Consultor Jurídico

quinta-feira, 19 de março de 2015

DO INTERROGATÓRIO DO ACUSADO ...

Há alguns juízes que não permitem que o Advogado tenham uma entrevista prévia com o cliente antes de seu interrogatório. Alega o magistrado que se assim for o Advogado poderá instruir o interrogatório do acusado. Não é esse o objetivo de uma entrevista prévia ?  Instruir o cliente ? Ademais o acusado tem o direito de conhecer todas as provas antes de se pronunciar.

Abaixo transcrevo parte de um trabalho Juiz Federal Eduardo Francisco de Souza disponível em  : 


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DIREITO À ENTREVISTA PRÉVIA E RESERVADA

 O art. 185, § 5º, do CPC, estabelece que: “em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso”. O direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor já estava previsto no Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992, que promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 19697 , e restou melhor delineado pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, que modificou o CPP. Está intimamente ligado à garantia constitucional da ampla defesa, que exige o oferecimento ao acusado do maior número possível de meios para sua concretização. Seu surgimento complementa a garantia de que qualquer acusado deve ter assegurado o acompanhamento de um defensor. A entrevista prévia, que deve ser assegurada pelo magistrado, também foi instituída em benefício do advogado (cuja indispensabilidade foi realçada pela Constituição), mormente quando se trata de acusados presos, cujo acesso nem sempre é facilitado pelo sistema prisional, possibilitando ao profissional o cumprimento de seu mister.
A entrevista com o defensor representa ainda a confluência entre a autodefesa e a defesa técnica, em que esta, exercida pelo defensor, pode afinar-se com aquela. Com efeito, na conversa reservada com o seu cliente, o advogado poderá ouvi-lo, elucidar-lhe o teor da acusação e indicar-lhe uma estratégia de defesa, além de ser uma oportunidade de tranquilizar o acusado, momento pedagógico para instruí-lo dos seus direitos, mormente o de permanecer calado, bem como conscientizá-lo de que se eventualmente faltar com a verdade não sofrerá penalidades por tal conduta.
O direito à entrevista deve ser assegurado, estando na esfera de liberdade do acusado ou de seu defensor fazer usá-lo, cabendo ao juiz apenas advertir o acusado da existência de tal direito, não havendo que se falar em determinação de oficio. Cumpre notar que se tal direito não for assegurado, poderá implicar nulidade do ato, nulidade esta que se reveste de caráter relavo10. Realmente, a nulidade só deve ser reconhecida caso comprovado o prejuízo para a defesa, conforme o princípio pas de nullité sans grief, adotado pelo art. 563 do CPP11, prejuízo que não ocorrerá, por exemplo, se o acusado permanecer calado durante o interrogatório. Há certa ponderação na jurisprudência no sentido de que o direito à entrevista prévia e reservada é vocacionado em especial para o acusado quem tem defensor nomeado pelo juízo, notadamente quando se encontra preso, sendo no mais das vezes a primeira oportunidade para conversar com o defensor.
Nesse passo, a garantia deve ser flexibilizada quando se trata de réu que responde em liberdade e com advogado constuído13, pois quando do interrogatório já travou contato com seu defensor. Quer dizer, não é que o juiz não deva assegurar-lhe tal direito; apenas, se eventualmente não formular tal advertência, nessas condições, não há que se falar em nulidade. O direito à entrevista, inclusive, tem o condão de sanar vício decorrente de ausência de citação do réu preso14, que apenas fora requisitado para o interrogatório. Durante o ato, o juiz, ao esclarecer, mediante a leitura da denúncia, reforçado pela entrevista prévia com o advogado, supre a falta de citação, cuja finalidade é não apenas integrar o acusado na relação processual, mas também informa-lhe acerca do conteúdo da acusação, essencial para que possa exercitar seu direito de defesa. Tal direito, na dicção da lei, deve ser assegurado qualquer que seja a modalidade de interrogatório judicial, inclusive aquele que se opera por videoconferência, tendo a lei se preocupado em garanr “o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso” (art. 185, § 5º, fine, CPC). Submete-se a limites, não sendo reconhecido na fase policial15 , ante o caráter inquisitivo desta. Operacionaliza-se pela disponibilização de uma sala, ou mesmo pela simples retirada do juiz e dos demais da sala de audiência, ou através de tecnologia adequada, como a estabelecida por “meio de interfone, livre de interferência de qualquer agente biológico, ou seja, respeitando-se a privacidade e sigilo que são inerentes ao exercício da advocacia” 16 . O CPP determina que “Havendo mais de um acusado, serão interrogados separadamente” (art. 191), o que deve ser compatibilizado com o direito de entrevista reservada com o advogado. Tal determinação perderia sentido se o advogado que assistiu o depoimento do corréu pudesse entrevistar-se com seu cliente que ainda não depôs. A lei fala em entrevista prévia, mas não diz se prévia ao interrogatório de cada réu ou aos interrogatórios em geral. A necessidade de se impedir que um acusado presencie o interrogatório de outro é tão premente que levou EDUARDO ESPÍNOLA FILHO17 , em sua clássica obra, a ensinar que: “Entendemos que, a fim de manter-se, com todo rigor, a finalidade dessa separação, o advogado de um dos co-réus, ainda não interrogado, não deve ser admitido a assistir o interrogatório dos outros, pois terá elementos verdadeiramente preciosos para instruí-lo.”

Repare-se que a advertência do provecto professor estaria mais adequada à época em que não se reconhecia a plenitude do direito ao silêncio, muito menos a existência do direito de entrevista pessoal, que serve justamente para possibilitar o réu a instruir o acusado. Nesse passo, o art. 191 do CPP, que trata da inquirição em separado, deveria sofrer uma releitura, no sendo de que sua teleologia seria apenas para evitar que um acusado fosse influenciado pelo depoimento do outro18, não sendo vedado o conhecimento do teor do depoimentos por parte dos demais acusados. Nesse ponto, o caráter de meio de prova, também inerente ao interrogatório, não pode ser negligenciado, sob o argumento de ser o interrogatório meio de defesa. É preciso conciliá-los, preservar a vertente probatória do interrogatório implica reconhecer o caráter histórico que envolve o processo criminal, e a prova judicial destina-se a hercúlea tarefa, de reconstrução de uma realidade já passada no tempo. A fim de preservar a atuação do juiz nesse processo de reconstrução passado, parecenos que é lícito ao legislador erigir meios, tal como a inquirição separada, que em nada prejudica o direito de defesa do acusado. Veja-se que a inquirição separada preserva a igualdade das partes, pois, do contrário, privilegiar-se-ia uma das partes, a que restar a ser ouvida por último, em detrimento daquela ouvida inicialmente, em arrepio à paridade das armas. É prudente que o juiz, antes de iniciar os interrogatórios, advirta aos advogados e acusados que, caso queiram exercer o direito de entrevista, o façam naquele momento, sob pena de preclusão. 

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