Processo: 1.0443.14.000509-3/001
Relator: Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini
Relator do Acordão: Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini
Data do Julgamento: 21/09/2021
Data da Publicação: 01/10/2021
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO - DESCLASSIFICAÇÃO -
DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA - NÃO COMPROVAÇÃO INDENE DE DÚVIDA - MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO
TRIBUNAL DO JÚRI - DECOTE DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL - NECESSIDADE - MANIFESTA
IMPROCEDÊNCIA.
1. A desclassificação da conduta para Crime de competência do Juiz Singular exige a comprovação, inconteste, sobre
a ausência de animus necandi ou da configuração de Desistência Voluntária.
2. A qualificadora do Motivo Fútil deve ser decotada, porquanto manifestamente improcedente (Súmula 64 TJMG),
ante a ausência de indícios a demonstrar a motivação de somenos importância.
REC EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0443.14.000509-3/001 - COMARCA DE NANUQUE - RECORRENTE(S):
ALEXSANDRO DE JESUS SANTOS - RECORRIDO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.
DES. OCTAVIO AUGUSTO DE NIGRIS BOCCALINI (RELATOR)
V O T O
Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Alexsandro de Jesus dos Santos, contra a r. Decisão (fls.
100/102v-TJ) proferida pela MMª Juíza de Direito da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de
Nanuque, que o Pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, §2º, II e IV c/c art. 14, inciso II, ambos do Código
Penal.
Em Razões recursais (fls. 109v/110v-TJ), a Defesa pugna pela Desclassificação do Delito para o Crime de Lesão
Corporal, argumentando a ausência de comprovação do animus necandi e a ocorrência de Desistência Voluntária.
Em Contrarrazões (fls. 113/119v-TJ), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais pugna pelo desprovimento
do Recurso defensivo.
Em Juízo de Retratação (fl. 139-TJ), a Magistrada Singular manteve inalterada a r. Decisão de Primeiro Grau.
Em Parecer (fls. 141/143-TJ), opina a Procuradoria-Geral de Justiça pelo provimento do Recurso defensivo, para
Desclassificar o Crime Doloso Contra a Vida. Subsidiariamente, manifesta pelo decote da Qualificadora do Motivo
Fútil.
Vieram-me os autos conclusos (fl. 144-TJ).
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conforme art. 581, IV, do Código de Processo Penal, conheço do
recurso.
Inexistem Preliminares, tampouco Nulidades arguidas pelas partes ou que devam ser declaradas de ofício.
Narra a Denúncia (fls. 02D/v-TJ) que, no dia 17.10.2013, por volta de 13h00min, na Rua Pará, nº 175, Bairro São
Geraldo, na Cidade de Nanuque, Alexsandro de Jesus dos Santos (Recorrente), supostamente, com animus necandi,
por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da Vítima, desferiu golpe de faca contra o Ofendido C.S.S.
(Cláudio), causando-lhe lesões que não foram a causa da morte por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Confira-se:
"(...) Segundo apurado, o denunciado recebeu como herança de seu pai um imóvel situado na Rua Pará, nº 173,
Bairro São Geraldo, Nanuque/MG. Em razão de ter se mudado para a fazenda onde trabalhava, deixou seu sobrinho,
ora vítima, residir no referido imóvel juntamente com sua companheira.
Ocorre que após sair de seu emprego na zona rural, o denunciado pediu à vítima que desocupasse a casa, em razão
de seu retorno à cidade, o que ocasionou atrito entre os dois, posto que a vítima se recusava a desocupar a
residência.
Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas acima, o denunciado se dirigiu à vítima e sua companheira dizendo que
entraria no imóvel e os agrediria a fim de que dali saíssem. Mais tarde, por volta das 13h00min, quando a vítima saía
de casa para trabalhar, o denunciado voltou a proferir ameaças.
Percebendo, iminente perigo, a vítima retornou à sua residência para alertar sua companheira e mãe que, caso algo
acontecesse, deveriam acionar a Polícia Militar, momento em que foi surpreendido pelo denunciado, que lhe golpeou
na cabeça com um facão, não oportunizando qualquer defesa e provocando-lhe as lesões descritas no ACD de fl. 15.
Os demais familiares, notando a agressão, socorreram a vítima até o Pronto Socorro Municipal, tendo o denunciado
evadido em meio ao tumulto que se formou em razão do ocorrido. (...)" (fls. 02d/v-TJ).
