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quinta-feira, 15 de outubro de 2020

HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA - IMPRONÚNCIA - RECURSO PROVIDO

 

Processo: 1.0443.13.003818-7/001

Relator: Des.(a) Furtado de Mendonça

 Relator do Acordão: Des.(a) Furtado de Mendonça

Data do Julgamento: 17/03/0020

Data da Publicação: 01/04/2020

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA - IMPRONÚNCIA - POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. - Se a prova produzida afasta o ''animus necandi'', não havendo nos autos quaisquer indícios que apontem na direção do recorrente, deve o mesmo ser impronunciado. REC EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0443.13.003818-7/001 - COMARCA DE NANUQUE - RECORRENTE(S): GILSON VITÓRIO DIAS - RECORRIDO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em PROVER O RECURSO. DES. FURTADO DE MENDONÇA RELATOR. DES. FURTADO DE MENDONÇA (RELATOR) V O T O Trata-se de Recurso em Sentido Estrito, com suporte no art. 581-IV, do CPP, interposto por GILSON VITÓRIO DIAS, que se insurge contra a r. sentença de fls. 429/431v, prolatada pelo MM. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Nanuque, que o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, §2°, II e IV, do Código Penal.

Sobre os fatos, narra a denúncia que no dia 15 de novembro de 2005, aproximadamente às 23h00min, na rua Castro Alves, n° 285, bairro Vila Esperança, na Comarca de Nanuque, especificamente na residência da vítima, Hanilton da Silva Colares, vulgo "Niltinho", com vontade de matar, por motivo torpe (vingança) e dificultando a defesa, por uso de surpresa e dissimulação, efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima Valceni Barbosa dos Santos, alvejando-a e causando lesões que foram a causa eficiente de sua morte. Segundo consta, Hanilton efetuou os disparos por ordem de Gilson, ora recorrente, por conta de uma dívida de R$ 6,00 (seis) reais, que a mãe da vítima possuía com Gilson, e em face de desentendimentos gerados em razão de tal dívida.

A vítima quedou insatisfeita com a forma como o ora recorrente teria feito a cobrança da dívida, vez que chamou a mãe da vítima de vaca, safada, vagabunda. Assim, a vítima foi tirar satisfações com o acusado, inclusive, chegando a agredir Gilson o "pano de um facão" (parte diametralmente oposta à lâmina do facão), fato que redundou em desejo de vingança por parte de Gilson e, posteriormente, no crime em comento. Ainda segundo a exordial acusatória, no dia, hora e local do crime, a vítima se encontrava em sua residência, com sua mãe e seu irmão, quando o segundo acusado bateu na porta e se passou por amigo, momento em que iniciou conversa descompromissada com a vítima e seus familiares acima.

Ato contínuo, após quebrar a resistência da vítima, com a narrada dissimilação, de inopino, sacou a arma e efetuou os disparos, surpreendendo a vítima e dificultando a sua defesa, tendo-a atingindo quando estava sentada no sofá, só não efetuando outros disparos dada a intervenção da mãe e irmão da vítima. O feito teve regular processamento e, aos 19 de dezembro de 2018, o d. Magistrado singular pronunciou o ora recorrente pela prática do delito previsto no art. 121, §2°, II e IV, do Código Penal.

Contra essa decisão é que se insurge a d. Defesa, razões fls. 435/436v, alegando não ter restado provada a autoria atribuída ao acusado Gilson. Requer, portanto, a impronúncia do recorrente.

O parquet apresentou suas contrarrazões às fls. 438/443, pugnando pela manutenção do ato fustigado. Em juízo de retratação, o decisum vergastado foi mantido (fl. 453).

O d. Procurador de Justiça Antônio de Pádova Marchi Júnior, fls. 461/468, manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso. É o relatório. Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento. Entendo, data venia, que o d. magistrado singular não agiu com o brilhantismo de sempre ao pronunciar o ora recorrente Gilson Dias. A materialidade do delito, inconteste, encontra amparo no laudo de exumação de fls. 14/17 e na certidão de óbito de fl. 45.

No concernente à autoria, no entanto, entendo que não restaram devidamente expostos os indícios necessários para a prolação da decisão de pronúncia. Ainda que para a sentença de pronúncia, que julga tão somente a admissibilidade da acusação de matéria afeta à competência do Tribunal do Júri, baste o livre convencimento motivado acerca da existência do crime (fato) e indícios suficientes da autoria, como bem estabelece o art. 413 do Código de Processo Penal, entendo que estes últimos não estão presentes nos autos, e, como cediço "Quod non est in actis non est in mundo".

É que, debruçando-me detidamente sobre os autos, não pude encontrar, no conjunto probatório carreado aos autos, elementos suficientes para a pronúncia do ora recorrente - ou, no caso, para sua manutenção. Ouvido em juízo, Gilson negou veementemente a prática do delito que lhe foi imputado, acrescentando que dias antes dos fatos tivera um desentendimento com a mãe da vítima e que acredita que por essa razão é que lhe foi atribuída a autoria do crime.

