Consultor Jurídico

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Lacuna legal após alteração dos critérios para a concessão de progressão de regime - ARE 1327963/SP (Tema 1169 da RG) - Reincidente não específico - art. 112, V Lep - 40%

o Plenário, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada (Tema 1169 da RG). No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria (3). Vencido
o ministro Luiz Fux.

 

TESE FIXADA:

 
“Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (art. 5º, XXXIX, CF) (1), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no art. 112 da LEP (2) não autoriza a incidência do percentual de 60% (inc. VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analo-
gia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da
LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem
resultado morte reincidente não específico.

 

Precedentes: RHC 200.879; RHC 196.810 AgR; RHC 198.156 AgR; ARE 1.330.176; HC 202.691; e HC 193.187.

 
ARE 1327963/SP, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento no Plenário Virtual finalizado em 17.9.2021

 

 

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

JÚRI - DESCLASSIFICAÇÃO - DECOTE MOTIVO FÚTIL - NECESSIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA

 Processo: 1.0443.14.000509-3/001

 Relator: Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini

 Relator do Acordão: Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini

 Data do Julgamento: 21/09/2021

 Data da Publicação: 01/10/2021

 EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO - DESCLASSIFICAÇÃO - DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA - NÃO COMPROVAÇÃO INDENE DE DÚVIDA - MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI - DECOTE DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL - NECESSIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. 1. A desclassificação da conduta para Crime de competência do Juiz Singular exige a comprovação, inconteste, sobre a ausência de animus necandi ou da configuração de Desistência Voluntária. 2. A qualificadora do Motivo Fútil deve ser decotada, porquanto manifestamente improcedente (Súmula 64 TJMG), ante a ausência de indícios a demonstrar a motivação de somenos importância. REC EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0443.14.000509-3/001 - COMARCA DE NANUQUE - RECORRENTE(S): ALEXSANDRO DE JESUS SANTOS - RECORRIDO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.


DES. OCTAVIO AUGUSTO DE NIGRIS BOCCALINI (RELATOR)

 V O T O Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Alexsandro de Jesus dos Santos, contra a r. Decisão (fls. 100/102v-TJ) proferida pela MMª Juíza de Direito da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Nanuque, que o Pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, §2º, II e IV c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. 

 Em Razões recursais (fls. 109v/110v-TJ), a Defesa pugna pela Desclassificação do Delito para o Crime de Lesão Corporal, argumentando a ausência de comprovação do animus necandi e a ocorrência de Desistência Voluntária. Em Contrarrazões (fls. 113/119v-TJ), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais pugna pelo desprovimento do Recurso defensivo.

 Em Juízo de Retratação (fl. 139-TJ), a Magistrada Singular manteve inalterada a r. Decisão de Primeiro Grau. Em Parecer (fls. 141/143-TJ), opina a Procuradoria-Geral de Justiça pelo provimento do Recurso defensivo, para Desclassificar o Crime Doloso Contra a Vida. Subsidiariamente, manifesta pelo decote da Qualificadora do Motivo Fútil. Vieram-me os autos conclusos (fl. 144-TJ).

 É o relatório. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conforme art. 581, IV, do Código de Processo Penal, conheço do recurso. Inexistem Preliminares, tampouco Nulidades arguidas pelas partes ou que devam ser declaradas de ofício.


Narra a Denúncia (fls. 02D/v-TJ) que, no dia 17.10.2013, por volta de 13h00min, na Rua Pará, nº 175, Bairro São Geraldo, na Cidade de Nanuque, Alexsandro de Jesus dos Santos (Recorrente), supostamente, com animus necandi, por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da Vítima, desferiu golpe de faca contra o Ofendido C.S.S. (Cláudio), causando-lhe lesões que não foram a causa da morte por circunstâncias alheias à vontade do agente. Confira-se:

 "(...) Segundo apurado, o denunciado recebeu como herança de seu pai um imóvel situado na Rua Pará, nº 173, Bairro São Geraldo, Nanuque/MG. Em razão de ter se mudado para a fazenda onde trabalhava, deixou seu sobrinho, ora vítima, residir no referido imóvel juntamente com sua companheira. 

Ocorre que após sair de seu emprego na zona rural, o denunciado pediu à vítima que desocupasse a casa, em razão de seu retorno à cidade, o que ocasionou atrito entre os dois, posto que a vítima se recusava a desocupar a residência.

 Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas acima, o denunciado se dirigiu à vítima e sua companheira dizendo que entraria no imóvel e os agrediria a fim de que dali saíssem. Mais tarde, por volta das 13h00min, quando a vítima saía de casa para trabalhar, o denunciado voltou a proferir ameaças. 

Percebendo, iminente perigo, a vítima retornou à sua residência para alertar sua companheira e mãe que, caso algo acontecesse, deveriam acionar a Polícia Militar, momento em que foi surpreendido pelo denunciado, que lhe golpeou na cabeça com um facão, não oportunizando qualquer defesa e provocando-lhe as lesões descritas no ACD de fl. 15. Os demais familiares, notando a agressão, socorreram a vítima até o Pronto Socorro Municipal, tendo o denunciado evadido em meio ao tumulto que se formou em razão do ocorrido. (...)" (fls. 02d/v-TJ).

 1) Da Desclassificação para o crime de Lesão Corporal 

 Sustenta a Defesa a ausência de comprovação de que o Recorrente teria agido com animus necandi, consignando que Alexsandro de Jesus Santos teria desistido voluntariamente da prática do Delito de Homicídio, motivo pelo qual aduz a necessidade de desclassificação para o Crime de Lesão Corporal. 

 Sem razão.

 A Decisão de Pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade acusatório, em que o Magistrado Singular aprecia os requisitos para a submissão do Réu ao Júri Popular, em observância à competência conferida pela Constituição Federal (art. 5º, XXXVIII) ao Tribunal Júri, para julgar os crimes dolosos contra a vida. 

 Por não se tratar de juízo condenatório, a Decisão não deve adentrar ao meritum causae, consubstanciando-se somente na existência de um crime doloso contra a vida e na probabilidade razoável de ser o Réu o responsável pela prática do delito, delineando a incidência das qualificadoras e causas de aumento de pena, consoante dispõe o art. 413 do Código de Processo Penal. 

 Assim, sustentando eventual dúvida acerca da participação do agente no delito, ou até mesmo da intenção, deve a tese defensiva ser examinada de forma pormenorizada pelo Tribunal do Júri, haja vista que o juízo meritório final acerca da imputação assiste exclusivamente ao Tribunal Popular, sob pena de usurpação de competência constitucional. 

 Neste sentido, a desclassificação do delito, em sede de Pronúncia, somente é possível quando restar evidenciada, inequivocamente, a ausência de intenção de matar na conduta do agente, porquanto a aferição de existência ou não do animus necandi compete exclusivamente ao Tribunal do Júri. 

 - Da materialidade

 In casu, a materialidade do Crime Doloso Contra Vida é incontroversa e se encontra consubstanciada pelo Boletim de Ocorrência (fls. 09/12-TJ), Exame de Corpo de Delito (fl. 15-TJ) e Relatório (fls. 41/43-TJ). 

A propósito, o Exame de Corpo de Delito (fl. 15-TJ) atestou a presença de "ferida suturada com fio de nylon preto de 8,0 cm localizado em região temporal esquerda" e "ferida saturada com fio de nylon preto de 7,0cm localizado em região retro auricular", concluindo, assim, que houve ofensa à integridade corporal ou a saúde da Vítima C.S.S. (Cláudio), causada por instrumento corto-contundente. 

 - Dos indícios de autoria 

 Quanto aos indícios de autoria, podem ser suficientemente vislumbrados pela prova testemunhal, colhida ao longo da instrução processual.

 Outrossim, o modus operandi da suposta prática delitiva, a princípio, demonstra indícios suficientes acerca da presença de animus necandi na conduta do Recorrente. 

 O Recorrente, à Autoridade Policial (fl. 21/23-TJ), relatou que, após o falecimento do genitor, aproximadamente cinco anos antes dos fatos, o Réu teria herdado o direito de residir em imóvel, localizado na Rua Pará, nº 173, Bairro São Geraldo, na Cidade de Nanuque. 

 Esclareceu que teria residido no local por um tempo, contudo, ao se mudar para trabalhar na Zona Rural do Município, teria emprestado a residência para a Vítima, porquanto o Ofendido teria lhe pedido o imóvel para residir com a companheira, que estava grávida. Consignou que, no início do mês de setembro, teria solicitado a Cláudio para que desocupasse o imóvel, porquanto estava retornando para o perímetro urbano, contudo, a Vítima teria se recusado a sair da residência.