1) Da Desclassificação para o crime de Lesão Corporal
Sustenta a Defesa a ausência de comprovação de que o Recorrente teria agido com animus necandi,
consignando que Alexsandro de Jesus Santos teria desistido voluntariamente da prática do Delito de Homicídio,
motivo pelo qual aduz a necessidade de desclassificação para o Crime de Lesão Corporal.
Sem razão.
A Decisão de Pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade acusatório, em que o Magistrado Singular aprecia
os requisitos para a submissão do Réu ao Júri Popular, em observância à competência conferida pela Constituição
Federal (art. 5º, XXXVIII) ao Tribunal Júri, para julgar os crimes dolosos contra a vida.
Por não se tratar de juízo condenatório, a Decisão não deve adentrar ao meritum causae, consubstanciando-se
somente na existência de um crime doloso contra a vida e na probabilidade razoável de ser o Réu o responsável pela
prática do delito, delineando a incidência das qualificadoras e causas de aumento de pena, consoante dispõe o art.
413 do Código de Processo Penal.
Assim, sustentando eventual dúvida acerca da participação do agente no delito, ou até mesmo da intenção, deve
a tese defensiva ser examinada de forma pormenorizada pelo Tribunal do Júri, haja vista que o juízo meritório final
acerca da imputação assiste exclusivamente ao Tribunal Popular, sob pena de usurpação de competência
constitucional.
Neste sentido, a desclassificação do delito, em sede de Pronúncia, somente é possível quando restar evidenciada,
inequivocamente, a ausência de intenção de matar na conduta do agente, porquanto a aferição de existência ou não
do animus necandi compete exclusivamente ao Tribunal do Júri.
- Da materialidade
In casu, a materialidade do Crime Doloso Contra Vida é incontroversa e se encontra consubstanciada pelo Boletim
de Ocorrência (fls. 09/12-TJ), Exame de Corpo de Delito (fl. 15-TJ) e Relatório (fls. 41/43-TJ).
A propósito, o Exame de Corpo de Delito (fl. 15-TJ) atestou a presença de "ferida suturada com fio de nylon preto
de 8,0 cm localizado em região temporal esquerda" e "ferida saturada com fio de nylon preto de 7,0cm localizado em
região retro auricular", concluindo, assim, que houve ofensa à integridade corporal ou a saúde da Vítima C.S.S.
(Cláudio), causada por instrumento corto-contundente.
- Dos indícios de autoria
Quanto aos indícios de autoria, podem ser suficientemente vislumbrados pela prova testemunhal, colhida ao longo
da instrução processual.
Outrossim, o modus operandi da suposta prática delitiva, a princípio, demonstra indícios suficientes acerca da
presença de animus necandi na conduta do Recorrente.
O Recorrente, à Autoridade Policial (fl. 21/23-TJ), relatou que, após o falecimento do genitor, aproximadamente
cinco anos antes dos fatos, o Réu teria herdado o direito de residir em imóvel, localizado na Rua Pará, nº 173, Bairro
São Geraldo, na Cidade de Nanuque.
Esclareceu que teria residido no local por um tempo, contudo, ao se mudar para trabalhar na Zona Rural do
Município, teria emprestado a residência para a Vítima, porquanto o Ofendido teria lhe pedido o imóvel para residir
com a companheira, que estava grávida. Consignou que, no início do mês de setembro, teria solicitado a Cláudio para
que desocupasse o imóvel, porquanto estava retornando para o perímetro urbano, contudo, a Vítima teria se recusado
a sair da residência.
Em relação ao dia dos fatos, o Réu narrou que se encontrava em via pública, quando escutou o Ofendido afirmar
à esposa para acionar a Polícia, "se algo acontecesse". Alegou ter se dirigido ao imóvel onde a Vítima residia, ocasião
em que teria assegurado a Cláudio a desnecessidade de acionar a Polícia, consignando que desejava apenas que a
Vítima desocupasse o imóvel que pertencia ao Recorrente.
