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terça-feira, 27 de outubro de 2020

TRÁFICO DE ENTORPECENTES - AUTORIA DUVIDOSA - ABSOLVIÇÃO

 Processo: 1.0443.17.002146-5/001

 Relator: Des.(a) Corrêa Camargo 

Relator do Acordão: Des.(a) Corrêa Camargo 

Data do Julgamento: 21/10/0020 Data da Publicação: 27/10/2020 

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - AUTORIA DUVIDOSA -- VERSÃO ACUSATÓRIA NÃO CORROBORADA PELOS ELEMENTOS DE PROVA PRODUZIDOS NOS AUTOS - ABSOLVIÇÃO - RECURSO PROVIDO. - Não passando de mera suspeita a imputação do crime à acusada, não tendo o Ministério Público se desincumbido de provar a sua autoria em relação à empreitada delituosa, a absolvição é medida de rigor. - Recurso provido. 

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0443.17.002146-5/001 - COMARCA DE NANUQUE - APELANTE(S): VALDELICE LACERDA DA SILVA - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO. DES. CORRÊA CAMARGO RELATOR. DES. CORRÊA CAMARGO (RELATOR) 

V O T O Trata-se de apelação criminal, interposta por Valdenice Lacerda da Silva, já que irresignada com a r. sentença de ff. 120-125, que julgou procedente a pretensão exordial e o condenou como incurso nas sanções do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, às penas de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, estes na razão de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. A apelante, em suas razões recursais, ofertadas às ff. 134-136, pleiteou a absolvição, ao argumento de que não comprovada a autoria delitiva. O apelado, por seu turno, apresentou contrarrazões às ff. 138-149, rebatendo as teses apresentadas e requerendo o não provimento do recurso aviado. Instada a se manifestar, a Procuradoria de Justiça opinou, às ff. 154-157, pelo não provimento do apelo. É o relatório, Passa-se à decisão: O recurso é próprio e tempestivo, motivo pelo qual dele conheço. Para contextualizar, eis os fatos narrados na exordial acusatória: "(...) no dia 14 de maio de 2017, por volta das 23h25min, na Praça Carlos Chagas, altura do n°. 09, centro, nesta cidade, VALDELICE LACERDA DA SILVA, de forma livre e consciente, tinha em depósito drogas. para a venda, mais precisamente, 11 (onze) porções da droga identificada como cocaína, pesando aproximadamente 10,3g, tudo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Segundo o apurado, a Policia Militar vinha recebendo denúncias anônimas que apontavam a denunciada como envolvida no tráfico e que, inclusive, utilizava-se do Trailer Altas Horas onde trabalhava para desempenhar sua atividade ilícita, oportunidade em que foram informados que as drogas estariam sendo acondicionadas no jardim externo do Hotel Petrus. Diante de tais informações, os policiais militares montaram uma campana em ponto estratégico e flagraram o exato momento em que a denunciada Valdelice deslocou-se até o jardim do Hotel Petrus e deixou algo aos pés de um coqueiro, retornando, em seguida, ao trailer. 

Na sequência, os policiais integrantes da guarnição foram até o local e lograram localizar e apreender a droga ali deixada pela denunciada, constatando-se a ocorrência do tráfico, o que resultou em sua prisão.

 Frise-se que os trabalhos investigativos da Polícia Civil também constataram a ocorrência do tráfico de drogas levado a efeito pela denunciada em conluio com terceiras pessoas, sendo certo que a ação aqui narrada visava evitar o estado de flagrância em caso de busca no seu ponto comercial. 

(...)" É o que, nos termos já relatados, ensejou a condenação e, por desdobramento, a interposição do presente inconformismo. Pois bem. A materialidade delitiva do crime de tráfico de drogas restou demonstrada nos autos pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito de ff. 02-09, pelo Boletim de Ocorrência de ff. 12-15, pelo Exames Preliminares de Constatação de Drogas de f. 18, pelo auto de apreensão de f. 21, pelo Laudo Químico-toxicológico definitivo de f. 106 e pela prova testemunhal produzida. Já para alinhavar a autoria, destaca-se: 

 A ré, Valdelice Lacerda da Silva, quando ouvida na fase policial (f. 08), negou os fatos narrados na denúncia, ao afirmar: 

