Processo: 1.0443.13.003818-7/001
Relator: Des.(a) Furtado de Mendonça
Relator do Acordão:
Des.(a) Furtado de Mendonça
Data do Julgamento: 17/03/0020
Data da Publicação: 01/04/2020
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO -
DECISÃO DE PRONÚNCIA - AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA - IMPRONÚNCIA -
POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. - Se a prova produzida afasta o ''animus necandi'', não
havendo nos autos quaisquer indícios que apontem na direção do recorrente, deve
o mesmo ser impronunciado. REC EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0443.13.003818-7/001 -
COMARCA DE NANUQUE - RECORRENTE(S): GILSON VITÓRIO DIAS - RECORRIDO(A)(S):
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CRIMINAL do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos
julgamentos, em PROVER O RECURSO. DES. FURTADO DE MENDONÇA RELATOR. DES.
FURTADO DE MENDONÇA (RELATOR) V O T O Trata-se de Recurso em Sentido Estrito,
com suporte no art. 581-IV, do CPP, interposto por GILSON VITÓRIO DIAS, que se
insurge contra a r. sentença de fls. 429/431v, prolatada pelo MM. Juiz de
Direito da Vara Criminal da Comarca de Nanuque, que o pronunciou como incurso
nas sanções do art. 121, §2°, II e IV, do Código Penal.
Sobre os fatos, narra a denúncia que no dia 15 de novembro de
2005, aproximadamente às 23h00min, na rua Castro Alves, n° 285, bairro Vila
Esperança, na Comarca de Nanuque, especificamente na residência da vítima,
Hanilton da Silva Colares, vulgo "Niltinho", com vontade de matar,
por motivo torpe (vingança) e dificultando a defesa, por uso de surpresa e dissimulação,
efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima Valceni Barbosa dos Santos,
alvejando-a e causando lesões que foram a causa eficiente de sua morte. Segundo
consta, Hanilton efetuou os disparos por ordem de Gilson, ora recorrente, por
conta de uma dívida de R$ 6,00 (seis) reais, que a mãe da vítima possuía com
Gilson, e em face de desentendimentos gerados em razão de tal dívida.
A vítima quedou insatisfeita com a forma como o ora
recorrente teria feito a cobrança da dívida, vez que chamou a mãe da vítima de vaca,
safada, vagabunda. Assim, a vítima foi tirar satisfações com o acusado,
inclusive, chegando a agredir Gilson o "pano de um facão" (parte
diametralmente oposta à lâmina do facão), fato que redundou em desejo de
vingança por parte de Gilson e, posteriormente, no crime em comento. Ainda
segundo a exordial acusatória, no dia, hora e local do crime, a vítima se
encontrava em sua residência, com sua mãe e seu irmão, quando o segundo acusado
bateu na porta e se passou por amigo, momento em que iniciou conversa
descompromissada com a vítima e seus familiares acima.
Ato contínuo, após quebrar a resistência da vítima, com a
narrada dissimilação, de inopino, sacou a arma e efetuou os disparos,
surpreendendo a vítima e dificultando a sua defesa, tendo-a atingindo quando
estava sentada no sofá, só não efetuando outros disparos dada a intervenção da
mãe e irmão da vítima. O feito teve regular processamento e, aos 19 de dezembro
de 2018, o d. Magistrado singular pronunciou o ora recorrente pela prática do
delito previsto no art. 121, §2°, II e IV, do Código Penal.
Contra essa decisão é que se insurge a d. Defesa, razões fls.
435/436v, alegando não ter restado provada a autoria atribuída ao acusado
Gilson. Requer, portanto, a impronúncia do recorrente.
O parquet apresentou suas contrarrazões às fls. 438/443,
pugnando pela manutenção do ato fustigado. Em juízo de retratação, o decisum
vergastado foi mantido (fl. 453).