 Em relação ao dia dos fatos, o Réu narrou que se encontrava em via pública, quando escutou o Ofendido afirmar à esposa para acionar a Polícia, "se algo acontecesse". Alegou ter se dirigido ao imóvel onde a Vítima residia, ocasião em que teria assegurado a Cláudio a desnecessidade de acionar a Polícia, consignando que desejava apenas que a Vítima desocupasse o imóvel que pertencia ao Recorrente. 

 Relatou que, neste momento, o Ofendido teria desferido dois golpes de vassoura contra as costas do Réu, sendo que, na tentativa de se defender, Alexsandro teria levantado o facão que trazia consigo, ocasião em que o objeto teria atingido Cláudio. Alegou que não tinha a intenção de machucar o Ofendido, afirmando que não conseguiu evitar a lesão causada à Vítima. Veja-se: 

Alexsandro de Jesus Santos (Recorrente) - IP 


"(...) que sempre trabalhou em fazenda, e há aproximadamente três meses, retornou para a cidade; que quando morava na cidade, residia na casa a qual Claudio mora; que na casa morava o declarante, o pai e a mãe do mesmo; que antes do pai do declarante falecer, o declarante arrumou uma esposa, e ficou morando com os seus pais na mesma casa; que algum tempo depois se mudou para uma casinha perto da casa de seu pai; que quando o pai do declarante faleceu, há aproximadamente 05 anos, deixou a casa para o declarante, até que ele conseguisse adquirir sua própria casa; que ficou morando na casa deixada por seu pai; que quando arranjou um emprego em uma fazenda no corrente ano, fechou a casa e foi trabalhar na Fazenda Boa Vista, Município de Posto da Mata/BA; que Claudio havia engravidado uma moça, e já que a casa estava fechada, pediu ao declarante para morar nela; que o declarante permitiu que Claudio morasse na casa; que o declarante também emprestou alguns de seus móveis para Cláudio; que no início do mês de setembro, precisamente dia 01/09 do corrente ano, o declarante veio acidade fazer feira e encontrou Claudio; que o declarante pediu a Claudio que desocupasse a casa, pois havia pedido as contas e já estaria vindo embora de volta para a cidade; que Claudio respondeu que ninguém o tiraria da casa; (...) que o declarante disse que nunca ameaçou Claudio de morte; que somente queria a casa em que morava de volta; (...) que no dia 17/10/2013, o declarante havia acabado de almoçar, e estava sentado em um carrinho de mão, pois iria cortar capim para os carneiros que cria; que ao passar na rua, Claudio falou em alto e bom som para sua esposa, que se algo acontecesse, pudesse chamar a Polícia; que o declarante passou em frente aos fundos da casa de Claudio e falou para o mesmo que não precisaria chamar a Polícia, pois somente queria que ele desocupasse a sua casa; que ao passar, o declarante foi repreendido com uma vassourada em suas costas, desferidas por Claudio; que o declarante tentou se esquivar, mas Claudio novamente deu outra vassourada no declarante; que o declarante estava com um facão na mão, pois iria cortar capim para os animais, na tentativa de se defender, levantou o facão de uma vez, para conter a vassoura, para não bater em seu corpo; que Claudio entrou na frente e foi atingido pelo facão; que não teve como evitar a lesão; que não tinha a intenção de machucar Claudio; que desde que o declarante pediu a casa, Claudio vem o ameaçando e humilhando o declarante, dizendo a ele que tem dinheiro e trabalho de carteira assinada, e o declarante não; que dizia também que o declarante não tinha mais o direito de morar na casa, dizia que iria matar o declarante; (...)" (fl. 22-TJ) - Negritei.


Sob o crivo do contraditório (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), Alexsandro de Jesus Santos, ora Recorrente, relatou que teria fornecido à Vítima imóvel que lhe pertencia, para que o Ofendido residisse com a companheira, contudo, ao necessitar do imóvel, Cláudio teria se recusado a desocupá-lo.


Afirmou que, no dia dos fatos, estava jogando Dominó, quando a Vítima, em via pública, teria o chamado de "macaco", afirmando "que qualquer coisa que você fizer com a minha mulher, o que está lá em casa te espera, vai lá em casa para você ver". Narrou que, em seguida, teria se dirigido à residência da Vítima, sendo que, no local, Cláudio teria desferido dois golpes de vassoura contra o Recorrente. Por derradeiro, confirmou ter efetuado golpe de facão contra a Vítima, consignando que "não matou porque seu coração sentiu, pois era seu sobrinho". 

A saber: Alexsandro de Jesus Santos (Recorrente) - Em Juízo 


"(...) que os fatos aconteceram; que se quisesse matar a vítima, poderia; que se arrependeu; que forneceu a casa para a vítima morar; que estava com facão pequeno de 15 polegadas; que estava cortando o capim para carneiros; que não era um facão de cana; que não estava bêbado; que não bebe; que pediu para um amigo avisar para a vítima desocupar a casa; que o amigo teria lhe falado que a vítima falou que a casa estava desocupada; que veio com caminhão para mudar; que, quando chegou, a mulher da vítima falou que não ia desocupar; que estava sentado, jogando dominó; que a vítima passou na rua e lhe chamou de "macaco", afirmando "que qualquer coisa que você fizer com a minha mulher, o que está lá em casa te espera, vai lá em casa para você ver"; que foi para casa da vítima com o facão e saco nas costas, porque estava indo cortar capim; que quando foi na casa da vítima, cláudio lhe deu duas vassouradas; que fez o laudo médico, por causa das marcas das vassouradas; que a vítima quebrou a vassoura nas suas costas; que, depois de atingir a vítima, Cláudio lhe deu "duas porretadas"; que cláudio não caiu na hora; que poderia ter matado a vítima; que não matou porque seu coração sentiu, pois era seu sobrinho; que estava com o sangue quente; que na hora que atingiu ele só estava ele e a vítima; que a mãe da vítima não estava no momento; que a vítima falou que o acusado iria "lhe pagar", afirmando que ia vender a égua que o acusado teria lhe dado; que trabalha na fazenda; que depois de dar o golpe foi embora; que sua irmã o levou na delegacia; que o delegado lhe falou para ir pra sua casa; que lhe falaram que a vítima adquiriu arma de fogo para matar o acusado; que está arrependido; (...)" (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ) - Negritei


A Vítima C.S.S. (Cláudio), na fase Policial (fl. 13/14-TJ), relatou que o Recorrente, meses antes dos fatos, teria passado a ameaçar o Ofendido, sendo que, no dia do ocorrido, enquanto a Vítima se dirigia ao local de trabalho, o Réu teria afirmado que "iria entrar na casa" do Ofendido e "pegar a sua esposa e também agredi-la". 

 Assim, em razão das alegadas ameaças, o Ofendido teria retornado à residência, para avisar a esposa e a genitora, a fim de que acionassem a Polícia, caso necessário. Todavia, neste momento, a Vítima teria sido surpreendida pelo Recorrente, o qual estava na posse de facão, e desferiu golpe contra o Ofendido. Afirmou que não teria conseguido se defender, aduzindo que "ao desferir o golpe de facão no declarante e ver o sangue escorrendo pelo rosto do declarante, Alexsandro parou e não tentou golpeá-lo novamente". 

 Esclareceu a Vítima que foi socorrida e encaminhada ao hospital, informando que acreditava que a motivação do Delito seria porque o Recorrente é "valentão e acha que todo mundo tem que ter medo dele". 

 Em Juízo (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), a Vítima C.S.S. (Cláudio) esclareceu a existência de desavença prévia entre o Ofendido e o Recorrente, relacionada ao imóvel em que Cláudio residia, visto que o Réu afirmava que a residência lhe pertencia. 

 Cláudio consignou que, no dia dos fatos, por volta de 12h00min, teria retornado ao imóvel onde residia, para buscar objeto, sendo que, enquanto adentrava a cozinha da residência, teria chamado pela genitora, e, de forma concomitante, o Réu teria surpreendido a Vítima, com golpe de facão.

