Consultor Jurídico

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

POLICIAL CÍVIL - DESVIO DE FUNÇÃO - INDENIZAÇÃO - MORTE DENTRO DA CADEIA - RESPONSABILIDADE ESTADO


SENTENÇA

I - RELATÓRIO 

        Cuida-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA ajuizada por RODRIGO LIMA DE SOUZA em face do ESTADO DE MINAS GERAIS qualificados, sob alegação de que é filho de Robson Souza, investigador da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, morto no dia 09 de abril de 2005, nas dependências da Cadeia Pública. Sustenta que seu genitor era lotado na Delegacia de Polícia Civil nesta Comarca, mas era designado para fazer a “carceragem” na cadeia pública deste Município, em desvio de função e sem qualquer treinamento para a função desempenhada. Afirma que o local em questão era guarnecido por dois policiais civis que ficavam dentro da Cadeia e outros dois que ficavam pelo lado de fora, mas somente na parte da frente, ao passo que os fundos da cadeia pública ficava desguarnecida. Esclarece que no dia 09 de abril de 2005, os autores do homicídio adentraram na cadeia pública com intuito de resgatar alguns presos, momento em que renderam o genitor do autor, que olhou para trás e foi alvejado pelos agentes. Aduz que os criminosos adentraram no local sem que ninguém percebesse, ante as péssimas condições de segurança do local.
Argumenta que o Estado de Minas Gerais tem culpa exclusiva pelo evento danoso, devendo indenizar pelos sofridos, ressaltando que Intimados, somente o Estado de Minas Gerais manifestou-se nos autos e pelo julgamento antecipado do mérito, f. 168. É o relatório. Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A parte requerida sustentou como preliminar a prescrição. Nos termos do artigo 206, §3º, inciso V do Código Civil, a pretensão por reparação civil prescreve em três anos. Por outro lado, o artigo 1º do Decreto-Lei 20.910/32 prevê que o prazo prescricional de todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Estadual, seja qual for a natureza, prescreve em cinco anos, in verbis: Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. Vale ressaltar que, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 1251993/PR, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a tese de que a responsabilidade da Administração Pública é regida pelo prazo quinquenal do artigo 1º do Decreto 20.910/32, não sendo aplicável o artigo 206, §3º, V, do Código Civil. Segue ementa:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ARTIGO 543- C DO CPC). RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. Aline Gomes dos Santos Silva Juíza de Direito 3 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS COMARCA DE NANUQUE 2ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E DA VEP Autos nº: 0443.15.004200-2 AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL (ART. 1º DO DECRETO 20.910/32) X PRAZO TRIENAL (ART. 206, § 3º, V, DO CC). PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL. ORIENTAÇÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A controvérsia do presente recurso especial, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n 8/2008, está limitada ao prazo prescricional em ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em face da aparente antinomia do prazo trienal (art. 206, § 3º, V, do Código Civil) e o prazo quinquenal (art. 1º do Decreto 20.910/32). 2. O tema analisado no presente caso não estava pacificado, visto que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública era defendido de maneira antagônica nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois existem julgados de ambos os órgãos julgadores no sentido da aplicação do prazo prescricional trienal previsto no Código Civil de 2002 nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública. (...) A tese do prazo prescricional trienal também é defendida no âmbito doutrinário, dentre outros renomados doutrinadores: José dos Santos Carvalho Filho ("Manual de Direito Administrativo", 24ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2011, págs. 529/530) e Leonardo José Carneiro da Cunha ("A Fazenda Pública em Juízo", 8ª ed, São Paulo: Dialética, 2010, págs. 88/90). 3. Entretanto, não obstante os judiciosos entendimentos apontados, o atual e consolidado entendimento deste Tribunal Superior sobre o tema é no sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002. 4. O principal fundamento que autoriza tal afirmação decorre da natureza especial do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da legislação, muito menos é capaz de determinar a sua revogação. (…) 7. No caso concreto, a Corte a quo, ao julgar recurso contra sentença que reconheceu prazo trienal em ação indenizatória ajuizada por particular em face do Município, corretamente reformou a sentença para aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32, em manifesta sintonia com o entendimento desta Corte Superior sobre o tema. 8. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1251993/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 19/12/2012). (grifei).