O d. Procurador de Justiça Antônio de Pádova Marchi Júnior,
fls. 461/468, manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso. É o
relatório. Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de
admissibilidade e processamento. Entendo, data venia, que o d. magistrado
singular não agiu com o brilhantismo de sempre ao pronunciar o ora recorrente
Gilson Dias. A materialidade do delito, inconteste, encontra amparo no laudo de
exumação de fls. 14/17 e na certidão de óbito de fl. 45.
No concernente à autoria, no entanto, entendo que não
restaram devidamente expostos os indícios necessários para a prolação da
decisão de pronúncia. Ainda que para a sentença de pronúncia, que julga tão
somente a admissibilidade da acusação de matéria afeta à competência do
Tribunal do Júri, baste o livre convencimento motivado acerca da existência do
crime (fato) e indícios suficientes da autoria, como bem estabelece o art. 413
do Código de Processo Penal, entendo que estes últimos não estão presentes nos
autos, e, como cediço "Quod non est in actis non est in mundo".
É que, debruçando-me detidamente sobre os autos, não pude encontrar,
no conjunto probatório carreado aos autos, elementos suficientes para a
pronúncia do ora recorrente - ou, no caso, para sua manutenção. Ouvido em
juízo, Gilson negou veementemente a prática do delito que lhe foi imputado,
acrescentando que dias antes dos fatos tivera um desentendimento com a mãe da
vítima e que acredita que por essa razão é que lhe foi atribuída a autoria do
crime.
E, bem verdade, seu depoimento não se encontra desvencilhado
do arcabouço probatório presente nos autos, mormente porque as testemunhas de
acusação ouvidas tanto em sede administrativa como judicial não foram capazes
de fornecer indícios mínimos de sua autoria, uma vez que apenas relatam que
suspeitam que Gilson tenha mandado "Niltinho" matar a vítima ou que "ouviram
dizer" ter sido ele o mandante do crime. Nesse sentido, a mãe da vítima,
Maria de Lourdes Barbosa dos Santos, quando ouvida administrativamente, relatou
com riqueza de detalhes o ocorrido. Quanto à suposta autoria atribuída ao ora
recorrente, entretanto, apenas forneceu sua convicção. Vejamos: (...)
"que, na noite de 15 de novembro do corrente ano, uma terça feira, a
depoente estava em casa por volta das 23:00 horas juntamente com seus filhos
Fabrício e Valcenir, vítima nestes autos que, naquela hora alguém bateu na
porta e Valdenir levantou abrindo a mesma; que, assistiam um filme naquele
momento; que, ao abrir a porta era o elemento conhecido Niltinho, e Cartorze;
que a depoente disse para seu filho não abrir a porta para ninguém, antes que a
pessoa que chamava se identificasse; que a depoente ficou surpresa com a visita
de Niltinho à sua casa naquele momento, mesmo já conhecendo o mesmo há muito
tempo, porque tal fato nunca tinha acontecido, apesar de seus filhos tem
amizade com Niltinho como disse antes; que a depoente chamou o Niltinho para
entrar dentro de casa vez que estava 'lubrinando', mas que mesmo insistindo ele
não entrou e ele passou a indagar sobre o filme que estava assistindo,
inclusive a depoente pensou que fosse algum vizinho; que o Niltinho ficou em pé
na porta com metade da cabeça olhando para o interior da casa e com as mãos
para trás; que a depoente estava sentada no sofá ao lado do seu filho e naquele
momento sem que houvesse qualquer discussão Niltinho apontou uma arma de fogo para
o seu filho disparando contra o mesmo que ainda estava sentado e voltou a
disparar novamente sendo dois disparos e naquele momento seu filho caiu no seu
colo (...) que a depoente passou a dever a pessoa de Gilsinho, dono de uma
mercearia (...) Gilsinho voltou a lhe cobrar desta feita com muito desaforo,
lhe chamando de veaca, safada (...) que seu filho Valcenir tomou conhecimento
do tratamento dispensado por Gilsinho à depoente e foi lá pagou o Gilsinho, mas
houve uma discussão entre ambos, na qual seu filho armado com um facão deu umas
panadas em Gilson (...) que não houve ameaça alguma por parte do Gilsinho
contra seu filho mas a depoente o advertiu de que tomasse cuidado com Gilson,
porque ele poderia arranjar um elemento ruim para lhe matar; que esclarece a depoente
Niltinho e Gilsinho eram chegados um do outro (...) a deponete informa que