 Relatou que, no mesmo momento em que teria sido golpeado, Cláudia de Jesus Santos, genitora do Ofendido, teria adentrado o cômodo, motivo pelo qual teria presenciado a suposta prática delitiva, sendo que, após o golpe, a Informante teria fechado a porta do imóvel, oportunidade em que o Recorrente evadiu. Veja-se:

"(...) que tinha uma casa; que o réu falava que a casa era dele; que nenhum dos outros parentes falaram que a casa era do réu; que ele morava nessa casa; que se o réu tivesse lhe pedido, na época, para desocupar a casa, teria desocupado; que a casa não era sua, mas também não era do acusado; que não ia ficar com algo que não era seu; que hoje está construindo sua casa; que sempre trabalhou; que sua esposa estava grávida na época; que tinha 18 ou 19 anos na época; que o réu não estava trabalhando, na época; que o réu estava na porta da casa de sua mãe; que estava indo trabalhar e voltou para buscar uma sacola; que sua mãe já tinha lhe falado que Alexsandro tinha mencionado a questão da casa; que falou com sua mãe que iria conversar com o acusado para resolver o problema; que, quando entrou na porta da cozinha, só sentiu a batida do facão na cabeça; que foi por volta de 12h00min; que, na hora, ficou tonto; que sua mãe estava chegando na cozinha; que gritou sua mãe; que no movimento sua mãe tentou fechar a porta, para o acusado não vir pra cima da vítima; que foi só um golpe e já caiu tonto, para o lado; que sua esposa viu e gritou também; que foi hospitalizado; que um vizinho prestou socorro; que depois disso Alexsandro não tentou desferir outro golpe; que depois do golpe, na hora que sua mãe chegou, ela tentou fechar a porta, para o acusado não entrar de novo; que ele ficou do lado de fora, correu e sumiu; que só viu o acusado de novo na delegacia; que Alexsandro não tinha lhe ameaçado antes; que ficou em observação por um dia; que levou pontos; que sente muita dor de cabeça e seu ouvido inflama com facilidade; que o facão cortou a orelha; que o acusado poderia ter desferido outro golpe contra a vítima, caso quisesse; que foi muito rápido, porque chegou em casa, já gritando sua mãe e, enquanto a mãe vinha em sua direção, sentiu o golpe na cabeça; que sua mãe viu o golpe; que, assim que a vítima caiu, sua mãe correu e fechou a porta para o acusado não entrar; (...)" (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ) - Negritei.

 O Policial Militar Giliard Meireles, à Autoridade Judicial (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), informou não se recordar da ocorrência e dos fatos em questão. 

 Já o Policial Militar Antônio Valeriano, em Juízo (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), relatou que teria se dirigido à residência onde teriam ocorrido os fatos, oportunidade em que a mãe da Vítima teria lhe relatado que, após discussão, o Recorrente, que se encontrava sob o efeito de bebidas alcoólicas, teria desferido golpe de facão contra a Vítima. Esclareceu, ainda, que o Réu não foi localizado no momento da ocorrência. A Informante Cláudia de Jesus Santos, à Autoridade Policial (fl. 16/17-TJ), afirmou ser genitora da Vítima e irmã do Recorrente, relatando que, no dia dos fatos, enquanto o Ofendido se dirigia ao local de trabalho, o Réu teria proferido ameaças de causar mal à Informante e à companheira da Vítima, J.H.S.S (Jaqueline). 

Assim, o Ofendido teria retornado à residência, para avisar Cláudia e Jaqueline, momento em que o Recorrente teria se aproximado, surpreendendo a Vítima com golpe na cabeça. Veja-se: 

Cláudia de Jesus Santos (Informante) - IP

 "(...) que a depoente é genitora de C.S.S. e irmã de Alessandro de Jesus Santos; que a depoente e seu filho Claudio moram no mesmo terreno, em casas diferentes, sendo Claudio morando na casa da frente; que Alessandro mora na casa vizinha a da depoente; que já faz algum tempo que Alessandro vem perturbando Claudio, fazendo ameaças de morte a Claudio; que no dia dos fatos, Claudio saiu para trabalhar e encontrou Alessandro no caminho, que o ameaçou, dizendo que iria pegar a depoente e a esposa de Claudio; Claudio com medo retornou para casa para avisar a depoente, que se Alessandro aparecesse, por ali, era para acionar a Polícia; que Alessandro apareceu do nada e indagou com Claudio o porque ele iria chamar a policia; que antes mesmo de Claudio responder, foi surpreendido com um golpe de facão na região da cabeça; que a depoente socorreu Claudio até ao HPS, e ao retornar para casa, não encontrou mais Alessandro; (...) que não é a primeira vez que Alessandro vai a casa da depoente de posse de um facão para tentar matar o seu filho Claudio; que a depoente não presenciou a agressão, pois estava na sala de sua casa e o fato aconteceu na cozinha; (...)" (fls. 16/17-TJ) - Negritei.

 À Autoridade Judicial (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), a Informante Cláudia de Jesus Santos relatou que teria ocorrido discussão entre o Réu e a Vítima, em via pública, e, em seguida, o Ofendido teria se dirigido à residência, momento em que o Recorrente teria seguido Cláudio, na posse de facão. Consignou que, no momento em que o Recorrente teria desferido o golpe, Cláudia teria empurrado geladeira contra o Réu, ocasião em que o facão atingiu a orelha de Cláudio. Afirmou que o Ofendido teria desmaiado, em razão do golpe, sendo socorrido, enquanto o Recorrente teria evadido do local. 

 A Testemunha J.H.S.S. (Jaqueline), companheira da Vítima, à época dos fatos, narrou, à Autoridade Policial (fls. 18/19-TJ), que, no dia do ocorrido, o Ofendido teria saído para trabalhar, sendo que, logo após, Cláudio teria retornado à residência, afirmando que teria encontrado com o Recorrente, o qual afirmou que "iria fazer algo" com J.H.S.S. 

 Relatou que, neste momento, o Réu teria adentrado a residência, exaltado e na posse de facão, se dirigindo ao imóvel da genitora da Vítima, que morava na residência dos fundos. Afirmou que o Recorrente teria localizado o Ofendido, na residência da genitora, ocasião em que Alexsandro teria desferido golpe de facão contra a cabeça de Cláudio. 

 J.H.S.S. informou ter presenciado a suposta prática delitiva, afirmando que o Recorrente teria desferido golpe de facão, enquanto a Vítima se encontrava de costas. 

Esclareceu, por derradeiro, que Cláudio foi socorrido e encaminhado ao hospital. As Testemunhas Terezinha Teixeira dos Santos, mãe do Recorrente, e Natali Brandão de Oliveira, companheira do Réu à época dos fatos, na fase Policial (fls. 25/26 e 28-TJ), narraram que a Vítima teria ameaçado o Recorrente, afirmando que Cláudio teria contratado terceiro para ceifar a vida de Alexsandro.

 Ademais, relatou Natali Brandão de Oliveira que, no dia do ocorrido, o Réu se encontrava jogando Dominó, preparando-se para trabalhar, quando o Ofendido teria provocado o Recorrente, em meio à via pública. 

Narrou que, em seguida, a Vítima teria seguido o Recorrente e agredido Alexsandro com cabo de vassoura, sendo que, no momento em que Cláudio iria desferir segundo golpe, o Réu teria se virado, na posse de facão, para impedir a agressão, contudo, a faca teria atingido a orelha da Vítima. Assim, considerando as provas orais e documentais analisadas, em Juízo de admissibilidade acusatório, não é possível concluir, de forma inconteste, a intenção do Recorrente, haja vista a existência de versões divergentes sobre os fatos. 

 Por outro lado, no que tange à Desistência Voluntária, prevê o art. 15 do Código Penal que o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução do Delito, deve responder somente pelos atos já praticados, afastando-se, assim, a imputação da Tentativa e, consequentemente, a competência constitucional do Tribunal do Júri, a qual se cinge aos Crimes Dolosos contra a vida. Conforme leciona Damásio de Jesus, a Desistência Voluntária consiste em abstenção de atividade, em que o agente cessa a prática delitiva, motivo pelo qual, essa "só ocorre antes de o agente esgotar o processo executivo, sendo somente cabível na tentativa imperfeita ou inacabada" (in: JESUS, Damásio de. Código Penal anotado - 23 ed. atualizada de acordo com a Lei n; 13.142/2015 - São Paulo: Saraiva, 2015, fl. 81). 

 Dessa forma, para configuração da Desistência Voluntária exige-se o início da execução, a não consumação do Delito e a interferência da vontade do próprio agente. In casu, não restou comprovado que os atos executórios tenham sido abandonados voluntariamente pelo Recorrente, sem qualquer interferência externa e objetiva, mormente porque há notícias de que a consumação do Delito teria sido impedida pela genitora da Vítima. 

 Portanto, por não haver demonstração inequívoca da Desistência Voluntária na conduta do Réu, inviável é a pretensão de Desclassificação para Crime diverso daqueles Dolosos contra a vida, na fase de Pronúncia.