No caso dos autos, o fato ocorreu no dia 09 de abril de 2005, quando o autor era absolutamente incapaz, em razão da idade. O documento de f. 13 demonstra que o autor atingiu a maioridade no dia 06 de dezembro de 2012. Entretanto, o Código Civil prevê que não corre a prescrição contra os incapazes de que trata o artigo 3º do mesmo diploma legal (artigo 198, inciso I). In casu, o autor completou 16 (dezesseis) anos no dia 06 de dezembro de 2010, razão pela qual teria até 06 de dezembro de 2015 para ajuizar a ação, uma vez que o prazo prescricional é de cinco anos, conforme acima mencionado. Logo, não há falar em prescrição, uma vez que a presente ação foi ajuizada em 27 de novembro de 2015. Desse modo, rejeito a preliminar de prescrição. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e ausente nulidade a ser sanada.
O feito se encontra maduro para julgamento, já que encerrada a instrução processual. Trata-se de ação indenizatória ajuizada em face do Estado de Minas Gerais, na qual a parte autora visa o ressarcimento pelos danos causados pela morte de seu genitor, policial civil, nas dependências da Cadeia Pública do Município de Nanuque. Quanto ao Direito, trata-se de responsabilidade civil decorrente da teoria objetiva, consagrada no artigo 37, §6ª da Constituição da República, com base no risco administrativo, que prevê a obrigação de indenizar, independentemente de culpa ou dolo, mas desde que provado o nexo de causalidade entre o dano e o ato ilícito do agente, sendo admitida excludentes do dever de indenizar, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABIL PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS COMARCA DE NANUQUE 2ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E DA VEP Autos nº: 0443.15.004200-2 julgamento em 05/07/2018, publicação da súmula em 17/07/2018). “(…) A vigente Constituição regula a matéria no art. 37, § 6o, que tem o seguinte teor: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” (Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017. Página 375). “(…) A teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal - fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo, repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos de sua atividade administrativa, e não pela atividade de terceiros ou da própria vítima, e nem, ainda, por fenômenos da Natureza, estranhos à sua atividade. Não significa, portanto, que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 186) (...)”. No caso dos autos, porém, a responsabilização da Administração Pública é subjetiva porque depende da demonstração da omissão estatal em garantir a segurança do genitor do autor e da aferição da possibilidade de o dano ter sido evitado através de ato da Administração, que tinha o dever de agir, mas permaneceu em estado de inércia. A propósito, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO pondera que: "Quanto o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente ser ele o autor do dano.
E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever lega que lhe impunha obstar ao evento lesivo. (...) Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter ocorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.(...) Em síntese: se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu o o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligencia ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito devia sê-lo." (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 28. Ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 1.021/1.022).
Não diferente, colhe-se do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. CULPA OU Aline Gomes dos Santos Silva Juíza de Direito 9 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS COMARCA DE NANUQUE 2ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E DA VEP Autos nº: 0443.15.004200-2 NEGLIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.I. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do CPC, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que o voto condutor do acórdão recorrido apreciou fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida. II. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos" (STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/09/2013. III. Tendo o Tribunal de origem concluído que, no caso, "analisando os documentos trazidos nos autos, estes não demonstram qualquer culpa ou negligência por parte da UFRGS, muito pelo contrário, pois existem várias licenças médicas para tratamento de saúde e procedimento de readaptação deferidos à servidora", entender de forma contrária demandaria o reexame do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ. IV. Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1345620/RS, SEGUNDA TURMA, Relator(a) Ministro(a): ASSUSETE MAGALHÃES, Julgado em 24/11/2015, Publicado no DJe em 02/12/2015). (negritei).