Relatou que, neste momento, o Ofendido teria desferido dois golpes de vassoura contra as costas do Réu, sendo
que, na tentativa de se defender, Alexsandro teria levantado o facão que trazia consigo, ocasião em que o objeto teria
atingido Cláudio. Alegou que não tinha a intenção de machucar o Ofendido, afirmando que não conseguiu evitar a
lesão causada à Vítima. Veja-se:
Alexsandro de Jesus Santos (Recorrente) - IP
"(...) que sempre trabalhou em fazenda, e há aproximadamente três meses, retornou para a cidade; que quando
morava na cidade, residia na casa a qual Claudio mora; que na casa morava o declarante, o pai e a mãe do mesmo;
que antes do pai do declarante falecer, o declarante arrumou uma esposa, e ficou morando com os seus pais na
mesma casa; que algum tempo depois se mudou para uma casinha perto da casa de seu pai; que quando o pai do
declarante faleceu, há aproximadamente 05 anos, deixou a casa para o declarante, até que ele conseguisse adquirir
sua própria casa; que ficou morando na casa deixada por seu pai; que quando arranjou um emprego em uma fazenda
no corrente ano, fechou a casa e foi trabalhar na Fazenda Boa Vista, Município de Posto da Mata/BA; que Claudio
havia engravidado uma moça, e já que a casa estava fechada, pediu ao declarante para morar nela; que o declarante
permitiu que Claudio morasse na casa; que o declarante também emprestou alguns de seus móveis para Cláudio; que
no início do mês de setembro, precisamente dia 01/09 do corrente ano, o declarante veio acidade fazer feira e
encontrou Claudio; que o declarante pediu a Claudio que desocupasse a casa, pois havia pedido as contas e já
estaria vindo embora de volta para a cidade; que Claudio respondeu que ninguém o tiraria da casa; (...) que o
declarante disse que nunca ameaçou Claudio de morte; que somente queria a casa em que morava de volta; (...) que
no dia 17/10/2013, o declarante havia acabado de almoçar, e estava sentado em um carrinho de mão, pois iria cortar
capim para os carneiros que cria; que ao passar na rua, Claudio falou em alto e bom som para sua esposa, que se
algo acontecesse, pudesse chamar a Polícia; que o declarante passou em frente aos fundos da casa de Claudio e
falou para o mesmo que não precisaria chamar a Polícia, pois somente queria que ele desocupasse a sua casa; que
ao passar, o declarante foi repreendido com uma vassourada em suas costas, desferidas por Claudio; que o
declarante tentou se esquivar, mas Claudio novamente deu outra vassourada no declarante; que o declarante estava
com um facão na mão, pois iria cortar capim para os animais, na tentativa de se defender, levantou o facão de uma
vez, para conter a vassoura, para não bater em seu corpo; que Claudio entrou na frente e foi atingido pelo facão; que
não teve como evitar a lesão; que não tinha a intenção de machucar Claudio; que desde que o declarante pediu a
casa, Claudio vem o ameaçando e humilhando o declarante, dizendo a ele que tem dinheiro e trabalho de carteira
assinada, e o declarante não; que dizia também que o declarante não tinha mais o direito de morar na casa, dizia que iria matar o declarante; (...)" (fl. 22-TJ) - Negritei.
Sob o crivo do contraditório (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), Alexsandro de Jesus Santos, ora Recorrente, relatou
que teria fornecido à Vítima imóvel que lhe pertencia, para que o Ofendido residisse com a companheira, contudo, ao
necessitar do imóvel, Cláudio teria se recusado a desocupá-lo.
Afirmou que, no dia dos fatos, estava jogando Dominó, quando a Vítima, em via pública, teria o chamado de
"macaco", afirmando "que qualquer coisa que você fizer com a minha mulher, o que está lá em casa te espera, vai lá
em casa para você ver". Narrou que, em seguida, teria se dirigido à residência da Vítima, sendo que, no local, Cláudio
teria desferido dois golpes de vassoura contra o Recorrente. Por derradeiro, confirmou ter efetuado golpe de facão
contra a Vítima, consignando que "não matou porque seu coração sentiu, pois era seu sobrinho".