 Assim, subsistindo eventual dúvida acerca da intenção do Agente, e, ainda, da configuração da Desistência Voluntária, as teses defensivas devem ser examinadas pelo Tribunal do Júri, haja vista que o Juízo meritório, nos Crimes Dolosos Contra a Vida, assiste exclusivamente ao Conselho de Sentença, sob pena de usurpação da Competência Constitucional. 

 Destarte, afasta-se o pleito de desclassificação da conduta, devendo o Processo Criminal prosseguir, até a devida valoração das provas pelo Tribunal do Júri, que irá dirimir as questões. 

2) Da Qualificadora do Motivo Fútil (art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal). A Procuradoria-Geral de Justiça, em Parecer (fls. 141/143-TJ), manifestou pelo decote da Qualificadora do Motivo Fútil (art. 121, §2º, II, do Código Penal). Com razão.

Destaca-se que as Qualificadoras dos Crimes Dolosos contra a Vida só devem ser afastadas da apreciação do Conselho de Sentença quando manifestamente improcedentes e dissociadas do conjunto probatório coligido, sob pena de usurpação de competência. 

 O Motivo Fútil (art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal), conforme destaca Damásio de Jesus, "é o insignificante, apresentando desproporção entre o crime e sua causa moral" (in: in: JESUS, Damásio de. Código Penal anotado - 23 ed. atualizada de acordo com a Lei n; 13.142/2015 - São Paulo: Saraiva, 2015, fl. 493). 

 In casu, verifica-se que o Réu teria desferido golpe de facão em desfavor da Vítima, em contexto de desavença familiar, porquanto o Recorrente teria emprestado imóvel para o Ofendido residir, contudo, ao solicitar a residência, Cláudio teria se negado a desocupar o imóvel, permanecendo no local.

 Ressai que o Recorrente, em ambas as fases da persecução penal (fls. 21/23-TJ e Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), afirmou que o genitor, ao falecer, teria deixado a Alexsandro imóvel, localizado na Cidade de Nanuque. Relatou que, ao se mudar para a zona rural, o Ofendido teria solicitado ao Réu para que residisse no imóvel com a companheira, ocasião em que o Recorrente atendeu ao pedido.

 Contudo, ao retornar para a Cidade de Nanuque, o Réu teria informado à Vítima que necessitava da residência para moradia, motivo pelo qual teria pedido a Cláudio que desocupasse o imóvel, o que foi negado pelo Ofendido. 

 A Vítima C.S.S., em Juízo (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), afirmou que os fatos em questão estavam relacionados à discussão sobre o imóvel, todavia afirmou não ter conhecimento de que a residência pertencia ao tio Alexsandro de Jesus Santos, ora Recorrente. 

 A genitora do Recorrente Terezinha Teixeira dos Santos e a irmã do Réu Patrícia de Jesus Santos, à Autoridade Policial (fls. 25/26 e 29/30-TJ), afirmaram que o Réu teria emprestado o imóvel que lhe pertencia para o Ofendido, contudo, ao retornar para o perímetro urbano, Cláudio teria se recusado a desocupar a residência. Consignaram, ainda, que a Vítima, em razão da discussão relacionada ao imóvel, teria ameaçado o Recorrente.

 Assim, verifica-se que a motivação do Delito seria a desavença prévia em relação à ocupação do imóvel, em tese, pertencente ao Recorrente, em que o Ofendido residia, o que, considerando-se as circunstâncias fáticas e contexto da prática delitiva, afasta a suposta insignificância e desproporcionalidade da conduta do agente. 

 Isso porque o motivo do Delito, conforme se depreende do conjunto probatório, não seria banal e insignificante, de forma a evidenciar maior reprovabilidade da conduta, a fim de justificar a incidência da qualificadora do Motivo Fútil.

 Dessa forma, apontando as provas (orais e documentais) para a manifesta inocorrência do Motivo Fútil, deve a Qualificadora (art. 121, §2º, II, do Código Penal) ser decotada, porquanto manifestamente improcedente, conforme dispõe a Súmula 64 deste Tribunal de Justiça (Precedentes: TJMG, Recurso em Sentido Estrito 1.0278.17.006139- 6/001, Relatora: Des.(a) Maria Luíza de Marilac, 3ª Câmara Criminal, julgado em 02.02.2021).

 Por tais fundamentos, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito, para afastar a Qualificadora prevista no art. 121, §2º, II, do CP, mantendo a pronúncia de Alexsandro de Jesus Santos como incurso nas sanções do art. 121, §2º, IV c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. É como voto. DES. FRANKLIN HIGINO - 

De acordo com o(a) Relator(a). 

DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL - De acordo com o(a) Relator(a).















quarta-feira, 2 de junho de 2021

CONTINUIDADE DELITIVA - VÍTIMAS DIVERSAS - RECONHECIMENTO - ADEEQUAÇÃO DA PENA - REDUÇÃO

 Um cliente nosso condenado a mais de 50 anos por estupro de vunerável, teve sua
pena aplicada em concurso material.

Em recurso arrazoamos que havia conexão
entre os delitos. Em grau de recurso foi reconhecida a continuidade delitiva
minorando a pena para 13 anos e 4 meses.

Apelação Criminal N° 1.0443.18.001503-6/001

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL — RECORRER EM LIBERDADE — VIA
INADEQUADA — PRISÃO DOMICILIAR — NÃO CABIMENTO — ESTUPRO DE VULNERÁVEL — PALAVRAS DAS VÍTIMAS — RELEVÂNCIA PROBATÓRIA— MENOR DE 14 ANOS — CONSENTIMENTO OU POSSÍVEL VIDA SEXUAL ATIVA DAS VÍTIMAS — IRRELEVÂNCIA — PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA ABSOLUTA — CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA — POSSIBILIDADE. - A apelação não é a via adequada para se requerer o direito de recorrer em liberdade. - A prisão domiciliar só é cabível nas hipóteses do art. 318 do CPP e, não comprovada a vulnerabilidade da saúde física ou mental do acusado, é impossível substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar. - Nos crimes contra a dignidade sexual, as palavras firmes e coerentes das vitimas são de suma importância para a comprovação da autoria delitiva, impondo-se a manutenção da condenação quando em consonância com as demais provas dos autos. - O consentimento ou a possível vida sexual ativa da vitima menor de 14 (quatorze) anos não torna atípica a conduta do réu, eis que a violência é presumida. A figura da violência presumida foi criada pelo legislador a fim de proteger a vitima que não possui capacidade de discernimento para oferecer resistência ao
ato sexual e encontra respaldo na própria Constituição Federal, que, em seu artigo 227, § 40, protege a criança e o adolescente contra o abuso, a violência e a exploração sexual. - É cabível o reconhecimento da continuidade delitiva específica prevista no artigo 71, parágrafo único, do Código Penal, quando os delitos dolosos forem cometidos nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, em  detrimento do concurso material, reconhecido na sentença.

(...)

No caso em tela, embora as circunstâncias judiciais tenham sido avaliadas totalmente favoráveis ao réu, verifico que pela quantidade de crimes cometidos pelo menos 7 delitos, entendo justa e proporcional a fração máxima de 2/3 (dois terços).

Assim, sendo as penas fixadas no mínimo legal pelo d. Juiz Monocrático, ou seja, 8 (oito) anos de reclusão, majoro-a em 2/3, e concretizo-a em 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
Mantenho o regime fechado para o início do cumprimento da pena, em face do quantum da reprimenda imposta.

terça-feira, 23 de março de 2021

ABSOLVIÇÃO - AUSÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA - DROGAS ENCONTRADA EM LOCAL DE ACESSO PÚBLICO

 

Autos Nº: 0009274-82.2020.8.13.0443

 Autor: Ministério Público

Réu: Samuel Ferreira de Oliveira

Incidência Penal: Art. 33 ‘caput’, da Lei 11.343/2006

 

SENTENÇA

1. Relatório

Infere-se dos autos que o Ministério Público Estadual apresentou denúncia contra Samuel Ferreira de Oliveira em razão de suposto crime capitulado no artigo 33 ‘caput’, da Lei 11.343/2006. A denúncia foi recebida no dia 19 de novembro de 2020. Na sequência, verifica-se que o processo transcorreu regularmente, tendo o acusado sido citado e apresentado a sua resposta preliminar à acusação.

O feito foi instruído e, na sequência, as partes apresentaram as suas alegações finais em memoriais escritos. Em síntese, é o relatório. Fundamento e sentencio.

