Consultor Jurídico

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

DANO MORAL - DÉBITO INEXISTENTE - IDOSO - DEVOLUÇÃO EM DOBRO

SENTENÇA

 I- RELATÓRIO 

Cuida-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA C.C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS ajuizada por DELVAIR DA SILVA RODRIGUES, em face de BANCO ITAÚ S/A, qualificados, sob alegação de que é aposentado e recebe seu benefício junto ao Banco requerido. No entanto, passou a receber quantia inferior ao valor do benefício previdenciário, sendo informado que a redução do valor era referente a tarifas e taxas pelo uso da conta bancária. Afirma que o Banco requerido enviou cartões de créditos para sua residência sem o seu requerimento e em razão disso passou a receber faturas do cartão de crédito nº 5232840653375673, o qual sequer procedeu ao desbloqueio. Assevera que se dirigiu à instituição financeira por diversas vezes, mas o requerido se manteve inerte. Aduz que o requerido procede a cobrança de várias taxas, tais Acompanham a inicial os documentos de ff. 18/47. Deferida a justiça gratuita em favor do autor, f. 49. 

Citado, o requerido apresentou contestação às ff. 57/66, oportunidade em que afirmou que a parte autora contratou diversos serviços e produtos quando abriu a conta bancária em questão, mediante instrumento contratual compatível com a modalidade escolhida. Argumenta que a cobrança de IOF decorre de sua natureza tributária que independe de previsão contratual, bem como que o autor alterou o pacote de serviços mediante assinatura digital, passando a ter acesso ao serviço denominado “Maxiconta Total”, que prevê a origem de tarifa maxiconta mensal, tarifa mensal padronizada e tarifa pacote mensal. Salienta que os valores foram cobrados em relação ao período de utilização de cada pacote e não foram realizadas cobranças simultâneas dos pacotes de serviços. 

Argui que o seguro residência foi contratado pelo autor, mediante confirmação no caixa eletrônico no dia 17 de abril de 2014. Em relação a cobrança de juros, LIS e seguro do cartão, reitera o argumento de que todos os encargos decorreram de opção da parte autora. No que tange ao envio de cartão de crédito, afirma que o próprio autor contratou o cartão de crédito em 20 de agosto de 2013, no momento em que abriu a conta bancária, motivo pelo qual não há falar em indenização por danos materiais ou danos morais. Impugnação às ff. 176/178. Realizada audiência, a parte autora não compareceu, alegando seu advogado que o autor possui sérios problemas de saúde, impossibilitando-lhe de comparecer à audiência. Na mesma ocasião, as partes reiteraram os pedidos da inicial, f. 189. O requerido pugnou pela aplicação da pena de confissão em desfavor da parte autora, f. 198. 

É o relatório. Decido.

 II- FUNDAMENTAÇÃO

 Inicialmente, entendo inaplicável a pena de confesso em desfavor da parte autora, tendo em vista que não há no mandado de intimação a advertência prevista no artigo 385, §1º do CPC, f. 188. Assim, a irregularidade deveria ter sido observada antes da audiência designada nos autos, razão pela qual precluiu o questionamento quanto a advertência sobre a pena de confesso. Sendo assim, indefiro o requerimento de f. 198. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e ausente nulidade a ser sanada. O feito se encontra maduro para julgamento, já que não foram requeridas provas e não se vislumbra a necessidade de determinar a produção de provas de ofício. Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais e materiais consistentes na repetição do indébito. O artigo 927 do Código Civil estabelece que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a reparálo”. 

O direito à indenização, seja por dano moral ou material, está sujeito, conforme ensina a doutrina, à presença de três elementos ditos essenciais: a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; um dano; e o nexo de causalidade entre um e outro. O autor alega que não contratou os serviços que deram ensejo a cobrança dos encargos debitados em sua conta bancária pelo Banco requerido. A requerida, por sua vez, carreou aos autos documentos supostamente assinados pela parte autora no momento das contratações. Subsume-se o caso à norma do art. 14, caput e §1º do Código de Defesa do Consumidor, que assim reza: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. A supracitada norma adota a teoria da responsabilidade sem culpa do fornecedor, ou responsabilidade objetiva. Pela teoria da responsabilidade objetiva, o fornecedor responde pelo defeito na prestação do serviço, desde que presente o nexo causal entre eles. Os documentos juntados pelas partes não deixam dúvidas de que há descontos na conta bancária do autor referente a LIS/Juros, seguro LIS Itau, tarifa maxiconta mensal, IOF, seguro residência, faturas de cartão de crédito, ff. 27/39 e ff. 76/133. 