ouviu o comentário de Niltinho por uma duas ou três vezes disse para várias
pessoas ouvir de que aqueles pano de facão que Valcenir, vítima nestes autos
tinha dado em Gilsinho não ia ficar de graça por ele era muito amigo do
Gilsinho; que não lhe sobra nenhuma dúvida de que seu filho foi vítima de crime
pistolagem a mando do Gilsinho (...) sic - fls. 10/11 (destacado). Em juízo,
Maria de Lourdes ratificou as declarações prestadas e acresceu que no momento
dos fatos indagou ao corréu Hanilton quem é que teria lhe mandado cometer o
delito, se teria sido Gilson, sendo que "Niltinho" assumiu toda a
culpa. Disse ainda que "todo mundo tem suspeita" de que Gilson foi o
mandante do crime (fl. 424).
O irmão da vítima, Fabrício Barbosa dos Santos, quando ouvido
na delegacia de polícia, prestou uníssona declaração quanto aos deslindes do
caso, acrescentando, no concernente à possível participação do ora recorrente,
o que se segue: (...) "há uns quinze dias atrás o Gilsinho cobrou de sua
mãe desta feita com desaforo dizendo que ela era uma veia safada, veaca, e que
podia tomar vergonha na cara e lhe pagar; que seu irmão tomou conhecimento da
humilhação e desaforo que Gilson fez com sua mãe; houve um desentendimento com
o mesmo no qual seu irmão de uns pano de facão em Gilson, mas sem maiores
consequências; que depois dos desentendimentos que houve o Gilson e nem o
Niltinho ameaçavam diretamente ao seu irmão; que depois da morte do seu irmão é
que ouviu comentários de que o Niltinho teria dito que aqueles pano de facão
que seu irmão tinha dado no amigo dele não ia ficar de graça; (...) que afirma
o depoente que Gilsinho tem participação na morte do seu irmão, não podendo
afirmar de que jeito, se pagando, comprando arma para o mesmo (...) sic - fl.
12/v (destacado). De igual modo, a testemunha Júlio Gonçalves, ouvida
exclusivamente perante a autoridade policial, informou que não presenciou os
fatos e que somente ouviu dizer que o ora recorrente teria ceifado a vida da
vítima: (...) "estava na rua da sua casa, por volta das 23:00 horas e
escutou alguns tiros; que logo em seguida viu que a pessoa conhecida 'por
Niltinho' passou correndo; que antes Niltinho comentou que ia matar um cara no
bairro da Vila Esperança, isto naquela rua; que segundo tomou conhecimento o
revólver foi emprestado por 'Luquinha', morador perto do campinho do bairro
UDR; que por sua vez emprestou o tal revólver para 'Niltinho'; que segundo
tomou conhecimento que a morte da pessoa teria sido encomenda por 'Gilsinho',
proprietário de uma mercearia (...) e que foi por vingança por causa de dívida;
que esclarece o depoente que na noite do crime Niltinho foi na casa da vítima e
tomou café com ela, e estava assistindo um filme, que afirma mais uma vez que
no dia Niltinho comentou com o depoente que ia matar uma pessoa naquela noite e
naquele bairro; que depois do homicídio o depoente nunca mais viu o Niltinho
achando que ele está foragido de Nanuque (...) Niltinho antes de matar a vítima
tomou café sentado no sofá da sala; que na gíria do povo 'foi Gilsinho quem
mandou Niltinho passar o rato na vítima'; que Niltinho comentou para várias
pessoas que ia matar a vítima" (...) sic - fl. 21/v (destaquei). Vejo que
o supracitado depoimento baseia-se apenas em "achismos" e "ouvi
dizer", sendo certo que referida testemunha não presenciou os fatos,
circunstância essa observada pelo relato de que o executor do crime teria
tomado café com a vítima instantes antes de cometer o delito, o que sequer foi
relatado pela mãe ou pelo irmão do falecido. De mais a mais, os policiais
militares ouvidos em juízo, Jalmir Pereira Figueiredo, à fl. 375, e Carlos
Roberto Alves de Oliveira, à fl. 376, são firmes ao dizer que não se recordam
de moradores terem informado que Gilson foi o autor do delito, sendo que essa
informação teria partido da família de Valcenir. Acrescem que havia boatos
quanto à participação de Gilson mas que, no meio policial, não tomaram
conhecimento de relatos nesse sentido. Ora, quer me parecer que mesmo depois da
oitiva de diversas testemunhas, tanto de defesa quanto de acusação, não foi
possível colher indícios hábeis para a pronúncia do ora recorrente, já que não
há nos autos uma única pessoa que indique ter sido ele autor ou coautor do delito.