Da análise das provas, verifica-se que é fato incontroverso que o genitor do autor era Servidor Público do Estado de Minas Gerais e que atuava nessa qualidade quando foi morto no interior da até então denominada Cadeia Pública de Nanuque, ff. 16 e 23. Além de esse fato não ter sido alvo de contestação, o documento de f. 24 demonstra que Robson Souza, genitor do autor, exercia o cargo de Detetive I, ao passo que os documentos de ff. 99/104 comprovam seu falecimento por projétil de arma de fogo, ocorrido no dia 09 de abril de 2005. Quanto ao local dos fatos, o Boletim de Ocorrência de ff. 84/86, descreve que o genitor do autor foi morto no interior da Cadeia Pública de Nanuque, veja-se: “(…) fomos acionados pela SOF da 95ª CIA Especial para comparecer na Cadeia Pública, onde estaria ocorrendo um tiroteio. Ao chegarmos no local, deparamos com os portões da frente da cadeia fechado e os militares de serviço na guarda externa, CB Pedroso e Cb Honorato fazendo o cerco do prédio. Após chamarmos os detetives de plantão, o detetive Leonardo abriu o portão e nos relatou que estava na sala dos fundos pegando água, quando ouviu disparos no interior da cadeia, ocasião que se protegeu em um cômodo e ficou aguardando e, passados aproximadamente cinco minutos, saiu e deparou com o detetive Robson Souza caído próximo portão de entrada do lado de dentro, todo ensanguentado, aparentando estar sem vida. Socorremos a vítima ao HPS, onde foi atendida pelo médico de plantão, Dr. Leonardo, o qual constatou o óbito. Segundo o CB Pedroso, ao ouvir os disparos no interior da Cadeia, deixou o CB Honorato na parte da frente e deslocou para os fundos, ocasião que deparou com dois indivíduos encapuzados em cima do telhado. Que ao perceberem sua presença, disparou vários tiros em sua direção e pularam e saíram correndo pelo meio do mato em direção a biquinha
(…)”. O Estado de Minas Gerais alega como excludente de responsabilidade a culpa exclusiva de terceiros, alegando que a Cadeia Pública foi invadida por agentes criminosos, verdadeiros responsáveis pelos danos sofridos pelo autor. Não restam dúvidas de que a teoria aplicável ao caso, fulcrada no risco administrativo, admite excludentes de responsabilidade, sob pena de importar em punição por risco integral, admitida em casos excepcionais, como por exemplo danos nucleares e ambientais. Entretanto, não vejo que há espaço para aplicar a excludente de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiros, pela razões que passo a explanar. A vítima foi morta enquanto atuava na qualidade de Agente do Estado e da leitura dos documentos juntados aos autos, em especial do Histórico da Ocorrência de f. 86, a Cadeia Pública não possuía policiais em quantidade suficiente para repelir ameaças externas, principalmente, se armadas. Das provas coligidas, verifica-se que estavam no local apenas dois policiais militares na frente da Cadeia, enquanto o genitor do autor e outro policial civil eram responsáveis por toda a guarda do interior da Cadeia. Extrai-se que o local não era guarnecido por militares aos fundos, tanto que os agentes conseguiram fugir por esse acesso. Assim, descabe falar em culpa exclusiva de terceiros, sendo certa a conduta negligente do Estado de Minas Gerais, a quem cabia zelar pela segurança do cárcere e de todos ali presentes e não o fez. Consigne-se que a perícia técnica realizada no local dos fatos indicou que os autores da morte do policial civil não arrombaram cadeado ou portão de entrada, mas adentraram na cadeia pública após escalarem o muro da unidade, f. 112: “deduz-se que os agressores de Robson tenham escalado a parede da parte posterior, fundos, alcançando o telhado, em seguida dirigido para o teto da cozinha onde existia um alçapão, apoiaram em um registro da rede hidráulica existente na parede, daí alcançaram o tanque e finalmente o piso. “ Esclareceu ainda a Expert, que a hipótese de entrada na cadeia pública foi confirmada em razão de que um dos autores do homicídio, “Fabrício Fernandes Lima, conhecia o percurso para chegar ao interior da cadeia, uma vez que já havia utilizado a mês.
 Desse modo, resta clarividente a responsabilidade do Estado, ora requerido, quanto à morte do agente público que trabalhava na custódia dos presos, sobretudo porque já havia notícias sobre fuga de preso no local, aparentemente de maneira facilitada. Assim, do mesmo modo em que a fuga do detento, que retornou para resgatar outros, ocorreu de forma de forma simplória, também estava facilitada a entrada de pessoas, indevidamente, no ergástulo público. Na ocasião em que se soube da fuga do detento em momento anterior, caberia ao poder público operacionalizar de forma profissional a custódia dos presos, o que não restou demonstrado nestes autos.