 Por sua vez, o documento juntado pelo Banco requerido às ff. 155/161 dá conta de que o autor contratou pacotes de serviços indicados na inicial, sendo mencionado que sua conta não seria para crédito de salário. Ocorre que a parte requerida não comprovou nos autos que os encargos foram alvo de esclarecimento ao autor, bem como se foi informado que haveria outros tipos de pacotes mais benéficos a ele. Ademais, pela Recomendação do Ministério Público desta Comarca anexa às ff. 42/46, foi determinado que o requerido consultasse os aposentados que percebessem benefícios previdenciários se pretendiam manter a atual modalidade de conta corrente em que se enquadram ou se preferiam apenas utilizar a conta para única e exclusivamente perceber os benefícios previdenciários sem a cobrança de qualquer taxa ou tarifa. No caso dos autos, não há nenhum documento que mencione a opção dada ao autor, ônus que caberia ao requerido, nos termos do artigo 373, inciso II do CPC. Não bastasse, alguns encargos cobrados pelo requerido deixam demonstram que o autor não foi informado com clareza e de forma didática da opção de conta contratada, eis que não guardam pertinência alguma com a situação fática do autor. Vale ressaltar que o autor é pessoa humilde, idoso e de poucos recursos, eis que percebe-se dos extratos bancários que a única movimentação financeira decorre do depósito de benefício de prestação pecuniária, que nos termos da legislação de regência destina-se à pessoas de baixa renda. 

Nesse contexto, consta nos autos opção de conta com “benefícios” e serviços que muito se distanciam da realidade de um aposentado pelo INSS de idade já avançada, como por exemplo a disponibilização de dois cartões de crédito, tipo de conta “Maxi Conta Universitária” e seguro residencial, indicados no documento de ff. 135/137 e ff. 141/142. 

Outrossim, é certo que o Banco requerido ao colocar à disposição do autor o tipo de conta bancária que foi aberta, já sabia o perfil humilde do autor, típico dos aposentados pelo INSS. Sendo assim, caberia ao Banco requerido avaliar qual seria, de fato, a melhor conta para que o autor pudesse receber o benefício de forma tranquila e de modo que não diminuísse seu patrimônio. Porém, ao que se percebe é que o Banco requerido indicou para o autor serviços que poderiam não ter sido contratados pelo autor caso ele soubesse que não lhe traria qualquer benefício ou que se distanciaria de sua realidade financeira. 


A posição almejada do Banco requerido tem como fundamento a boa-fé esperada nas negociações, evitando-se assim um prejuízo ao consumidor que poderia ter sido evitado pela clareza da informação prestada. Importa ainda ressaltar que o Banco requerido, por sua vez, é Instituição financeira que explora atividade bancária com intuito de lucro há décadas neste País, o que reforça uma situação de quebra da base objetiva do contrato, nos termos da Doutrina Consumerista. 

Quanto as demais tarifas bancárias, entendo que o Banco requerido também não comprovou que o autor teve explicação de que a opção de conta contratada acarretaria descontos referente a taxas e tarifas bancárias, as quais, embora prevista em lei, não são suficiente para ensejar a licitude da cobrança se não houve disponibilização de outros tipos de contas bancárias para a escolha do consumidor. De mais a mais, as Resoluções 2.878/01, 2.892/01 e Circular 3.058/01 do Banco Central do Brasil impõe às instituições financeiras clareza e lealdade em suas atuações. Outrossim, a Resolução do BACEN de nº 3.402/06 prevê que as instituições financeiras que prestem serviços de pagamento de aposentadoria são obrigadas a proceder os créditos em nome dos beneficiários, mediante utilização de contas não movimentáveis, sendo vedada a cobrança de qualquer tarifas destinadas ao ressarcimento de realização dos serviços, devendo ser observadas, além das condições previstas na referida Resolução, a legislação específica referente a cada espécie de pagamento e as demais normas aplicáveis, in verbis: Art. 1º A partir de 1º de janeiro de 2007 2 de abril de 2007, as instituições financeiras, na prestação de serviços de pagamento de salários, proventos, soldos, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares, ficam obrigadas a proceder aos respectivos créditos em nome dos beneficiários mediante utilização de contas não movimentáveis por cheques destinadas ao registro e controle do fluxo de recursos, às quais não se aplicam as disposições da Resolução 2.025, de 24 de novembro de 1993, com as alterações introduzidas pelas Resoluções 2.747, de 28 de  junho de 2000, e 2.953, de 25 de abril de 2002, nem da Resolução 3.211, de 30 de junho de 2004. (Prazo prorrogado pela Resolução 3.424, de 21/12/2006.) Parágrafo único. É vedada a abertura das contas de registro de que trata este artigo tendo como titulares pessoas jurídicas. Art. 2º Na prestação de serviços nos termos do art. 1º: I - é vedado à instituição financeira contratada cobrar dos beneficiários, a qualquer título, tarifas destinadas ao ressarcimento pela realização dos serviços, devendo ser observadas, além das condições previstas nesta resolução, a legislação específica referente a cada espécie de pagamento e as demais normas aplicáveis; II - a instituição financeira contratada deve assegurar a faculdade de transferência, com disponibilidade no mesmo dia, dos créditos para conta de depósitos de titularidade dos beneficiários, por eles livremente abertas na forma da Resolução 2.025, de 1993, e alterações posteriores, ou da Resolução 3.211, de 2004, em outras instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. § 1º A vedação à cobrança de tarifas referida no inciso I aplicasse, inclusive, às operações de: I - saques, totais ou parciais, dos créditos; II - transferências dos créditos para outras instituições, quando realizadas pelos beneficiários pelo valor total creditado, admitida a dedução de eventuais descontos com eles contratados para serem realizados nas contas de que trata o art. 1º, relativos a parcelas de operações de empréstimo, de financiamento ou de arrendamento mercantil. 

