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terça-feira, 29 de maio de 2018

STF - Réu Preso - Obrigatoriedade - Comparecimento AIJ

 



STF: obrigatoriedade de comparecimento de réu preso à audiência

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Eudes Quintino de Oliveira Junior, Advogado
há 5 anos
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Recentemente, por meio de seu Informativo nº 695, o STF divulgou seu mais novo posicionamento acerca de um tema tormentoso: o direito do réu preso de comparecer, assistir e acompanhar sua audiência de instrução e julgamento.
Nos autos que foram apreciados pelo STF, constatou-se que o réu, muito embora requisitado pelo juiz de direito que presidiu a audiência, não foi apresentado em juízo para acompanhar o ato em que seriam ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação.
Com a presença e a aquiescência do seu advogado, a audiência teve continuidade e resultou na prolação de sentença condenatória em primeira instância. Após série de recursos, a questão chegou até o Supremo, que prontamente anulou todos os atos do processo, desde a audiência de oitiva da vítima e das testemunhas de acusação.[1]
Sendo assim, a proposta do rasante estudo é discutir alguns pontos sobre essa questão deveras importante, uma vez que se está diante de um dos maiores bens que o ser humano pode possuir: a indisponível liberdade. Com efeito, por se tratar de uma exceção constitucional, a supressão da liberdade deve ser exaustivamente delimitada e, mais que isso, deve sempre ser analisada quando importar em direta influência ao julgamento do acusado.
O processo criminal, como é sabido, é um instrumento do qual se vale o Estado para avaliar uma conduta humana inserida numa pretensão punitiva, extrair todos os elementos volitivos necessários e, finalmente, se ficar demonstrada a transgressão a um tipo penal, conferir uma sanção condenatória, tudo, é claro, obedecendo aos princípios norteadores constitucionais e processuais, com relevo ao do devido processo legal.
Referido princípio, que figura na Declaração Universal dos Direitos do Homem, [2] traduz, em sua própria definição, todos os demais princípios aplicáveis ao processo penal. O due process of law[3], significa a síntese de todas as garantias individuais, legais e processuais conferidas ao cidadão quando diante de uma lide de natureza penal, civil ou administrativa. É o garantidor que todas as regras serão efetivamente aplicadas. Nenhuma pessoa será processada ou julgada sem que tenha sido aplicado o processo previamente estabelecido e ajustado de acordo com as leis.
Trata-se, conforme já salientado, de um direito fundamental, encartado no rol de primeira geração, com nítido interesse público evidenciado e não suporta qualquer restrição, a não ser, em caráter excepcional, que seja aplicada a medida em favor do acusado, diante da ponderação a ser feita para atender as exigências do princípio da proporcionalidade.
Ora, não há que se falar em contraditório pleno, real ou frontal se o réu não tomou conhecimento das versões testemunhais que, efetivamente, carregaram um prejuízo incalculável à sua defesa. A chamada paridade de armas entre as partes litigantes não se faz presente neste arremedo de contraditório. Como o acusado ausente ou seu advogado presente, desprovido de informações relevantes apontadas pela prova oral, irá exercer qualquer tipo de influência sobre o convencimento do julgador?
A audiência de instrução é a oportunidade em que as partes produzirão suas provas orais, assim como rebaterão as apresentadas, tudo conforme os princípios da igualdade, da ampla defesa e do contraditório. Ausente o réu, não por sua omissão, mas sim por desídia do Estado, o ato processual não deve ser realizado, pois não fica assegurado a ele o pleno exercício da defesa, que compreende aqui seu direito público subjetivo.
Ademais, por se tratar de direito indisponível, dele somente poderá dispor quem tenha legitimidade para tanto, por meio de manifestação inequívoca de vontade, expressamente. O defensor não é detentor de tamanha legitimidade. “O consentimento, pondera Queijo, deverá ser manifestado antes ou no momento da realização da produção da prova, jamais posteriormente. Além disso, o consentimento deverá ser expresso, preferencialmente por escrito, não havendo qualquer duvida que o titular do direito tenha consentido. Deverá ainda ser concreto, isto é, manifestado em relação a uma situação específica e não genericamente”.[4]
Quer-se com isso dizer que, ainda que esteja preso, possui o réu direitos e garantias que com ele permanecem intactos e que precisam ser respeitados pelo Estado e por todos que participam da persecutio criminis in juditio. Não por outra razão, possui o réu o direito de acompanhar sua audiência, de estar presente, de tomar conhecimento das versões apresentadas para, em seguida, fornecer elementos de contraprova para seu defensor. Sem falar ainda que o próprio acusado pode exercer sua autodefesa, em razão da interpretação elástica que deve ser extraída da definição do direito de defesa.
O defensor nem sempre tem conhecimento de todas as circunstâncias que envolveram o fato criminoso. Conhece-as pelo relato da peça delatória e pela versão de seu cliente. É justamente na audiência, principalmente quando serão ouvidas vitima e as testemunhas acusatórias, pessoas ligadas direta ou indiretamente aos fatos, que brotarão depoimentos que poderão incriminar o acusado e exigirão sua presença para a resposta imediata. Do contrário, prevalecerá o depoimento não contestado.
Pode-se até dizer que a ausência do réu encarcerado à audiência seja uma vertente do nemo tenetur se detegere, em razão do evidente prejuízo contestatório, correspondendo o silêncio a uma auto-incriminação.
Portanto, o Estado possui a obrigação de providenciar os meios necessários para que possa o réu chegar até sua audiência e, assim, realizar sua defesa.
Vale ressaltar uma importante observação feita pela Ministra Carmen Lúcia: no caso concreto, o advogado do réu estava presente na audiência. Mesmo assim, tal fato impõe a nulidade do ato, porque o direito a comparecer à audiência é personalíssimo do réu.
De fato, outro não poderia ser o entendimento de nossa Suprema Corte. É sabido que o direito à presença encontra-se constitucionalmente protegido (ampla defesa e todos os meios e recursos a ela inerentes). Não bastasse, ainda existem tratados e convenções internacionais que também contém garantias básicas a qualquer pessoa que sofra a persecução penal em juízo, como o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado S/P, mestre em direito público, doutorado e pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp;
Antonelli Antonio Moreira Secanho, Bacharel em Direito pela PUC/Campinas e Pós Graduação “Lato Sensu” em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/São Paulo.
[1]HC 111728/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.2.2013.
[2] A Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, anuncia em seu artigo XI: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.”
[3]Constituição Americana, na Emenda nº XIV, de 1868, traz a seguinte regra:“Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis.”
[4] Queijo, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 321.

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