E, bem verdade, seu depoimento não se encontra desvencilhado do arcabouço probatório presente nos autos, mormente porque as testemunhas de acusação ouvidas tanto em sede administrativa como judicial não foram capazes de fornecer indícios mínimos de sua autoria, uma vez que apenas relatam que suspeitam que Gilson tenha mandado "Niltinho" matar a vítima ou que "ouviram dizer" ter sido ele o mandante do crime. Nesse sentido, a mãe da vítima, Maria de Lourdes Barbosa dos Santos, quando ouvida administrativamente, relatou com riqueza de detalhes o ocorrido. Quanto à suposta autoria atribuída ao ora recorrente, entretanto, apenas forneceu sua convicção. Vejamos: (...) "que, na noite de 15 de novembro do corrente ano, uma terça feira, a depoente estava em casa por volta das 23:00 horas juntamente com seus filhos Fabrício e Valcenir, vítima nestes autos que, naquela hora alguém bateu na porta e Valdenir levantou abrindo a mesma; que, assistiam um filme naquele momento; que, ao abrir a porta era o elemento conhecido Niltinho, e Cartorze; que a depoente disse para seu filho não abrir a porta para ninguém, antes que a pessoa que chamava se identificasse; que a depoente ficou surpresa com a visita de Niltinho à sua casa naquele momento, mesmo já conhecendo o mesmo há muito tempo, porque tal fato nunca tinha acontecido, apesar de seus filhos tem amizade com Niltinho como disse antes; que a depoente chamou o Niltinho para entrar dentro de casa vez que estava 'lubrinando', mas que mesmo insistindo ele não entrou e ele passou a indagar sobre o filme que estava assistindo, inclusive a depoente pensou que fosse algum vizinho; que o Niltinho ficou em pé na porta com metade da cabeça olhando para o interior da casa e com as mãos para trás; que a depoente estava sentada no sofá ao lado do seu filho e naquele momento sem que houvesse qualquer discussão Niltinho apontou uma arma de fogo para o seu filho disparando contra o mesmo que ainda estava sentado e voltou a disparar novamente sendo dois disparos e naquele momento seu filho caiu no seu colo (...) que a depoente passou a dever a pessoa de Gilsinho, dono de uma mercearia (...) Gilsinho voltou a lhe cobrar desta feita com muito desaforo, lhe chamando de veaca, safada (...) que seu filho Valcenir tomou conhecimento do tratamento dispensado por Gilsinho à depoente e foi lá pagou o Gilsinho, mas houve uma discussão entre ambos, na qual seu filho armado com um facão deu umas panadas em Gilson (...) que não houve ameaça alguma por parte do Gilsinho contra seu filho mas a depoente o advertiu de que tomasse cuidado com Gilson, porque ele poderia arranjar um elemento ruim para lhe matar; que esclarece a depoente Niltinho e Gilsinho eram chegados um do outro (...) a deponete informa que ouviu o comentário de Niltinho por uma duas ou três vezes disse para várias pessoas ouvir de que aqueles pano de facão que Valcenir, vítima nestes autos tinha dado em Gilsinho não ia ficar de graça por ele era muito amigo do Gilsinho; que não lhe sobra nenhuma dúvida de que seu filho foi vítima de crime pistolagem a mando do Gilsinho (...) sic - fls. 10/11 (destacado). Em juízo, Maria de Lourdes ratificou as declarações prestadas e acresceu que no momento dos fatos indagou ao corréu Hanilton quem é que teria lhe mandado cometer o delito, se teria sido Gilson, sendo que "Niltinho" assumiu toda a culpa. Disse ainda que "todo mundo tem suspeita" de que Gilson foi o mandante do crime (fl. 424).