2. Fundamentação

Como aponta a prefacial acusatória, no dia 31/08/2018, por volta das 17h48, após receber denúncia anônima, a Polícia Militar, autorizada pelo Sr. Marcos José Antunes Oliveira, proprietário e morador da residência localizada na Av. Geraldo Romano, n. 1.179 do Bairro Stella Matutina, nesta cidade, realizou buscas em sua residência a fim de dar cumprimento a mandado de prisão preventiva expedido contra o acusado Samuel Ferreira de Oliveira.

Durante as diligências, o acusado foi encontrado em um quarto, debaixo da cama. Em um cômodo anexo à casa, foram localizados um moleton e um capacete, dentro do qual os militares acharam 52 (cinquenta e dois) invólucros contendo substância esverdeada, cujo laudo toxicológico preliminar (fl. 14) apontou se tratar de ‘maconha’.

Pois bem. Sem preliminares arguidas, também não infiro irregularidades ou vícios que ensejem a nulidade processual, razão pela qual passo ao conhecimento e enfrentamento do mérito acusatório. Cuida-se de ação penal que imputa ao acusado Samuel Ferreira de Oliveira a conduta de tráfico de drogas, classificada pelo órgão ministerial nos termos do artigo 33, ‘caput’, da Lei 11.343/2006. A materialidade da conduta em tela resta comprovada pelo auto de apreensão à fl. 12 e pelos laudos referentes aos exames toxicológicos acostados às fls. 14 e fls. 33-34. Quanto à autoria, no entanto, os autos não demonstram a mesma convicção. Explico.

 Observa-se que as drogas foram encontradas em um cômodo anexo à casa da testemunha Marcos José, utilizado para depósito dos materiais e instrumentos do seu trabalho como pedreiro. Consoante os seus depoimentos em ambas as fases da persecução penal, a indigitada testemunha afirmou que o referido ambiente é externo à sua casa e não tem cadeado, permanecendo constantemente aberto, o que conduz à lógica conclusão de que o mesmo permanece sem qualquer vigilância ou sistema de segurança a evitar o seu acesso por terceiros. Firme em semelhante premissa, não cabe acolhimento a simplória afirmação de que as drogas localizadas no mencionado cômodo eram de propriedade do acusado, na medida em que o seu acesso era possível a qualquer transeunte.

 Logo, afirmar que a droga pertencia ao acusado, apenas considerando que o cômodo lhe era de livre acesso, como o fez o Ministério Público à fl. 106, revela apenas a rotulação do réu como pessoa marginalizada, premissa sobre a qual se busca a sua condenação.

Veja-se, ainda nesse sentido, que o Ministério Público afirma em suas derradeiras fundamentações (p. 106) que o acusado é “foragido, bem como conhecido no meio policial por envolvimento com o tráfico de drogas”, todavia, sem juntar aos autos sequer uma ocorrência policial nesses termos, a fim de sustentar tais afirmações. Ainda, há que se destacar que a droga foi encontrada dentro de um capacete, embora não haja a mínima informação de que o acusado possui ou se utiliza de alguma motocicleta, ou mesmo se a testemunha Marcos José tinha alguma motocicleta em sua residência.

Percebe-se que semelhante constatação reforça as seguintes convicções: a) o entorpecente em tela pode ter sido guardado no referido ambiente por qualquer pessoa; b) a afirmação da testemunha Marcos José no sentido de apontar a propriedade da droga ao acusado não encontra nenhuma sustentação nas provas colacionadas aos autos; c) o apontamento do moleton localizado no referido ambiente, com a intenção de vincular o acusado a outro crime, notabiliza ainda mais o propósito de etiquetamento da criminalidade ao réu, sobretudo por não haver vinculação alguma com o fato em tela.

Diante do que se infere, não tendo o Ministério Público se desincumbido do seu mister probatório, conforme os termos que lhe impõe o artigo 156 do Código de Processo Penal, de forma suficiente a afastar o estado de inocência assegurado constitucionalmente ao réu e a todos, não cabe o acolhimento da sua pretensão condenatória sem amparo em provas robustas e inequívocas, firmadas apenas nas declarações dos policiais militares que, não obstante dignas, não servem, celibatariamente, à condenação penal.

3. Dispositivo

Diante de todo o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo Ministério Público na denúncia e, assim, ABSOLVO o acusado Samuel Ferreira de Oliveira pelo crime de Tráfico de Drogas, haja vista que, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de Ritos Penais, não há prova suficiente de ter realizado o crime que lhe é imputado. Assim, determino que se expeça o ALVARÁ DE SOLTURA para imediato cumprimento, DESDE QUE NÃO HAJA OUTRA ORDEM JUDICIAL PARA MANTÊ-LO CUSTODIADO. É como decido. Intimem-se.

CUMPRA-SE.

Nanuque-MG, 19 de março de 2021.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

TRÁFICO DE ENTORPECENTES - AUTORIA DUVIDOSA - ABSOLVIÇÃO

 Processo: 1.0443.17.002146-5/001

 Relator: Des.(a) Corrêa Camargo 

Relator do Acordão: Des.(a) Corrêa Camargo 

Data do Julgamento: 21/10/0020 Data da Publicação: 27/10/2020 

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - AUTORIA DUVIDOSA -- VERSÃO ACUSATÓRIA NÃO CORROBORADA PELOS ELEMENTOS DE PROVA PRODUZIDOS NOS AUTOS - ABSOLVIÇÃO - RECURSO PROVIDO. - Não passando de mera suspeita a imputação do crime à acusada, não tendo o Ministério Público se desincumbido de provar a sua autoria em relação à empreitada delituosa, a absolvição é medida de rigor. - Recurso provido. 

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0443.17.002146-5/001 - COMARCA DE NANUQUE - APELANTE(S): VALDELICE LACERDA DA SILVA - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO. DES. CORRÊA CAMARGO RELATOR. DES. CORRÊA CAMARGO (RELATOR) 

V O T O Trata-se de apelação criminal, interposta por Valdenice Lacerda da Silva, já que irresignada com a r. sentença de ff. 120-125, que julgou procedente a pretensão exordial e o condenou como incurso nas sanções do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, às penas de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, estes na razão de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. A apelante, em suas razões recursais, ofertadas às ff. 134-136, pleiteou a absolvição, ao argumento de que não comprovada a autoria delitiva. O apelado, por seu turno, apresentou contrarrazões às ff. 138-149, rebatendo as teses apresentadas e requerendo o não provimento do recurso aviado. Instada a se manifestar, a Procuradoria de Justiça opinou, às ff. 154-157, pelo não provimento do apelo. É o relatório, Passa-se à decisão: O recurso é próprio e tempestivo, motivo pelo qual dele conheço. Para contextualizar, eis os fatos narrados na exordial acusatória: "(...) no dia 14 de maio de 2017, por volta das 23h25min, na Praça Carlos Chagas, altura do n°. 09, centro, nesta cidade, VALDELICE LACERDA DA SILVA, de forma livre e consciente, tinha em depósito drogas. para a venda, mais precisamente, 11 (onze) porções da droga identificada como cocaína, pesando aproximadamente 10,3g, tudo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Segundo o apurado, a Policia Militar vinha recebendo denúncias anônimas que apontavam a denunciada como envolvida no tráfico e que, inclusive, utilizava-se do Trailer Altas Horas onde trabalhava para desempenhar sua atividade ilícita, oportunidade em que foram informados que as drogas estariam sendo acondicionadas no jardim externo do Hotel Petrus. Diante de tais informações, os policiais militares montaram uma campana em ponto estratégico e flagraram o exato momento em que a denunciada Valdelice deslocou-se até o jardim do Hotel Petrus e deixou algo aos pés de um coqueiro, retornando, em seguida, ao trailer. 

Na sequência, os policiais integrantes da guarnição foram até o local e lograram localizar e apreender a droga ali deixada pela denunciada, constatando-se a ocorrência do tráfico, o que resultou em sua prisão.

 Frise-se que os trabalhos investigativos da Polícia Civil também constataram a ocorrência do tráfico de drogas levado a efeito pela denunciada em conluio com terceiras pessoas, sendo certo que a ação aqui narrada visava evitar o estado de flagrância em caso de busca no seu ponto comercial. 