Ademais, conforme art. 144 da Constituição Federal, é dever do Estado promover a segurança pública não só dos cidadãos em geral, mas também dos seus agentes públicos. Mesmo em se tratando de policial civil, cuja atividade é de risco, não se pode impor ao agente o ônus de ser herói, dispensando-se o Estado do dever de mínima proteção. Dessa forma, resta comprovada a responsabilidade da parte requerida. Passo a analisar os danos sofridos pelo autor. O dano moral é inquantificável, porque a dor psíquica, a tristeza, a angústia e o abalo sofridos pela perda repentina e traumática de um ente querido não tem preço. Igualmente, independentemente do valor fixado nesta sentença, o autor não terá de volta seu genitor, muito menos poderá com ele viver momentos importantes de sua vida.
Vale ressaltar que o autor possuía apenas dez anos de idade quando o pai foi morto, e, pelo relatório de psicológico de ff. 17/19, teve seu comportamento psíquico alterado em razão da perda traumática. Narra o relatório realizado no ano de 2007, apenas dois anos após o óbito do genitor, que o autor estava: “fortemente bloqueado quanto a tudo que diz respeito à morte do pai (ocorrida há aproximadamente 2 anos), sendo que este bloqueio parece ter se estendido para algumas funções cognitivas, com ideação, fantasias, imaginação, por exemplo. Isto pode trazer consequências a sua escolaridade, pois o mesmo não poderá contar com o todo de seu potencial no desempenho das rotinas escolares. É sabido que certos traumas, em diferentes graus de intensidade, podem causar bloqueios de várias áreas do psiquismo, comprometendo sempre a expressão emocional da pessoa”. Assim, não restam dúvidas do dano moral sofrido pelo autor. Feita essas considerações, entendo que o dano moral deve ser arbitrado no importe de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Esse valor, como dito, não é suficiente para reparar o trauma da morte, mas, sem dúvida, impõe ao Estado o peso da responsabilidade sobre o caso. O Estado por anos a fio deixou de cumprir, e ainda o faz nos dias de hoje, o seu dever com relação ao cumprimento da execução da pena de forma adequada. E não se pode permitir como comportamento natural e legal que policiais civis e policiais militares, que não possuíam treinamento específico para a situação, permanecessem na custódia dos presos. Segundo notícia extraída do site da SEDS (Secretaria de Estado e Defesa Social), somente em março de 20111 , é que o Estado assumiu, minimamente, seu dever de cumprir a execução da pena e responsabilizar-se pela cadeia local, transformando-a em presídio. Na época dos fatos narrados na inicial, o que se percebe é que o Estado “jogava” seus agentes de segurança pública, na cova dos leões e à própria sorte, assim também como fazia com os presos preventivos e que estavam em cumprimento de pena.
Nessa senda, restou veementemente demonstrado que o policial civil estava impropriamente exercendo função de “carcereiro”/agente penitenciário, quando, na realidade era policial civil classificado na função de Detetive I, f. 16. Em situação semelhante, foi reconhecido o desvio de função de Delegado de Polícia Civil, que indevidamente exercia a função de Direção de Cadeia Pública: EMENTA:
APELAÇÃO - AÇÃO INDENIZATÓRIA - DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL - ACÚMULO INDEVIDO DE FUNÇÕES - CUSTÓDIA DE PRESOS CONDENADOS - PRECEDENTE EM AÇÃO COLETIVA - INDENIZAÇÃO MATERIAL DEVIDA - INTELIGÊNCIA DO ART. 41 DA LEI 1 http://www.seguranca.mg.gov.br/ajuda/story/1265-defesa-social-assume-cadeia-publica-de-nanuque -2 ESTADUAL Nº 5.406/1969 - REMUNERAÇÃO CORRESPONDENTE - AFASTAMENTO DEFINITIVO DAS ATRIBUIÇÕES DE DIRETOR DE CADEIA PÚBLICA - CORREÇÃO E JUROS - DANO MORAL - INOCORRÊNCIA - SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. O julgamento proferido na Ação Declaratória(1.0024.01.598000-6/001) ajuizada pelo Sindicato dos Delegados de Polícia(SINDEPO), de relatoria do Desembargador Ernane Fidélis, implica coisa julgada em relação à matéria, restando assentado que não está dentre as atribuições do cargo de Delegado de Polícia a custódia de presos condenados e a administração de cadeia pública. 