"(...) Acerca dos fatos narrados no Reds. n°.2017-010088717-001, a declarante tem a dizer o seguinte: Que a declarante é proprietária do trailer denominado Altas Horas. localizado na Praça Carlos Chagas: Que na data de ontem a declarante estava no trailer com suas duas filhas: Que por volta das 22h00min. se dirigiu até o bar de PAULINHO, na Avenida Belo Horizonte. para ver ser tinha cerveja para vender; Que ao perceber que o bar estava fechado. voltou para o trailer: Que a declarante percebeu a presença da viatura próximo ao trailer: Que os três policiais desceram da viatura, então a declarante perguntou se era alguma coisa, tendo eles respondido que não: Que os policias começaram a vasculhar o local e atravessaram a rua e a declarante ficou sentada no trailer: Que após a varredura dois dos policiais seguiram a pé em direção a Avenida Belo Horizonte: Que após fazerem varredura no jardim do Hotel Petrus, retornaram e deram voz de prisão á declarante. alegando que tinha achado droga no jardim e que a droga pertencia a declarante; Que os policiais disseram que haviam recebido várias denuncias de que a declarante e seu esposo Tarcísio estavam vendendo drogas no trailer: Que os policiais perguntaram a declarante se tinha drogas no interior do Trailer. tendo esta respondido que não; Que os policiais deram busca no trailer, mas nada de ilícito foi encontrado; Que a declarante afirma que para chegar até o trailer, passou no jardim em frente av. Hotel Petrus, onde foi localizada a droga, mas esclarece que não foi ela quem deixou a droga no pé de coqueiro; Que não percebeu se alguém chegou naquele local e deixou algo; (...)"

Em seu interrogatório, em mídia anexa, à f. 100, a acusada voltou a negar qualquer envolvimento com a prática delitiva. Na oportunidade, alegou que a prática do crime lhe está sendo imputada em virtude de seu marido já ser conhecido no meio policial como contumaz em delitos afetos ao tráfico de drogas. Narrou que no momento dos fatos ela estava retornando de um bar, onde havia ido adquirir algumas cervejas, e que acreditou que a abordagem policial fosse em virtude de seu trailer não ter alvará de funcionamento, o que, segundo ela, ocasiona frequentes abordagens de agentes públicos. Alegou, ainda, que os policiais militares não apreenderam as drogas em sua propriedade e, embora houvesse outras pessoas no local, não chamaram ninguém para acompanhar as buscas que culminaram na apreensão dos entorpecentes. A testemunha Amanda dos Santos Adriano, afirmou que frequenta o trailer da acusada há 02 (dois) anos e não tem ciência de seu envolvimento com o tráfico de drogas. Alegou, ainda, que estava no local no dia dos fatos e não viu as drogas arrecadas pelos militares, eis que eles não as exibiram para nenhum dos presentes (mídia anexa à f. 100). A testemunha Jedson Pinheiro de Jesus, afirmou que frequenta o trailer da acusada há 05 (cinco) anos e estava presente no dia dos fatos. Alegou que quando chegou no local os policiais já estavam lá, não presenciando o momento em que os entorpecentes foram arrecadados. Ressaltou que nunca presenciou outra abordagem policial no local, e não sabe dizer se a acusada se utilizava de seu trailer para comercializar drogas (mídia anexa à f. 100). A testemunha Eliana Maria de Jesus Santos, por sua vez, afirmou que não presenciou os fatos narrados na denúncia, se limitando a fazer considerações acerca da vida pregressa da acusada. As demais provas produzidas ao longo da instrução referem-se aos depoimentos dos policiais que participaram da prisão em flagrante da acusada; que, contudo não estabeleceram qualquer ligação concreta entre a ré e as drogas apreendidas, uma vez que não teriam-na visto, efetivamente comercializando os entorpecentes, tampouco dispensando-os ou escondendo-os no local em que encontrados. Neste sentido, o policial militar condutor do flagrante, Geovane Braz de Souza, afirmou em sede policial, à f. 02:

"(...) Acerca dos fatos narrados no Reds. n.2017-010088717-001. o declarante tem a dizer o seguinte: Que nesta data se encontrava de serviço, juntamente com Sgt Carlos e Sd Dutra , quando receberam várias informações que Valdelice Lacerda da Silva e seu amásio TARCISIO estariam traficando drogas no trayler denominado "Altas Horas" e que o referido estabelecimento comercial pertence ao casal: Que segundo a denúncia uma "carga" com drogas ficava escondida no jardim do lado de fora do hotel Petrus; Que diante das informações montaram uma campana em um local estratégico, quando em alguns minutos visualizaram uma pessoa do sexo feminino com estatura mediana. magra, morena, cabelos pretos e longos, trajando calça moletom cor Cinza e blusa de moletom cor preta identificada posteriormente como a denunciada Vadelice Lacerda da Silva, tendo esta colocado algo ao pés de um coqueiro localizado no jardim do referido hotel, e depois retomou ao trayler Altas Horas; Que foram ao local onde ela havia escondido algo, momento em que o declarante localizou entre os pés do coqueiro uma sacola plástica na cor preta contendo 11 (onze) papelotes com substância semelhante a cocaína prontas para o comércio; Que durante a varredura no referido jardim o Sd Dutra, que ficou ao lado do trayler, percebeu que a autora Valdelice estava nervosa e olhava constantemente na direção do declarante e do Sgt Carlos: Que o Sgt Carlos perguntou a Valdelice se havia algo ilicitodentro do trayler, tendo ela respondido que não e autorização a entrada dos policiais no interior do trailer; Que foi realizado busca no interior e mais da de iiicito encontrado, as buscas foram acompanhadas pelo funcionário da trayler ANTONIO ARLOS RIBEIRO: Que diante do exposto deram voz de prisão a autora Valdelice, por tráfico ilícita de drogas a qual foi conduzida a esta delegacia juntamente com a droga arrecadada; Que Tarcísio já fora preso em data pretérita por envolvimento ao trafico ilícito de drogas; Que a testemunha Antônio não foi trazido para esta Delegacia, uma vez que não foi encontrado nada de ilícito no interior do trailer. (...)"