(...)" É o que, nos termos já relatados, ensejou a condenação e, por desdobramento, a interposição do presente inconformismo. Pois bem. A materialidade delitiva do crime de tráfico de drogas restou demonstrada nos autos pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito de ff. 02-09, pelo Boletim de Ocorrência de ff. 12-15, pelo Exames Preliminares de Constatação de Drogas de f. 18, pelo auto de apreensão de f. 21, pelo Laudo Químico-toxicológico definitivo de f. 106 e pela prova testemunhal produzida. Já para alinhavar a autoria, destaca-se: 

 A ré, Valdelice Lacerda da Silva, quando ouvida na fase policial (f. 08), negou os fatos narrados na denúncia, ao afirmar: 

"(...) Acerca dos fatos narrados no Reds. n°.2017-010088717-001, a declarante tem a dizer o seguinte: Que a declarante é proprietária do trailer denominado Altas Horas. localizado na Praça Carlos Chagas: Que na data de ontem a declarante estava no trailer com suas duas filhas: Que por volta das 22h00min. se dirigiu até o bar de PAULINHO, na Avenida Belo Horizonte. para ver ser tinha cerveja para vender; Que ao perceber que o bar estava fechado. voltou para o trailer: Que a declarante percebeu a presença da viatura próximo ao trailer: Que os três policiais desceram da viatura, então a declarante perguntou se era alguma coisa, tendo eles respondido que não: Que os policias começaram a vasculhar o local e atravessaram a rua e a declarante ficou sentada no trailer: Que após a varredura dois dos policiais seguiram a pé em direção a Avenida Belo Horizonte: Que após fazerem varredura no jardim do Hotel Petrus, retornaram e deram voz de prisão á declarante. alegando que tinha achado droga no jardim e que a droga pertencia a declarante; Que os policiais disseram que haviam recebido várias denuncias de que a declarante e seu esposo Tarcísio estavam vendendo drogas no trailer: Que os policiais perguntaram a declarante se tinha drogas no interior do Trailer. tendo esta respondido que não; Que os policiais deram busca no trailer, mas nada de ilícito foi encontrado; Que a declarante afirma que para chegar até o trailer, passou no jardim em frente av. Hotel Petrus, onde foi localizada a droga, mas esclarece que não foi ela quem deixou a droga no pé de coqueiro; Que não percebeu se alguém chegou naquele local e deixou algo; (...)"

Em seu interrogatório, em mídia anexa, à f. 100, a acusada voltou a negar qualquer envolvimento com a prática delitiva. Na oportunidade, alegou que a prática do crime lhe está sendo imputada em virtude de seu marido já ser conhecido no meio policial como contumaz em delitos afetos ao tráfico de drogas. Narrou que no momento dos fatos ela estava retornando de um bar, onde havia ido adquirir algumas cervejas, e que acreditou que a abordagem policial fosse em virtude de seu trailer não ter alvará de funcionamento, o que, segundo ela, ocasiona frequentes abordagens de agentes públicos. Alegou, ainda, que os policiais militares não apreenderam as drogas em sua propriedade e, embora houvesse outras pessoas no local, não chamaram ninguém para acompanhar as buscas que culminaram na apreensão dos entorpecentes. A testemunha Amanda dos Santos Adriano, afirmou que frequenta o trailer da acusada há 02 (dois) anos e não tem ciência de seu envolvimento com o tráfico de drogas. Alegou, ainda, que estava no local no dia dos fatos e não viu as drogas arrecadas pelos militares, eis que eles não as exibiram para nenhum dos presentes (mídia anexa à f. 100). A testemunha Jedson Pinheiro de Jesus, afirmou que frequenta o trailer da acusada há 05 (cinco) anos e estava presente no dia dos fatos. Alegou que quando chegou no local os policiais já estavam lá, não presenciando o momento em que os entorpecentes foram arrecadados. Ressaltou que nunca presenciou outra abordagem policial no local, e não sabe dizer se a acusada se utilizava de seu trailer para comercializar drogas (mídia anexa à f. 100). A testemunha Eliana Maria de Jesus Santos, por sua vez, afirmou que não presenciou os fatos narrados na denúncia, se limitando a fazer considerações acerca da vida pregressa da acusada. As demais provas produzidas ao longo da instrução referem-se aos depoimentos dos policiais que participaram da prisão em flagrante da acusada; que, contudo não estabeleceram qualquer ligação concreta entre a ré e as drogas apreendidas, uma vez que não teriam-na visto, efetivamente comercializando os entorpecentes, tampouco dispensando-os ou escondendo-os no local em que encontrados. Neste sentido, o policial militar condutor do flagrante, Geovane Braz de Souza, afirmou em sede policial, à f. 02:

"(...) Acerca dos fatos narrados no Reds. n.2017-010088717-001. o declarante tem a dizer o seguinte: Que nesta data se encontrava de serviço, juntamente com Sgt Carlos e Sd Dutra , quando receberam várias informações que Valdelice Lacerda da Silva e seu amásio TARCISIO estariam traficando drogas no trayler denominado "Altas Horas" e que o referido estabelecimento comercial pertence ao casal: Que segundo a denúncia uma "carga" com drogas ficava escondida no jardim do lado de fora do hotel Petrus; Que diante das informações montaram uma campana em um local estratégico, quando em alguns minutos visualizaram uma pessoa do sexo feminino com estatura mediana. magra, morena, cabelos pretos e longos, trajando calça moletom cor Cinza e blusa de moletom cor preta identificada posteriormente como a denunciada Vadelice Lacerda da Silva, tendo esta colocado algo ao pés de um coqueiro localizado no jardim do referido hotel, e depois retomou ao trayler Altas Horas; Que foram ao local onde ela havia escondido algo, momento em que o declarante localizou entre os pés do coqueiro uma sacola plástica na cor preta contendo 11 (onze) papelotes com substância semelhante a cocaína prontas para o comércio; Que durante a varredura no referido jardim o Sd Dutra, que ficou ao lado do trayler, percebeu que a autora Valdelice estava nervosa e olhava constantemente na direção do declarante e do Sgt Carlos: Que o Sgt Carlos perguntou a Valdelice se havia algo ilicitodentro do trayler, tendo ela respondido que não e autorização a entrada dos policiais no interior do trailer; Que foi realizado busca no interior e mais da de iiicito encontrado, as buscas foram acompanhadas pelo funcionário da trayler ANTONIO ARLOS RIBEIRO: Que diante do exposto deram voz de prisão a autora Valdelice, por tráfico ilícita de drogas a qual foi conduzida a esta delegacia juntamente com a droga arrecadada; Que Tarcísio já fora preso em data pretérita por envolvimento ao trafico ilícito de drogas; Que a testemunha Antônio não foi trazido para esta Delegacia, uma vez que não foi encontrado nada de ilícito no interior do trailer. (...)"

Em juízo, Geovane reafirmou como se deu a dinâmica dos fatos, ressaltando que encontrou as drogas em um canteiro do hotel que fica próximo ao local onde estava o trailer da acusada. Destacou, por fim, que a ação dos militares foi motivada por uma denúncia anônima dando conta que a acusada estava traficando no local. No mesmo sentido foram as declarações dos também policiais militares Charles Dutra Carneiro e Carlos Roberto Alves de Oliveira, às ff. 04-05 e 06-07 e em mídia anexa à f. 100. Diante de tais elementos, com a devida venia ao d. Sentenciante, conclui-se que o acervo probatório não é suficiente para erigir um juízo de certeza, devendo o princípio in dubio pro reo socorrer a acusada. Isso porque tudo o que se tem contra a ré é o fato de que a sua abordagem teria se dado após as supostas informações de que estaria ela comercializando substâncias entorpecentes em seu trailer, não tendo, ainda, surgido qualquer elemento que corroborasse tais informações. Não se esclareceu de onde partira a suposta denúncia, tampouco quem a fizera. Suponha-se que tivesse partido de um desafeto ou inimigo da acusada, visando prejudicá-la; seria o suficiente para condenação por tão grave crime? Assim, com relação aos depoimentos prestados pelos policiais, embora não furte a lei sua validade, no bojo dos presentes autos devem ser vistos com bastante cautela e reserva e, já que absolutamente genéricos e nada reveladores, devem ser descaracterizados como prova. Neste sentido, vale transcrever:


"Tóxico. Art. 12 e 18, I, da Lei 6368/76. Policiais. Depoimento. Validade. - "O depoimento prestado por policiais deve ser avaliado com reservas, em face do interesse que possuem em demonstrar a eficiência e legitimidade da investigação que empreenderam. Em face de a condenação ter sido fundada apenas nos depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão, patente a falta de robustez da prova coligida no sentido de embasar a condenação da ré, não restando clara e induvidosa a sua participação nos fatos criminosos" (TRF 4ª R. - 2.ª T. AP 96.04.51305-2 - Rel. Edgard Lippmann Jr. - j. 22.11.1996 - RJ 234/146).