A saber:
Alexsandro de Jesus Santos (Recorrente) - Em Juízo
"(...) que os fatos aconteceram; que se quisesse matar a vítima, poderia; que se arrependeu; que forneceu a casa
para a vítima morar; que estava com facão pequeno de 15 polegadas; que estava cortando o capim para carneiros;
que não era um facão de cana; que não estava bêbado; que não bebe; que pediu para um amigo avisar para a vítima
desocupar a casa; que o amigo teria lhe falado que a vítima falou que a casa estava desocupada; que veio com
caminhão para mudar; que, quando chegou, a mulher da vítima falou que não ia desocupar; que estava sentado,
jogando dominó; que a vítima passou na rua e lhe chamou de "macaco", afirmando "que qualquer coisa que você fizer
com a minha mulher, o que está lá em casa te espera, vai lá em casa para você ver"; que foi para casa da vítima com
o facão e saco nas costas, porque estava indo cortar capim; que quando foi na casa da vítima, cláudio lhe deu duas
vassouradas; que fez o laudo médico, por causa das marcas das vassouradas; que a vítima quebrou a vassoura nas
suas costas; que, depois de atingir a vítima, Cláudio lhe deu "duas porretadas"; que cláudio não caiu na hora; que
poderia ter matado a vítima; que não matou porque seu coração sentiu, pois era seu sobrinho; que estava com o
sangue quente; que na hora que atingiu ele só estava ele e a vítima; que a mãe da vítima não estava no momento;
que a vítima falou que o acusado iria "lhe pagar", afirmando que ia vender a égua que o acusado teria lhe dado; que
trabalha na fazenda; que depois de dar o golpe foi embora; que sua irmã o levou na delegacia; que o delegado lhe
falou para ir pra sua casa; que lhe falaram que a vítima adquiriu arma de fogo para matar o acusado; que está
arrependido; (...)" (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ) - Negritei
A Vítima C.S.S. (Cláudio), na fase Policial (fl. 13/14-TJ), relatou que o Recorrente, meses antes dos fatos, teria
passado a ameaçar o Ofendido, sendo que, no dia do ocorrido, enquanto a Vítima se dirigia ao local de trabalho, o
Réu teria afirmado que "iria entrar na casa" do Ofendido e "pegar a sua esposa e também agredi-la".
Assim, em razão das alegadas ameaças, o Ofendido teria retornado à residência, para avisar a esposa e a
genitora, a fim de que acionassem a Polícia, caso necessário. Todavia, neste momento, a Vítima teria sido
surpreendida pelo Recorrente, o qual estava na posse de facão, e desferiu golpe contra o Ofendido. Afirmou que não
teria conseguido se defender, aduzindo que "ao desferir o golpe de facão no declarante e ver o sangue escorrendo
pelo rosto do declarante, Alexsandro parou e não tentou golpeá-lo novamente".
Esclareceu a Vítima que foi socorrida e encaminhada ao hospital, informando que acreditava que a motivação do
Delito seria porque o Recorrente é "valentão e acha que todo mundo tem que ter medo dele".
Em Juízo (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), a Vítima C.S.S. (Cláudio) esclareceu a existência de desavença prévia
entre o Ofendido e o Recorrente, relacionada ao imóvel em que Cláudio residia, visto que o Réu afirmava que a
residência lhe pertencia.
Cláudio consignou que, no dia dos fatos, por volta de 12h00min, teria retornado ao imóvel onde residia, para
buscar objeto, sendo que, enquanto adentrava a cozinha da residência, teria chamado pela genitora, e, de forma
concomitante, o Réu teria surpreendido a Vítima, com golpe de facão.