2. No caso concreto, restando comprovado que a parte autora exerceu a função de custódia de presos condenados, é devido o recebimento de remuneração compatível com o desenvolvimento da atividade correlata, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado. 3. Impõe-se o afastamento definitivo da parte autora da atribuição de custódia e vigilância de presos condenados da Cadeia Pública da Comarca de Buritis ou outro estabelecimento prisional. 4. Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pela tabela da CGJ/MG, desde 27/08/2008 até 29/06/2009, quando então deverá incidir IPCA-E, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 870947(Tema nº 810), submetido ao regime de repercussão geral. 5. Os juros de mora deverão incidir desde a citação, consoante a Lei nº 11.960/2009. 6. Quando os danos não ultrapassam a esfera patrimonial, indevida qualquer indenização por dano moral. 7. Sentença parcialmente reformada. 8. Recurso provido em parte. (…) (Des. Hilda Teixeira da Costa). (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.251976-0/002, Relator(a): Des.(a) Raimundo Messias Júnior , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/08/2018, publicação da súmula em 24/08/2018). Sem grifos no original.
Quanto aos danos materiais, o autor pretende receber pensão mensal desde a cessação do benefício de pensão por morte recebido até a data em que seu genitor atingisse 72 (setenta e dois) anos de idade. Por dedução lógica e jurídica, pertinente o pedido indenizatório para condenar o Estado de Minas Gerais ao pagamento de danos patrimoniais, em forma de pensão mensal, a partir da interrupção da pensão por morte paga pelo Instituto de Previdência a que se vinculava o falecido. Registre-se que o art. 4º da Lei Complementar Estadual 64/2002, estipulou como dependente o filho até 21 (vinte e um) anos de idade, sendo certo que o autor permaneceu nesse status até o dia 06.12.2015, data em que completou a idade máxima como dependente para fins previdenciários. Desse modo, devido o pensionamento mensal retroativo à data de 06.12.2015, até a data em que o autor completará 25 (vinte e cinco) anos de idade, data limite aceita pelos Tribunais Superiores como pensionamento decorrente de indenização, uma vez que é presumida a independência financeira dos filhos a partir de tal idade. Nesse sentido, são os entendimentos jurisprudenciais aos quais me filio: EMENTA:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - HOMICÍDIO DE GENITOR EM DECORRÊNCIA DE ATUAÇÃO POLICIAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ART. 37, § 6º, CF/88 - MONTANTES FIXADOS DE FORMA RAZOÁVEL EM PRIMEIRA INSTÂNCIA - LIMITAÇÃO DO PENSIONAMENTO ATÉ QUE OS FILHOS COMPLETEM 25 ANOS - JUROS DE MORA - CORREÇÃO MONETÁRIA - LEI N. 11.960/2009 - APLICABILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - RAZOABILIDADE E EQUIDADE - 1. A pretensão de indenização contra o Estado de Minas Gerais prescreve no prazo de cinco anos, a teor do Decreto 20.910/32. 2. Impõe-se a condenação civil do Estado quando comprovados o nexo de causalidade e os danos advindos de ação policial, praticada com patente inobservância dos limites do exercício regular da atividade. 3. A indenização por dano material consistente no pensionamento dos filhos da vítima é devida até completarem 25 (vinte e cinco) anos de idade, na esteira da jurisprudência dominante. 4. A morte do pai vítima de homicídio causa inegável dano moral aos filhos. Razoável o quantum de R$ 35.000,00 para cada filho, estabelecido na instância de origem. 5. O art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29.06.2009, que disciplina a atualização monetária nas condenações impostas à Fazenda Pública, aplica-se aos processos em curso, a partir de sua vigência (30 de junho de 2009). 6. Deve ser mantida a verba honorária sucumbencial fixada conforme critérios de razoabilidade e equidade. 7. Sentença parcialmente reformada no reexame necessário. Primeiro recurso negado. Segundo recurso parcialmente provido em virtude do recurso do Estado-apelante. Recurso da Autora-apelante negado, prejudicado o reexame necessário. (TJMG - Ap Cível/Reex Necessário 1.0433.08.247772-3/001, Relator(a): Des.(a) Alyrio Ramos , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/10/2012, publicação da súmula em 23/10/2012) EMENTA: REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO CÍVEL VOLUNTÁRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DISPARO DE ARMA DE FOGO POR POLICIAL MILITAR. ÓBITO. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL. QUANTUM DEBEATUR. REDUÇÃO. DANOS MORAIS EM FORMA DE PENSÃO. TERMO FINAL. ALTERAÇÃO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494, DE 1997, NA REDAÇÃO ATUAL. APLICABILIDADE. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. MANUTENÇÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. A responsabilidade civil, segundo a teoria objetiva, exige a presença de uma conduta antijurídica potencialmente danosa (eventus damni) e de uma lesão efetiva (dano). 2. O Estado tem responsabilidade na reparação pelos danos quando evidenciado que a morte da vítima ocorreu em abordagem policial com violência desnecessária e excessiva. 3. O valor da indenização do dano moral causado pela dor intensa em virtude da perda traumática do genitor deve estar em consonância com os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade. Desatendidos os critérios, impõe-se a redução do valor arbitrado. 4. O dano material, na forma de pensão mensal por morte, decorre da frustração da expectativa de renda que razoavelmente poderia ser percebida pelo falecido e, para o filho menor, é devido até a data em que ele completar vinte e cinco anos de idade. 5. Os juros de mora e a correção monetária, a partir de 01.07.2009, devem ser calculados na forma determinada pelo art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997, em sua redação atual, de acordo com os entendimentos do egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 870.947 - RG, e do egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. nº 1.205.946 - SP. 6. Encontra-se pacificado na Súmula nº 54, do egrégio Superior  Tribunal de Justiça, o entendimento de os juros que fluem a partir do evento danoso. 7. Remessa oficial e apelações cíveis voluntárias conhecidas. 8. Sentença que acolheu em parte a pretensão inicial par cialmente reformada no reexame necessário, prejudicada a apelação voluntária. (TJMG - Ap Cível/Rem Necessária 1.0710.08.018612-9/001, Relator(a): Des.(a) Caetano Levi Lopes , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2018, publicação da súmula em 06/09/2018)
Quanto ao valor do pensionamento, entendo que deve ser aplicável em razão de 2/3 do valor da remuneração paga pelo Estado de Minas Gerais em favor da vítima, paga em única parcela de forma retroativa, com relação ao período em que houve a interrupção da pensão previdenciária e, mensalmente, até se atingir 25 (vinte e cinco) anos de idade. Assim, a procedência dos pedidos se impõe.
 III – DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos, nos termos do art. 487, I do CPC, para condenar o requerido ao pagamento:
1) de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) a título de indenização por danos morais, devidamente corrigido, desde o arbitramento (súmula 362 do egrégio STJ), de acordo com IPCA e com juros de mora desde o evento danoso (súmula 54 do egrégio STJ), ou seja, desde o evento morte, ocorrido em 09.04.2005, salientando-se que os juros de mora contam-se de acordo com os índices oficiais de remuneração da caderneta de poupança, observando-se o disposto no art. 1°-F da Lei 9.494/97.
2) pensionamento mensal correspondente a ⅔ (dois terços) da remuneração do de cujus, em única parcela, retroativamente à data em que houve a interrupção da pensão previdenciária e, mensalmente, até se atingir a idade de 25 (vinte e cinco) anos, com atualização monetária de acordo com IPCA e juros de mora nos termos do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança. Condeno o requerido ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência que fixo em 8% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §3º, inciso II do CPC. O requerido é isento do pagamento de custas processuais. Sentença sujeita a reexame necessário. Independentemente de recurso da parte requerida, após intimação das partes, encaminhe-se os autos ao e. TJMG. P.R.I. Após o trânsito em julgado, não sendo iniciada a fase de cumprimento de sentença, arquive-se.
Nanuque, 24 de outubro de 2018 Aline Gomes dos Santos Silva Juíza de Direito

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