 Diante disso, entendo que a posição do Banco requerido não foi regular. Fixada essa premissa, necessário o arbitramento do quantum indenizatório. Segundo preceitua a Teoria do Desestímulo1 , amplamente adotada pelos Tribunais Superiores, a indenização deve levar em conta, não somente os prejuízos causados à parte, mas, também, deve conter em si, um preceito pedagógico com o fim de desestimular condutas ilícitas como tais. Assim, atenta aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, aliados ao fato de que o autor teve diminuição considerável de sua aposentadoria, valor que possui natureza alimentar, entendo consentânea a fixação da importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser paga pelo réu ao autor, a título de danos morais. Consequentemente, é devido ao autor a restituição em dobro, nos termos do artigo 42 do CDC, de todas as quantias indevidamente descontadas de sua aposentadoria referente às tarifas bancárias e valores dos cartões de crédito desde o dia 06 de setembro de 2006, data da entrada em vigor da Resolução do BACEN 3.402/06, sendo facultado ao requerente proceder ao cancelamento dos referidos cartões. A restituição deve ser em dobro em razão da aparente má-fé do requerido em omitir informações que seriam benéficas ao autor, pessoa idosa e que utiliza a conta bancária unicamente com o fim de receber o benefício de aposentadoria. 1 (Apelação Cível 1.0223.11.012474-8/001, Rel. Des.(a) Estevão Lucchesi, 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/11/2012, publicação da súmula em 30/11/2012). 

 III- DISPOSITIVO 

Diante do exposto, julgo procedentes os pedidos, nos termos do art. 487, I do CPC, para: 1) declarar inexistente o débito apontado na inicial; 2) condenar o requerido ao pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais, devidamente corrigido, desde o arbitramento (súmula 362 do egrégio STJ), pelos índices da Corregedoria Geral de Justiça deste Estado e com juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso (súmula 54 do egrégio STJ) 3) pagar, em dobro, a quantia de R$ 1.740,41 (um mil, setecentos e quarenta reais e quarenta e um centavos), acrescido de correção monetária pelos índices da Corregedoria Geral de Justiça deste Estado, a partir do efetivo prejuízo (descontos indevidos), e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Determino, ainda, que o requerido proceda a alteração da conta bancária do autor para conta-salário, nos termos da Recomendação do Ministério Público de ff. 42/46, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) limitada a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a partir da ciência da opção dada pelo autor. Condeno o requerido ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor total da condenação, diante da singeleza da demanda. Diante do interesse público atingido pelo descumprimento de sua Recomendação, oficie-se o Ministério Público atuante na Defesa do  Consumidor com cópia da inicial, desta sentença e da Recomendação de ff. 42/46 para adoção das providências que entender cabíveis. 

P.R.I. Transitada em julgado e não sendo iniciada a fase de cumprimento de sentença, arquivem-se. Nanuque, 21 de novembro de 2018 Aline Gomes dos Santos Silva Juíza de Direito Aline Gomes dos Santos Silv

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