SENTENÇA
I- RELATÓRIO
Cuida-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA
DE DÍVIDA C.C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS ajuizada por
DELVAIR DA SILVA RODRIGUES, em face de BANCO ITAÚ S/A,
qualificados, sob alegação de que é aposentado e recebe seu benefício junto
ao Banco requerido. No entanto, passou a receber quantia inferior ao valor
do benefício previdenciário, sendo informado que a redução do valor era
referente a tarifas e taxas pelo uso da conta bancária.
Afirma que o Banco requerido enviou cartões de créditos para
sua residência sem o seu requerimento e em razão disso passou a receber
faturas do cartão de crédito nº 5232840653375673, o qual sequer procedeu
ao desbloqueio.
Assevera que se dirigiu à instituição financeira por diversas
vezes, mas o requerido se manteve inerte.
Aduz que o requerido procede a cobrança de várias taxas, tais Acompanham a inicial os documentos de ff. 18/47.
Deferida a justiça gratuita em favor do autor, f. 49.
Citado, o requerido apresentou contestação às ff. 57/66,
oportunidade em que afirmou que a parte autora contratou diversos
serviços e produtos quando abriu a conta bancária em questão, mediante
instrumento contratual compatível com a modalidade escolhida.
Argumenta que a cobrança de IOF decorre de sua natureza
tributária que independe de previsão contratual, bem como que o autor
alterou o pacote de serviços mediante assinatura digital, passando a ter
acesso ao serviço denominado “Maxiconta Total”, que prevê a origem de
tarifa maxiconta mensal, tarifa mensal padronizada e tarifa pacote mensal.
Salienta que os valores foram cobrados em relação ao período
de utilização de cada pacote e não foram realizadas cobranças simultâneas
dos pacotes de serviços.
Argui que o seguro residência foi contratado pelo autor,
mediante confirmação no caixa eletrônico no dia 17 de abril de 2014.
Em relação a cobrança de juros, LIS e seguro do cartão, reitera
o argumento de que todos os encargos decorreram de opção da parte autora.
No que tange ao envio de cartão de crédito, afirma que o
próprio autor contratou o cartão de crédito em 20 de agosto de 2013, no
momento em que abriu a conta bancária, motivo pelo qual não há falar em
indenização por danos materiais ou danos morais.
Impugnação às ff. 176/178.
Realizada audiência, a parte autora não compareceu, alegando
seu advogado que o autor possui sérios problemas de saúde, impossibilitando-lhe de comparecer à audiência. Na mesma ocasião, as
partes reiteraram os pedidos da inicial, f. 189.
O requerido pugnou pela aplicação da pena de confissão em
desfavor da parte autora, f. 198.
É o relatório. Decido.
II- FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, entendo inaplicável a pena de confesso em
desfavor da parte autora, tendo em vista que não há no mandado de
intimação a advertência prevista no artigo 385, §1º do CPC, f. 188.
Assim, a irregularidade deveria ter sido observada antes da
audiência designada nos autos, razão pela qual precluiu o questionamento
quanto a advertência sobre a pena de confesso.
Sendo assim, indefiro o requerimento de f. 198.
Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e
ausente nulidade a ser sanada. O feito se encontra maduro para julgamento,
já que não foram requeridas provas e não se vislumbra a necessidade de
determinar a produção de provas de ofício.
Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c
indenização por danos morais e materiais consistentes na repetição do
indébito.
O artigo 927 do Código Civil estabelece que “aquele que, por
ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a reparálo”.
O direito à indenização, seja por dano moral ou material, está
sujeito, conforme ensina a doutrina, à presença de três elementos ditos essenciais: a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; um
dano; e o nexo de causalidade entre um e outro.
O autor alega que não contratou os serviços que deram ensejo
a cobrança dos encargos debitados em sua conta bancária pelo Banco
requerido.
A requerida, por sua vez, carreou aos autos documentos
supostamente assinados pela parte autora no momento das contratações.
Subsume-se o caso à norma do art. 14, caput e §1º do Código
de Defesa do Consumidor, que assim reza:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente
da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços,
bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre
sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que
o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
A supracitada norma adota a teoria da responsabilidade sem
culpa do fornecedor, ou responsabilidade objetiva.
Pela teoria da responsabilidade objetiva, o fornecedor
responde pelo defeito na prestação do serviço, desde que presente o nexo
causal entre eles.
Os documentos juntados pelas partes não deixam dúvidas de
que há descontos na conta bancária do autor referente a LIS/Juros, seguro
LIS Itau, tarifa maxiconta mensal, IOF, seguro residência, faturas de cartão
de crédito, ff. 27/39 e ff. 76/133.
Por sua vez, o documento juntado pelo Banco requerido às ff.