Na mesma quadra, anota a doutrina: 


"(...) Os policiais não estão impedidos de depor, pois não podem ser considerados testemunhas inidôneas ou suspeitas, pela mera condição funcional. Contudo, embora não suspeitos, têm eles todo o interesse em demonstrar a legitimidade do trabalho realizado, o que torna bem relativo o valor de suas palavras. Por mais honesto e correto que seja o policial, se participou da diligência, servindo de testemunha, no fundo estará sempre procurando legitimar a sua própria conduta, o que juridicamente não é admissível. Necessário, portanto, que seus depoimentos sejam corroborados por testemunhas estranhas aos quadros policiais. Assim, em regra, trata-se de uma prova a ser recebida com reservas, ressalvando-lhe sempre a liberdade de o juiz, dependendo do caso concreto, conferir-lhe valor de acordo com sua liberdade de convicção..." (CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 296.).  


Ressalta-se que as drogas foram encontradas próximas a um hotel, local de grande circulação de pessoas, sendo plenamente possível que os entorpecentes tivessem sido deixados ali por outra pessoa que não a acusada.


Logo, na verdade não existe nos autos prova firme, forte e clara a ensejar um decreto de cunho condenatório contra a apelante. Desta forma, apesar de reconhecer ser até possível que a acusada tenha praticado o fato narrado na denúncia, não há a certeza necessária para um decreto condenatório. Diante de tudo o que consta dos autos, a solução mais acertada é absolver a ré, forte na aplicação do princípio in dubio pro reo. 

 DA CONCLUSÃO. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para absolver a apelante Valdelice Lacerda da Silva formulada na denúncia, na forma do art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Deixa-se de determinar a expedição do competente alvará de soltura por se verificar que foi concedido à apelante o direito de recorrer da r. Sentença condenatória em liberdade. 

 Sem custas. É como voto. 

DESA. VALÉRIA RODRIGUES QUEIROZ (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a). 

DES. EDUARDO BRUM - De acordo com o(a) Relator(a). 

 SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"



quinta-feira, 15 de outubro de 2020

HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA - IMPRONÚNCIA - RECURSO PROVIDO

 

Processo: 1.0443.13.003818-7/001

Relator: Des.(a) Furtado de Mendonça

 Relator do Acordão: Des.(a) Furtado de Mendonça

Data do Julgamento: 17/03/0020

Data da Publicação: 01/04/2020

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA - IMPRONÚNCIA - POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. - Se a prova produzida afasta o ''animus necandi'', não havendo nos autos quaisquer indícios que apontem na direção do recorrente, deve o mesmo ser impronunciado. REC EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0443.13.003818-7/001 - COMARCA DE NANUQUE - RECORRENTE(S): GILSON VITÓRIO DIAS - RECORRIDO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em PROVER O RECURSO. DES. FURTADO DE MENDONÇA RELATOR. DES. FURTADO DE MENDONÇA (RELATOR) V O T O Trata-se de Recurso em Sentido Estrito, com suporte no art. 581-IV, do CPP, interposto por GILSON VITÓRIO DIAS, que se insurge contra a r. sentença de fls. 429/431v, prolatada pelo MM. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Nanuque, que o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, §2°, II e IV, do Código Penal.

Sobre os fatos, narra a denúncia que no dia 15 de novembro de 2005, aproximadamente às 23h00min, na rua Castro Alves, n° 285, bairro Vila Esperança, na Comarca de Nanuque, especificamente na residência da vítima, Hanilton da Silva Colares, vulgo "Niltinho", com vontade de matar, por motivo torpe (vingança) e dificultando a defesa, por uso de surpresa e dissimulação, efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima Valceni Barbosa dos Santos, alvejando-a e causando lesões que foram a causa eficiente de sua morte. Segundo consta, Hanilton efetuou os disparos por ordem de Gilson, ora recorrente, por conta de uma dívida de R$ 6,00 (seis) reais, que a mãe da vítima possuía com Gilson, e em face de desentendimentos gerados em razão de tal dívida.

A vítima quedou insatisfeita com a forma como o ora recorrente teria feito a cobrança da dívida, vez que chamou a mãe da vítima de vaca, safada, vagabunda. Assim, a vítima foi tirar satisfações com o acusado, inclusive, chegando a agredir Gilson o "pano de um facão" (parte diametralmente oposta à lâmina do facão), fato que redundou em desejo de vingança por parte de Gilson e, posteriormente, no crime em comento. Ainda segundo a exordial acusatória, no dia, hora e local do crime, a vítima se encontrava em sua residência, com sua mãe e seu irmão, quando o segundo acusado bateu na porta e se passou por amigo, momento em que iniciou conversa descompromissada com a vítima e seus familiares acima.

Ato contínuo, após quebrar a resistência da vítima, com a narrada dissimilação, de inopino, sacou a arma e efetuou os disparos, surpreendendo a vítima e dificultando a sua defesa, tendo-a atingindo quando estava sentada no sofá, só não efetuando outros disparos dada a intervenção da mãe e irmão da vítima. O feito teve regular processamento e, aos 19 de dezembro de 2018, o d. Magistrado singular pronunciou o ora recorrente pela prática do delito previsto no art. 121, §2°, II e IV, do Código Penal.

Contra essa decisão é que se insurge a d. Defesa, razões fls. 435/436v, alegando não ter restado provada a autoria atribuída ao acusado Gilson. Requer, portanto, a impronúncia do recorrente.

O parquet apresentou suas contrarrazões às fls. 438/443, pugnando pela manutenção do ato fustigado. Em juízo de retratação, o decisum vergastado foi mantido (fl. 453).

O d. Procurador de Justiça Antônio de Pádova Marchi Júnior, fls. 461/468, manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso. É o relatório. Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento. Entendo, data venia, que o d. magistrado singular não agiu com o brilhantismo de sempre ao pronunciar o ora recorrente Gilson Dias. A materialidade do delito, inconteste, encontra amparo no laudo de exumação de fls. 14/17 e na certidão de óbito de fl. 45.

No concernente à autoria, no entanto, entendo que não restaram devidamente expostos os indícios necessários para a prolação da decisão de pronúncia. Ainda que para a sentença de pronúncia, que julga tão somente a admissibilidade da acusação de matéria afeta à competência do Tribunal do Júri, baste o livre convencimento motivado acerca da existência do crime (fato) e indícios suficientes da autoria, como bem estabelece o art. 413 do Código de Processo Penal, entendo que estes últimos não estão presentes nos autos, e, como cediço "Quod non est in actis non est in mundo".

É que, debruçando-me detidamente sobre os autos, não pude encontrar, no conjunto probatório carreado aos autos, elementos suficientes para a pronúncia do ora recorrente - ou, no caso, para sua manutenção. Ouvido em juízo, Gilson negou veementemente a prática do delito que lhe foi imputado, acrescentando que dias antes dos fatos tivera um desentendimento com a mãe da vítima e que acredita que por essa razão é que lhe foi atribuída a autoria do crime.