Há, apenas e tão somente, relatos, suposições ou meras
suspeitas quanto ao seu envolvimento.
Alegar que Gilson Dias teria encorajado, estimulado ou mesmo
mandado Hanilton ceifar a vida da vítima, além de incongruente com os
depoimentos colhidos, já que a mãe da vítima afirmou que Gilson não ameaçou
Valcenir e que o irmão deste disse não ter presenciado discussões pretéritas,
seria banalizar o princípio in dubio pro societate que vigora nesta fase
processual, já que indubitavelmente para a pronúncia se exige mais do que meras
conjecturas.
Neste sentido leciona Fernando Capez: "É uma decisão de
rejeição da imputação para o julgamento perante o Tribunal do Júri, porque o
juiz não se convenceu da existência do fato ou de indícios suficientes de
autoria ou de participação. Nesse caso, a acusação não reúne elementos mínimos
sequer para ser discutidos. Não se vislumbra nem o fumus boni iuris, ou seja, a
probabilidade de sucesso na pretensão punitiva." (CAPEZ, 2012, P. 209).
Não se ignora aqui o fato de que Gilson possa de fato ter uma amizade de longa
data com o acusado Hanilton, executor assumido dos disparos, ou ainda que seu
atrito com a vítima possa ter deixado mágoas, mas isso não basta para uma
sentença de pronúncia. Os relatos dos familiares de que Gilson foi o mandante
do crime de homicídio, de toda sorte, não encontram amparo nos demais elementos
colhidos e juntados aos autos, pelo que tal versão não merece prosperar, embora
não seja possível atestar sua invalidade.
Por tudo isso, não se descarta que possa o recorrente ter, de
algum modo, concorrido para o crime, conforme versão ministerial. Mas nada há,
absolutamente nada, minimamente sólido, no arcabouço probatório, que se preste
a transformar esta suposição em um indício, como necessário para um decreto de
pronúncia.
De mais a mais, reforço que não se está aqui a suprimir a
competência constitucional do Tribunal do Júri para decidir pela condenação ou
pela absolvição de um acusado de crime doloso contra a vida. Todavia, somente
poderá ocorrer a sentença de pronúncia quando, a teor do Código de Processo
Penal, existirem indícios mínimos de autoria.
Por todo o exposto entendo que razão assiste à combativa
defesa no referente ao pedido de impronúncia, sem prejuízo, no entanto, de,
caso surjam novas provas, ser o recorrente futuramente pronunciado pelo
cometimento do crime narrado na exordial acusatória, com a submissão a
julgamento popular. Sendo assim e por tudo mais que dos autos consta, DOU
PROVIMENTO AO RECURSO defensivo para impronunciar o recorrente Gilson Vitório
Dias. Sem custas. DES. JAUBERT CARNEIRO JAQUES - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. BRUNO TERRA DIAS - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "RECURSO
PROVIDO."
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