Em juízo, Geovane reafirmou como se deu a dinâmica dos fatos, ressaltando que encontrou as drogas em um canteiro do hotel que fica próximo ao local onde estava o trailer da acusada. Destacou, por fim, que a ação dos militares foi motivada por uma denúncia anônima dando conta que a acusada estava traficando no local. No mesmo sentido foram as declarações dos também policiais militares Charles Dutra Carneiro e Carlos Roberto Alves de Oliveira, às ff. 04-05 e 06-07 e em mídia anexa à f. 100. Diante de tais elementos, com a devida venia ao d. Sentenciante, conclui-se que o acervo probatório não é suficiente para erigir um juízo de certeza, devendo o princípio in dubio pro reo socorrer a acusada. Isso porque tudo o que se tem contra a ré é o fato de que a sua abordagem teria se dado após as supostas informações de que estaria ela comercializando substâncias entorpecentes em seu trailer, não tendo, ainda, surgido qualquer elemento que corroborasse tais informações. Não se esclareceu de onde partira a suposta denúncia, tampouco quem a fizera. Suponha-se que tivesse partido de um desafeto ou inimigo da acusada, visando prejudicá-la; seria o suficiente para condenação por tão grave crime? Assim, com relação aos depoimentos prestados pelos policiais, embora não furte a lei sua validade, no bojo dos presentes autos devem ser vistos com bastante cautela e reserva e, já que absolutamente genéricos e nada reveladores, devem ser descaracterizados como prova. Neste sentido, vale transcrever:


"Tóxico. Art. 12 e 18, I, da Lei 6368/76. Policiais. Depoimento. Validade. - "O depoimento prestado por policiais deve ser avaliado com reservas, em face do interesse que possuem em demonstrar a eficiência e legitimidade da investigação que empreenderam. Em face de a condenação ter sido fundada apenas nos depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão, patente a falta de robustez da prova coligida no sentido de embasar a condenação da ré, não restando clara e induvidosa a sua participação nos fatos criminosos" (TRF 4ª R. - 2.ª T. AP 96.04.51305-2 - Rel. Edgard Lippmann Jr. - j. 22.11.1996 - RJ 234/146).


Na mesma quadra, anota a doutrina: 


"(...) Os policiais não estão impedidos de depor, pois não podem ser considerados testemunhas inidôneas ou suspeitas, pela mera condição funcional. Contudo, embora não suspeitos, têm eles todo o interesse em demonstrar a legitimidade do trabalho realizado, o que torna bem relativo o valor de suas palavras. Por mais honesto e correto que seja o policial, se participou da diligência, servindo de testemunha, no fundo estará sempre procurando legitimar a sua própria conduta, o que juridicamente não é admissível. Necessário, portanto, que seus depoimentos sejam corroborados por testemunhas estranhas aos quadros policiais. Assim, em regra, trata-se de uma prova a ser recebida com reservas, ressalvando-lhe sempre a liberdade de o juiz, dependendo do caso concreto, conferir-lhe valor de acordo com sua liberdade de convicção..." (CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 296.).  


Ressalta-se que as drogas foram encontradas próximas a um hotel, local de grande circulação de pessoas, sendo plenamente possível que os entorpecentes tivessem sido deixados ali por outra pessoa que não a acusada.


Logo, na verdade não existe nos autos prova firme, forte e clara a ensejar um decreto de cunho condenatório contra a apelante. Desta forma, apesar de reconhecer ser até possível que a acusada tenha praticado o fato narrado na denúncia, não há a certeza necessária para um decreto condenatório. Diante de tudo o que consta dos autos, a solução mais acertada é absolver a ré, forte na aplicação do princípio in dubio pro reo. 

 DA CONCLUSÃO. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para absolver a apelante Valdelice Lacerda da Silva formulada na denúncia, na forma do art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Deixa-se de determinar a expedição do competente alvará de soltura por se verificar que foi concedido à apelante o direito de recorrer da r. Sentença condenatória em liberdade. 

 Sem custas. É como voto. 

DESA. VALÉRIA RODRIGUES QUEIROZ (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a). 

DES. EDUARDO BRUM - De acordo com o(a) Relator(a). 

 SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"



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