O irmão da vítima, Fabrício Barbosa dos Santos, quando ouvido na delegacia de polícia, prestou uníssona declaração quanto aos deslindes do caso, acrescentando, no concernente à possível participação do ora recorrente, o que se segue: (...) "há uns quinze dias atrás o Gilsinho cobrou de sua mãe desta feita com desaforo dizendo que ela era uma veia safada, veaca, e que podia tomar vergonha na cara e lhe pagar; que seu irmão tomou conhecimento da humilhação e desaforo que Gilson fez com sua mãe; houve um desentendimento com o mesmo no qual seu irmão de uns pano de facão em Gilson, mas sem maiores consequências; que depois dos desentendimentos que houve o Gilson e nem o Niltinho ameaçavam diretamente ao seu irmão; que depois da morte do seu irmão é que ouviu comentários de que o Niltinho teria dito que aqueles pano de facão que seu irmão tinha dado no amigo dele não ia ficar de graça; (...) que afirma o depoente que Gilsinho tem participação na morte do seu irmão, não podendo afirmar de que jeito, se pagando, comprando arma para o mesmo (...) sic - fl. 12/v (destacado). De igual modo, a testemunha Júlio Gonçalves, ouvida exclusivamente perante a autoridade policial, informou que não presenciou os fatos e que somente ouviu dizer que o ora recorrente teria ceifado a vida da vítima: (...) "estava na rua da sua casa, por volta das 23:00 horas e escutou alguns tiros; que logo em seguida viu que a pessoa conhecida 'por Niltinho' passou correndo; que antes Niltinho comentou que ia matar um cara no bairro da Vila Esperança, isto naquela rua; que segundo tomou conhecimento o revólver foi emprestado por 'Luquinha', morador perto do campinho do bairro UDR; que por sua vez emprestou o tal revólver para 'Niltinho'; que segundo tomou conhecimento que a morte da pessoa teria sido encomenda por 'Gilsinho', proprietário de uma mercearia (...) e que foi por vingança por causa de dívida; que esclarece o depoente que na noite do crime Niltinho foi na casa da vítima e tomou café com ela, e estava assistindo um filme, que afirma mais uma vez que no dia Niltinho comentou com o depoente que ia matar uma pessoa naquela noite e naquele bairro; que depois do homicídio o depoente nunca mais viu o Niltinho achando que ele está foragido de Nanuque (...) Niltinho antes de matar a vítima tomou café sentado no sofá da sala; que na gíria do povo 'foi Gilsinho quem mandou Niltinho passar o rato na vítima'; que Niltinho comentou para várias pessoas que ia matar a vítima" (...) sic - fl. 21/v (destaquei). Vejo que o supracitado depoimento baseia-se apenas em "achismos" e "ouvi dizer", sendo certo que referida testemunha não presenciou os fatos, circunstância essa observada pelo relato de que o executor do crime teria tomado café com a vítima instantes antes de cometer o delito, o que sequer foi relatado pela mãe ou pelo irmão do falecido. De mais a mais, os policiais militares ouvidos em juízo, Jalmir Pereira Figueiredo, à fl. 375, e Carlos Roberto Alves de Oliveira, à fl. 376, são firmes ao dizer que não se recordam de moradores terem informado que Gilson foi o autor do delito, sendo que essa informação teria partido da família de Valcenir. Acrescem que havia boatos quanto à participação de Gilson mas que, no meio policial, não tomaram conhecimento de relatos nesse sentido. Ora, quer me parecer que mesmo depois da oitiva de diversas testemunhas, tanto de defesa quanto de acusação, não foi possível colher indícios hábeis para a pronúncia do ora recorrente, já que não há nos autos uma única pessoa que indique ter sido ele autor ou coautor do delito.

Há, apenas e tão somente, relatos, suposições ou meras suspeitas quanto ao seu envolvimento.

Alegar que Gilson Dias teria encorajado, estimulado ou mesmo mandado Hanilton ceifar a vida da vítima, além de incongruente com os depoimentos colhidos, já que a mãe da vítima afirmou que Gilson não ameaçou Valcenir e que o irmão deste disse não ter presenciado discussões pretéritas, seria banalizar o princípio in dubio pro societate que vigora nesta fase processual, já que indubitavelmente para a pronúncia se exige mais do que meras conjecturas.

Neste sentido leciona Fernando Capez: "É uma decisão de rejeição da imputação para o julgamento perante o Tribunal do Júri, porque o juiz não se convenceu da existência do fato ou de indícios suficientes de autoria ou de participação. Nesse caso, a acusação não reúne elementos mínimos sequer para ser discutidos. Não se vislumbra nem o fumus boni iuris, ou seja, a probabilidade de sucesso na pretensão punitiva." (CAPEZ, 2012, P. 209). Não se ignora aqui o fato de que Gilson possa de fato ter uma amizade de longa data com o acusado Hanilton, executor assumido dos disparos, ou ainda que seu atrito com a vítima possa ter deixado mágoas, mas isso não basta para uma sentença de pronúncia. Os relatos dos familiares de que Gilson foi o mandante do crime de homicídio, de toda sorte, não encontram amparo nos demais elementos colhidos e juntados aos autos, pelo que tal versão não merece prosperar, embora não seja possível atestar sua invalidade.

Por tudo isso, não se descarta que possa o recorrente ter, de algum modo, concorrido para o crime, conforme versão ministerial. Mas nada há, absolutamente nada, minimamente sólido, no arcabouço probatório, que se preste a transformar esta suposição em um indício, como necessário para um decreto de pronúncia.

De mais a mais, reforço que não se está aqui a suprimir a competência constitucional do Tribunal do Júri para decidir pela condenação ou pela absolvição de um acusado de crime doloso contra a vida. Todavia, somente poderá ocorrer a sentença de pronúncia quando, a teor do Código de Processo Penal, existirem indícios mínimos de autoria.

Por todo o exposto entendo que razão assiste à combativa defesa no referente ao pedido de impronúncia, sem prejuízo, no entanto, de, caso surjam novas provas, ser o recorrente futuramente pronunciado pelo cometimento do crime narrado na exordial acusatória, com a submissão a julgamento popular. Sendo assim e por tudo mais que dos autos consta, DOU PROVIMENTO AO RECURSO defensivo para impronunciar o recorrente Gilson Vitório Dias. Sem custas. DES. JAUBERT CARNEIRO JAQUES - De acordo com o(a) Relator(a). DES. BRUNO TERRA DIAS - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "RECURSO PROVIDO."

 

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