Relatou que, no mesmo momento em que teria sido golpeado, Cláudia de Jesus Santos, genitora do Ofendido,
teria adentrado o cômodo, motivo pelo qual teria presenciado a suposta prática delitiva, sendo que, após o golpe, a
Informante teria fechado a porta do imóvel, oportunidade em que o Recorrente evadiu. Veja-se:
"(...) que tinha uma casa; que o réu falava que a casa era dele; que nenhum dos outros parentes falaram que a casa
era do réu; que ele morava nessa casa; que se o réu tivesse lhe pedido, na época, para desocupar a casa, teria
desocupado; que a casa não era sua, mas também não era do acusado; que não ia ficar com algo que não era seu;
que hoje está construindo sua casa; que sempre trabalhou; que sua esposa estava grávida na época; que tinha 18 ou
19 anos na época; que o réu não estava trabalhando, na época; que o réu estava na porta da casa de sua mãe; que
estava indo trabalhar e voltou para buscar uma sacola; que sua mãe já tinha lhe falado que Alexsandro tinha
mencionado a questão da casa; que falou com sua mãe que iria conversar com o acusado para resolver o problema;
que, quando entrou na porta da cozinha, só sentiu a batida do facão na cabeça; que foi por volta de 12h00min; que,
na hora, ficou tonto; que sua mãe estava chegando na cozinha; que gritou sua mãe; que no movimento sua mãe
tentou fechar a porta, para o acusado não vir pra cima da vítima; que foi só um golpe e já caiu tonto, para o lado; que
sua esposa viu e gritou também; que foi hospitalizado; que um vizinho prestou socorro; que depois disso Alexsandro
não tentou desferir outro golpe; que depois do golpe, na hora que sua mãe chegou, ela tentou fechar a porta, para o
acusado não entrar de novo; que ele ficou do lado de fora, correu e sumiu; que só viu o acusado de novo na
delegacia; que Alexsandro não tinha lhe ameaçado antes; que ficou em observação por um dia; que levou pontos; que
sente muita dor de cabeça e seu ouvido inflama com facilidade; que o facão cortou a orelha; que o acusado poderia
ter desferido outro golpe contra a vítima, caso quisesse; que foi muito rápido, porque chegou em casa, já gritando sua
mãe e, enquanto a mãe vinha em sua direção, sentiu o golpe na cabeça; que sua mãe viu o golpe; que, assim que a
vítima caiu, sua mãe correu e fechou a porta para o acusado não entrar; (...)" (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ) - Negritei.
O Policial Militar Giliard Meireles, à Autoridade Judicial (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), informou não se recordar da
ocorrência e dos fatos em questão.
Já o Policial Militar Antônio Valeriano, em Juízo (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), relatou que teria se dirigido à
residência onde teriam ocorrido os fatos, oportunidade em que a mãe da Vítima teria lhe relatado que, após
discussão, o Recorrente, que se encontrava sob o efeito de bebidas alcoólicas, teria desferido golpe de facão contra a
Vítima. Esclareceu, ainda, que o Réu não foi localizado no momento da ocorrência.
A Informante Cláudia de Jesus Santos, à Autoridade Policial (fl. 16/17-TJ), afirmou ser genitora da Vítima e irmã
do Recorrente, relatando que, no dia dos fatos, enquanto o Ofendido se dirigia ao local de trabalho, o Réu teria
proferido ameaças de causar mal à Informante e à companheira da Vítima, J.H.S.S (Jaqueline).
Assim, o Ofendido
teria retornado à residência, para avisar Cláudia e Jaqueline, momento em que o Recorrente teria se aproximado,
surpreendendo a Vítima com golpe na cabeça. Veja-se:
Cláudia de Jesus Santos (Informante) - IP
"(...) que a depoente é genitora de C.S.S. e irmã de Alessandro de Jesus Santos; que a depoente e seu filho Claudio
moram no mesmo terreno, em casas diferentes, sendo Claudio morando na casa da frente; que Alessandro mora na
casa vizinha a da depoente; que já faz algum tempo que Alessandro vem perturbando Claudio, fazendo ameaças de
morte a Claudio; que no dia dos fatos, Claudio saiu para trabalhar e encontrou Alessandro no caminho, que o
ameaçou, dizendo que iria pegar a depoente e a esposa de Claudio; Claudio com medo retornou para casa para
avisar a depoente, que se Alessandro aparecesse, por ali, era para acionar a Polícia; que Alessandro apareceu do
nada e indagou com Claudio o porque ele iria chamar a policia; que antes mesmo de Claudio responder, foi
surpreendido com um golpe de facão na região da cabeça; que a depoente socorreu Claudio até ao HPS, e ao
retornar para casa, não encontrou mais Alessandro; (...) que não é a primeira vez que Alessandro vai a casa da
depoente de posse de um facão para tentar matar o seu filho Claudio; que a depoente não presenciou a agressão,
pois estava na sala de sua casa e o fato aconteceu na cozinha; (...)" (fls. 16/17-TJ) - Negritei.
À Autoridade Judicial (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), a Informante Cláudia de Jesus Santos relatou que teria
ocorrido discussão entre o Réu e a Vítima, em via pública, e, em seguida, o Ofendido teria se dirigido à residência,
momento em que o Recorrente teria seguido Cláudio, na posse de facão.