155/161 dá conta de que o autor contratou pacotes de serviços indicados na
inicial, sendo mencionado que sua conta não seria para crédito de salário.
Ocorre que a parte requerida não comprovou nos autos que os
encargos foram alvo de esclarecimento ao autor, bem como se foi
informado que haveria outros tipos de pacotes mais benéficos a ele.
Ademais, pela Recomendação do Ministério Público desta
Comarca anexa às ff. 42/46, foi determinado que o requerido consultasse os
aposentados que percebessem benefícios previdenciários se pretendiam
manter a atual modalidade de conta corrente em que se enquadram ou se
preferiam apenas utilizar a conta para única e exclusivamente perceber os
benefícios previdenciários sem a cobrança de qualquer taxa ou tarifa.
No caso dos autos, não há nenhum documento que mencione a
opção dada ao autor, ônus que caberia ao requerido, nos termos do artigo
373, inciso II do CPC.
Não bastasse, alguns encargos cobrados pelo requerido deixam
demonstram que o autor não foi informado com clareza e de forma didática
da opção de conta contratada, eis que não guardam pertinência alguma com
a situação fática do autor.
Vale ressaltar que o autor é pessoa humilde, idoso e de poucos
recursos, eis que percebe-se dos extratos bancários que a única
movimentação financeira decorre do depósito de benefício de prestação
pecuniária, que nos termos da legislação de regência destina-se à pessoas
de baixa renda.
Nesse contexto, consta nos autos opção de conta com
“benefícios” e serviços que muito se distanciam da realidade de um
aposentado pelo INSS de idade já avançada, como por exemplo a
disponibilização de dois cartões de crédito, tipo de conta “Maxi Conta
Universitária” e seguro residencial, indicados no documento de ff. 135/137
e ff. 141/142.
Outrossim, é certo que o Banco requerido ao colocar à
disposição do autor o tipo de conta bancária que foi aberta, já sabia o perfil
humilde do autor, típico dos aposentados pelo INSS.
Sendo assim, caberia ao Banco requerido avaliar qual seria, de
fato, a melhor conta para que o autor pudesse receber o benefício de forma
tranquila e de modo que não diminuísse seu patrimônio.
Porém, ao que se percebe é que o Banco requerido indicou
para o autor serviços que poderiam não ter sido contratados pelo autor caso
ele soubesse que não lhe traria qualquer benefício ou que se distanciaria de
sua realidade financeira.
A posição almejada do Banco requerido tem como fundamento
a boa-fé esperada nas negociações, evitando-se assim um prejuízo ao
consumidor que poderia ter sido evitado pela clareza da informação
prestada.
Importa ainda ressaltar que o Banco requerido, por sua vez, é
Instituição financeira que explora atividade bancária com intuito de lucro
há décadas neste País, o que reforça uma situação de quebra da base
objetiva do contrato, nos termos da Doutrina Consumerista.
Quanto as demais tarifas bancárias, entendo que o Banco
requerido também não comprovou que o autor teve explicação de que a
opção de conta contratada acarretaria descontos referente a taxas e tarifas
bancárias, as quais, embora prevista em lei, não são suficiente para ensejar
a licitude da cobrança se não houve disponibilização de outros tipos de
contas bancárias para a escolha do consumidor.
De mais a mais, as Resoluções 2.878/01, 2.892/01 e Circular
3.058/01 do Banco Central do Brasil impõe às instituições financeiras
clareza e lealdade em suas atuações.
Outrossim, a Resolução do BACEN de nº 3.402/06 prevê que
as instituições financeiras que prestem serviços de pagamento de
aposentadoria são obrigadas a proceder os créditos em nome dos
beneficiários, mediante utilização de contas não movimentáveis, sendo
vedada a cobrança de qualquer tarifas destinadas ao ressarcimento de
realização dos serviços, devendo ser observadas, além das condições
previstas na referida Resolução, a legislação específica referente a cada
espécie de pagamento e as demais normas aplicáveis, in verbis:
Art. 1º A partir de 1º de janeiro de 2007 2 de abril de 2007, as
instituições financeiras, na prestação de serviços de pagamento
de salários, proventos, soldos, vencimentos, aposentadorias,
pensões e similares, ficam obrigadas a proceder aos respectivos
créditos em nome dos beneficiários mediante utilização de
contas não movimentáveis por cheques destinadas ao registro e
controle do fluxo de recursos, às quais não se aplicam as
disposições da Resolução 2.025, de 24 de novembro de 1993,
com as alterações introduzidas pelas Resoluções 2.747, de 28 de junho de 2000, e 2.953, de 25 de abril de 2002, nem da
Resolução 3.211, de 30 de junho de 2004. (Prazo prorrogado
pela Resolução 3.424, de 21/12/2006.)
