II, do CP.

Do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso defensivo para absolver o réu Damião Gomes de Oliveira da imputação contida na ação penal, com fundamento no art. 386, inciso VII do Código de Processo Penal.

Custas no Juízo da Execução


Desa. Denise Pinho Da Costa Val (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
Desa. Luziene Medeiros Do Nascimento Barbosa Lima (Jd Convocada) - De acordo com o(a) Relator(a).


SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO"


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