Consignou que, no momento em que o Recorrente teria desferido o golpe, Cláudia teria empurrado geladeira
contra o Réu, ocasião em que o facão atingiu a orelha de Cláudio. Afirmou que o Ofendido teria desmaiado, em razão
do golpe, sendo socorrido, enquanto o Recorrente teria evadido do local.
A Testemunha J.H.S.S. (Jaqueline), companheira da Vítima, à época dos fatos, narrou, à Autoridade Policial (fls.
18/19-TJ), que, no dia do ocorrido, o Ofendido teria saído para trabalhar, sendo que, logo após, Cláudio teria retornado à residência, afirmando que teria encontrado com o Recorrente, o qual afirmou que "iria
fazer algo" com J.H.S.S.
Relatou que, neste momento, o Réu teria adentrado a residência, exaltado e na posse de facão, se dirigindo ao
imóvel da genitora da Vítima, que morava na residência dos fundos. Afirmou que o Recorrente teria localizado o
Ofendido, na residência da genitora, ocasião em que Alexsandro teria desferido golpe de facão contra a cabeça de
Cláudio.
J.H.S.S. informou ter presenciado a suposta prática delitiva, afirmando que o Recorrente teria desferido golpe de
facão, enquanto a Vítima se encontrava de costas.
Esclareceu, por derradeiro, que Cláudio foi socorrido e
encaminhado ao hospital.
As Testemunhas Terezinha Teixeira dos Santos, mãe do Recorrente, e Natali Brandão de Oliveira, companheira
do Réu à época dos fatos, na fase Policial (fls. 25/26 e 28-TJ), narraram que a Vítima teria ameaçado o Recorrente,
afirmando que Cláudio teria contratado terceiro para ceifar a vida de Alexsandro.
Ademais, relatou Natali Brandão de Oliveira que, no dia do ocorrido, o Réu se encontrava jogando Dominó,
preparando-se para trabalhar, quando o Ofendido teria provocado o Recorrente, em meio à via pública.
Narrou que,
em seguida, a Vítima teria seguido o Recorrente e agredido Alexsandro com cabo de vassoura, sendo que, no
momento em que Cláudio iria desferir segundo golpe, o Réu teria se virado, na posse de facão, para impedir a
agressão, contudo, a faca teria atingido a orelha da Vítima.
Assim, considerando as provas orais e documentais analisadas, em Juízo de admissibilidade acusatório, não é
possível concluir, de forma inconteste, a intenção do Recorrente, haja vista a existência de versões divergentes sobre
os fatos.
Por outro lado, no que tange à Desistência Voluntária, prevê o art. 15 do Código Penal que o agente que,
voluntariamente, desiste de prosseguir na execução do Delito, deve responder somente pelos atos já praticados,
afastando-se, assim, a imputação da Tentativa e, consequentemente, a competência constitucional do Tribunal do
Júri, a qual se cinge aos Crimes Dolosos contra a vida.
Conforme leciona Damásio de Jesus, a Desistência Voluntária consiste em abstenção de atividade, em que o
agente cessa a prática delitiva, motivo pelo qual, essa "só ocorre antes de o agente esgotar o processo executivo,
sendo somente cabível na tentativa imperfeita ou inacabada" (in: JESUS, Damásio de. Código Penal anotado - 23 ed.
atualizada de acordo com a Lei n; 13.142/2015 - São Paulo: Saraiva, 2015, fl. 81).
Dessa forma, para configuração da Desistência Voluntária exige-se o início da execução, a não consumação do
Delito e a interferência da vontade do próprio agente.
In casu, não restou comprovado que os atos executórios tenham sido abandonados voluntariamente pelo
Recorrente, sem qualquer interferência externa e objetiva, mormente porque há notícias de que a consumação do
Delito teria sido impedida pela genitora da Vítima.
Portanto, por não haver demonstração inequívoca da Desistência Voluntária na conduta do Réu, inviável é a
pretensão de Desclassificação para Crime diverso daqueles Dolosos contra a vida, na fase de Pronúncia.
Assim, subsistindo eventual dúvida acerca da intenção do Agente, e, ainda, da configuração da Desistência
Voluntária, as teses defensivas devem ser examinadas pelo Tribunal do Júri, haja vista que o Juízo meritório, nos
Crimes Dolosos Contra a Vida, assiste exclusivamente ao Conselho de Sentença, sob pena de usurpação da
Competência Constitucional.