Parágrafo único. É vedada a abertura das contas de registro de
que trata este artigo tendo como titulares pessoas jurídicas.
Art. 2º Na prestação de serviços nos termos do art. 1º: I - é
vedado à instituição financeira contratada cobrar dos
beneficiários, a qualquer título, tarifas destinadas ao
ressarcimento pela realização dos serviços, devendo ser
observadas, além das condições previstas nesta resolução, a
legislação específica referente a cada espécie de pagamento e as
demais normas aplicáveis; II - a instituição financeira contratada
deve assegurar a faculdade de transferência, com
disponibilidade no mesmo dia, dos créditos para conta de
depósitos de titularidade dos beneficiários, por eles livremente
abertas na forma da Resolução 2.025, de 1993, e alterações
posteriores, ou da Resolução 3.211, de 2004, em outras
instituições financeiras e demais instituições autorizadas a
funcionar pelo Banco Central do Brasil.
§ 1º A vedação à cobrança de tarifas referida no inciso I aplicasse,
inclusive, às operações de: I - saques, totais ou parciais, dos
créditos; II - transferências dos créditos para outras instituições,
quando realizadas pelos beneficiários pelo valor total creditado,
admitida a dedução de eventuais descontos com eles contratados
para serem realizados nas contas de que trata o art. 1º, relativos a
parcelas de operações de empréstimo, de financiamento ou de
arrendamento mercantil.
Diante disso, entendo que a posição do Banco requerido não foi
regular.
Fixada essa premissa, necessário o arbitramento do quantum
indenizatório.
Segundo preceitua a Teoria do Desestímulo1
, amplamente
adotada pelos Tribunais Superiores, a indenização deve levar em conta, não
somente os prejuízos causados à parte, mas, também, deve conter em si, um
preceito pedagógico com o fim de desestimular condutas ilícitas como tais.
Assim, atenta aos princípios da proporcionalidade e
razoabilidade, aliados ao fato de que o autor teve diminuição considerável
de sua aposentadoria, valor que possui natureza alimentar, entendo
consentânea a fixação da importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser
paga pelo réu ao autor, a título de danos morais.
Consequentemente, é devido ao autor a restituição em dobro, nos
termos do artigo 42 do CDC, de todas as quantias indevidamente
descontadas de sua aposentadoria referente às tarifas bancárias e valores
dos cartões de crédito desde o dia 06 de setembro de 2006, data da entrada
em vigor da Resolução do BACEN 3.402/06, sendo facultado ao
requerente proceder ao cancelamento dos referidos cartões.
A restituição deve ser em dobro em razão da aparente má-fé do
requerido em omitir informações que seriam benéficas ao autor, pessoa
idosa e que utiliza a conta bancária unicamente com o fim de receber o
benefício de aposentadoria.
1
(Apelação Cível 1.0223.11.012474-8/001, Rel. Des.(a) Estevão Lucchesi, 14ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/11/2012, publicação da súmula em 30/11/2012).
III- DISPOSITIVO
Diante do exposto, julgo procedentes os pedidos, nos termos
do art. 487, I do CPC, para:
1) declarar inexistente o débito apontado na inicial;
2) condenar o requerido ao pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez
mil reais) a título de indenização por danos morais, devidamente corrigido,
desde o arbitramento (súmula 362 do egrégio STJ), pelos índices da
Corregedoria Geral de Justiça deste Estado e com juros de mora de 1% ao
mês desde o evento danoso (súmula 54 do egrégio STJ)
3) pagar, em dobro, a quantia de R$ 1.740,41 (um mil, setecentos e
quarenta reais e quarenta e um centavos), acrescido de correção monetária
pelos índices da Corregedoria Geral de Justiça deste Estado, a partir do
efetivo prejuízo (descontos indevidos), e juros de mora de 1% ao mês a
partir da citação.
Determino, ainda, que o requerido proceda a alteração da conta
bancária do autor para conta-salário, nos termos da Recomendação do
Ministério Público de ff. 42/46, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00
(mil reais) limitada a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a partir da ciência da
opção dada pelo autor.
Condeno o requerido ao pagamento das custas e honorários
advocatícios, que fixo em 10% do valor total da condenação, diante da
singeleza da demanda.
Diante do interesse público atingido pelo descumprimento de
sua Recomendação, oficie-se o Ministério Público atuante na Defesa do Consumidor com cópia da inicial, desta sentença e da Recomendação de ff.
42/46 para adoção das providências que entender cabíveis.
P.R.I. Transitada em julgado e não sendo iniciada a fase de
cumprimento de sentença, arquivem-se.
Nanuque, 21 de novembro de 2018
Aline Gomes dos Santos Silva
Juíza de Direito
Aline Gomes dos Santos Silv
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