E, bem verdade, seu depoimento não se encontra desvencilhado do arcabouço probatório presente nos autos, mormente porque as testemunhas de acusação ouvidas tanto em sede administrativa como judicial não foram capazes de fornecer indícios mínimos de sua autoria, uma vez que apenas relatam que suspeitam que Gilson tenha mandado "Niltinho" matar a vítima ou que "ouviram dizer" ter sido ele o mandante do crime. Nesse sentido, a mãe da vítima, Maria de Lourdes Barbosa dos Santos, quando ouvida administrativamente, relatou com riqueza de detalhes o ocorrido. Quanto à suposta autoria atribuída ao ora recorrente, entretanto, apenas forneceu sua convicção. Vejamos: (...) "que, na noite de 15 de novembro do corrente ano, uma terça feira, a depoente estava em casa por volta das 23:00 horas juntamente com seus filhos Fabrício e Valcenir, vítima nestes autos que, naquela hora alguém bateu na porta e Valdenir levantou abrindo a mesma; que, assistiam um filme naquele momento; que, ao abrir a porta era o elemento conhecido Niltinho, e Cartorze; que a depoente disse para seu filho não abrir a porta para ninguém, antes que a pessoa que chamava se identificasse; que a depoente ficou surpresa com a visita de Niltinho à sua casa naquele momento, mesmo já conhecendo o mesmo há muito tempo, porque tal fato nunca tinha acontecido, apesar de seus filhos tem amizade com Niltinho como disse antes; que a depoente chamou o Niltinho para entrar dentro de casa vez que estava 'lubrinando', mas que mesmo insistindo ele não entrou e ele passou a indagar sobre o filme que estava assistindo, inclusive a depoente pensou que fosse algum vizinho; que o Niltinho ficou em pé na porta com metade da cabeça olhando para o interior da casa e com as mãos para trás; que a depoente estava sentada no sofá ao lado do seu filho e naquele momento sem que houvesse qualquer discussão Niltinho apontou uma arma de fogo para o seu filho disparando contra o mesmo que ainda estava sentado e voltou a disparar novamente sendo dois disparos e naquele momento seu filho caiu no seu colo (...) que a depoente passou a dever a pessoa de Gilsinho, dono de uma mercearia (...) Gilsinho voltou a lhe cobrar desta feita com muito desaforo, lhe chamando de veaca, safada (...) que seu filho Valcenir tomou conhecimento do tratamento dispensado por Gilsinho à depoente e foi lá pagou o Gilsinho, mas houve uma discussão entre ambos, na qual seu filho armado com um facão deu umas panadas em Gilson (...) que não houve ameaça alguma por parte do Gilsinho contra seu filho mas a depoente o advertiu de que tomasse cuidado com Gilson, porque ele poderia arranjar um elemento ruim para lhe matar; que esclarece a depoente Niltinho e Gilsinho eram chegados um do outro (...) a deponete informa que ouviu o comentário de Niltinho por uma duas ou três vezes disse para várias pessoas ouvir de que aqueles pano de facão que Valcenir, vítima nestes autos tinha dado em Gilsinho não ia ficar de graça por ele era muito amigo do Gilsinho; que não lhe sobra nenhuma dúvida de que seu filho foi vítima de crime pistolagem a mando do Gilsinho (...) sic - fls. 10/11 (destacado). Em juízo, Maria de Lourdes ratificou as declarações prestadas e acresceu que no momento dos fatos indagou ao corréu Hanilton quem é que teria lhe mandado cometer o delito, se teria sido Gilson, sendo que "Niltinho" assumiu toda a culpa. Disse ainda que "todo mundo tem suspeita" de que Gilson foi o mandante do crime (fl. 424).

O irmão da vítima, Fabrício Barbosa dos Santos, quando ouvido na delegacia de polícia, prestou uníssona declaração quanto aos deslindes do caso, acrescentando, no concernente à possível participação do ora recorrente, o que se segue: (...) "há uns quinze dias atrás o Gilsinho cobrou de sua mãe desta feita com desaforo dizendo que ela era uma veia safada, veaca, e que podia tomar vergonha na cara e lhe pagar; que seu irmão tomou conhecimento da humilhação e desaforo que Gilson fez com sua mãe; houve um desentendimento com o mesmo no qual seu irmão de uns pano de facão em Gilson, mas sem maiores consequências; que depois dos desentendimentos que houve o Gilson e nem o Niltinho ameaçavam diretamente ao seu irmão; que depois da morte do seu irmão é que ouviu comentários de que o Niltinho teria dito que aqueles pano de facão que seu irmão tinha dado no amigo dele não ia ficar de graça; (...) que afirma o depoente que Gilsinho tem participação na morte do seu irmão, não podendo afirmar de que jeito, se pagando, comprando arma para o mesmo (...) sic - fl. 12/v (destacado). De igual modo, a testemunha Júlio Gonçalves, ouvida exclusivamente perante a autoridade policial, informou que não presenciou os fatos e que somente ouviu dizer que o ora recorrente teria ceifado a vida da vítima: (...) "estava na rua da sua casa, por volta das 23:00 horas e escutou alguns tiros; que logo em seguida viu que a pessoa conhecida 'por Niltinho' passou correndo; que antes Niltinho comentou que ia matar um cara no bairro da Vila Esperança, isto naquela rua; que segundo tomou conhecimento o revólver foi emprestado por 'Luquinha', morador perto do campinho do bairro UDR; que por sua vez emprestou o tal revólver para 'Niltinho'; que segundo tomou conhecimento que a morte da pessoa teria sido encomenda por 'Gilsinho', proprietário de uma mercearia (...) e que foi por vingança por causa de dívida; que esclarece o depoente que na noite do crime Niltinho foi na casa da vítima e tomou café com ela, e estava assistindo um filme, que afirma mais uma vez que no dia Niltinho comentou com o depoente que ia matar uma pessoa naquela noite e naquele bairro; que depois do homicídio o depoente nunca mais viu o Niltinho achando que ele está foragido de Nanuque (...) Niltinho antes de matar a vítima tomou café sentado no sofá da sala; que na gíria do povo 'foi Gilsinho quem mandou Niltinho passar o rato na vítima'; que Niltinho comentou para várias pessoas que ia matar a vítima" (...) sic - fl. 21/v (destaquei). Vejo que o supracitado depoimento baseia-se apenas em "achismos" e "ouvi dizer", sendo certo que referida testemunha não presenciou os fatos, circunstância essa observada pelo relato de que o executor do crime teria tomado café com a vítima instantes antes de cometer o delito, o que sequer foi relatado pela mãe ou pelo irmão do falecido. De mais a mais, os policiais militares ouvidos em juízo, Jalmir Pereira Figueiredo, à fl. 375, e Carlos Roberto Alves de Oliveira, à fl. 376, são firmes ao dizer que não se recordam de moradores terem informado que Gilson foi o autor do delito, sendo que essa informação teria partido da família de Valcenir. Acrescem que havia boatos quanto à participação de Gilson mas que, no meio policial, não tomaram conhecimento de relatos nesse sentido. Ora, quer me parecer que mesmo depois da oitiva de diversas testemunhas, tanto de defesa quanto de acusação, não foi possível colher indícios hábeis para a pronúncia do ora recorrente, já que não há nos autos uma única pessoa que indique ter sido ele autor ou coautor do delito.

Há, apenas e tão somente, relatos, suposições ou meras suspeitas quanto ao seu envolvimento.

Alegar que Gilson Dias teria encorajado, estimulado ou mesmo mandado Hanilton ceifar a vida da vítima, além de incongruente com os depoimentos colhidos, já que a mãe da vítima afirmou que Gilson não ameaçou Valcenir e que o irmão deste disse não ter presenciado discussões pretéritas, seria banalizar o princípio in dubio pro societate que vigora nesta fase processual, já que indubitavelmente para a pronúncia se exige mais do que meras conjecturas.

Neste sentido leciona Fernando Capez: "É uma decisão de rejeição da imputação para o julgamento perante o Tribunal do Júri, porque o juiz não se convenceu da existência do fato ou de indícios suficientes de autoria ou de participação. Nesse caso, a acusação não reúne elementos mínimos sequer para ser discutidos. Não se vislumbra nem o fumus boni iuris, ou seja, a probabilidade de sucesso na pretensão punitiva." (CAPEZ, 2012, P. 209). Não se ignora aqui o fato de que Gilson possa de fato ter uma amizade de longa data com o acusado Hanilton, executor assumido dos disparos, ou ainda que seu atrito com a vítima possa ter deixado mágoas, mas isso não basta para uma sentença de pronúncia. Os relatos dos familiares de que Gilson foi o mandante do crime de homicídio, de toda sorte, não encontram amparo nos demais elementos colhidos e juntados aos autos, pelo que tal versão não merece prosperar, embora não seja possível atestar sua invalidade.

Por tudo isso, não se descarta que possa o recorrente ter, de algum modo, concorrido para o crime, conforme versão ministerial. Mas nada há, absolutamente nada, minimamente sólido, no arcabouço probatório, que se preste a transformar esta suposição em um indício, como necessário para um decreto de pronúncia.

De mais a mais, reforço que não se está aqui a suprimir a competência constitucional do Tribunal do Júri para decidir pela condenação ou pela absolvição de um acusado de crime doloso contra a vida. Todavia, somente poderá ocorrer a sentença de pronúncia quando, a teor do Código de Processo Penal, existirem indícios mínimos de autoria.

Por todo o exposto entendo que razão assiste à combativa defesa no referente ao pedido de impronúncia, sem prejuízo, no entanto, de, caso surjam novas provas, ser o recorrente futuramente pronunciado pelo cometimento do crime narrado na exordial acusatória, com a submissão a julgamento popular. Sendo assim e por tudo mais que dos autos consta, DOU PROVIMENTO AO RECURSO defensivo para impronunciar o recorrente Gilson Vitório Dias. Sem custas. DES. JAUBERT CARNEIRO JAQUES - De acordo com o(a) Relator(a). DES. BRUNO TERRA DIAS - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "RECURSO PROVIDO."