Destarte, afasta-se o pleito de desclassificação da conduta, devendo o Processo Criminal prosseguir, até a devida
valoração das provas pelo Tribunal do Júri, que irá dirimir as questões.
2) Da Qualificadora do Motivo Fútil (art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal).
A Procuradoria-Geral de Justiça, em Parecer (fls. 141/143-TJ), manifestou pelo decote da Qualificadora do Motivo
Fútil (art. 121, §2º, II, do Código Penal).
Com razão.
Destaca-se que as Qualificadoras dos Crimes Dolosos contra a Vida só devem ser afastadas da apreciação do
Conselho de Sentença quando manifestamente improcedentes e dissociadas do conjunto probatório coligido, sob
pena de usurpação de competência.
O Motivo Fútil (art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal), conforme destaca Damásio de Jesus, "é o insignificante,
apresentando desproporção entre o crime e sua causa moral" (in: in: JESUS, Damásio de. Código Penal anotado - 23
ed. atualizada de acordo com a Lei n; 13.142/2015 - São Paulo: Saraiva, 2015, fl. 493).
In casu, verifica-se que o Réu teria desferido golpe de facão em desfavor da Vítima, em contexto de desavença
familiar, porquanto o Recorrente teria emprestado imóvel para o Ofendido residir, contudo, ao solicitar a residência,
Cláudio teria se negado a desocupar o imóvel, permanecendo no local.
Ressai que o Recorrente, em ambas as fases da persecução penal (fls. 21/23-TJ e Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ),
afirmou que o genitor, ao falecer, teria deixado a Alexsandro imóvel, localizado na Cidade de Nanuque. Relatou que,
ao se mudar para a zona rural, o Ofendido teria solicitado ao Réu para que residisse no imóvel com a companheira,
ocasião em que o Recorrente atendeu ao pedido.
Contudo, ao retornar para a Cidade de Nanuque, o Réu teria informado à Vítima que necessitava da residência
para moradia, motivo pelo qual teria pedido a Cláudio que desocupasse o imóvel, o que foi negado pelo Ofendido.
A Vítima C.S.S., em Juízo (Mídia Audiovisual, fl. 91-TJ), afirmou que os fatos em questão estavam relacionados à
discussão sobre o imóvel, todavia afirmou não ter conhecimento de que a residência pertencia ao tio Alexsandro de
Jesus Santos, ora Recorrente.
A genitora do Recorrente Terezinha Teixeira dos Santos e a irmã do Réu Patrícia de Jesus Santos, à Autoridade
Policial (fls. 25/26 e 29/30-TJ), afirmaram que o Réu teria emprestado o imóvel que lhe pertencia para o Ofendido,
contudo, ao retornar para o perímetro urbano, Cláudio teria se recusado a desocupar a residência. Consignaram,
ainda, que a Vítima, em razão da discussão relacionada ao imóvel, teria ameaçado o Recorrente.
Assim, verifica-se que a motivação do Delito seria a desavença prévia em relação à ocupação do imóvel, em tese,
pertencente ao Recorrente, em que o Ofendido residia, o que, considerando-se as circunstâncias fáticas e contexto da
prática delitiva, afasta a suposta insignificância e desproporcionalidade da conduta do agente.
Isso porque o motivo do Delito, conforme se depreende do conjunto probatório, não seria banal e insignificante, de
forma a evidenciar maior reprovabilidade da conduta, a fim de justificar a incidência da qualificadora do Motivo Fútil.
Dessa forma, apontando as provas (orais e documentais) para a manifesta inocorrência do Motivo Fútil, deve a
Qualificadora (art. 121, §2º, II, do Código Penal) ser decotada, porquanto manifestamente improcedente, conforme
dispõe a Súmula 64 deste Tribunal de Justiça (Precedentes: TJMG, Recurso em Sentido Estrito 1.0278.17.006139-
6/001, Relatora: Des.(a) Maria Luíza de Marilac, 3ª Câmara Criminal, julgado em 02.02.2021).
Por tais fundamentos, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito, para afastar a Qualificadora
prevista no art. 121, §2º, II, do CP, mantendo a pronúncia de Alexsandro de Jesus Santos como incurso nas sanções
do art. 121, §2º, IV c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.
É como voto.
DES. FRANKLIN HIGINO -
De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL - De acordo com o(a) Relator(a).