Consultor Jurídico

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

TRÁFICO DE DROGAS - SUBSTITUIÇÃO PENA PRIVATIVA LIBERDADE POR PENA RESTRITIVA DE DIREITO - POSSIBILIDADE - TJMG

O acusado foi condenado a uma pena de reclusão em regime fechado em regime fechado levando em consideração a redução do parágrafo 4 do art. 33 da Lei Antidrogas. O TJMG reformou a decisão diminuindo a pena aplicada, aplicando o regime aberto e substituindo por pena por restritiva de direito.



EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE RESISTÊNCIA. OPOSIÇÃO VIOLENTA À PRISÃO LEGAL. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. CONCESSÃO DA “SURSIS”. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. LEI Nº 11.343/06. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. REDUÇÃO DA PENA. CABIMENTO DA APLICAÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI No 11.343/06 NA FRAÇÃO DE 2/3. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. ABRANDAMENTO DO REGIME.
 - Para a condenação pela prática do crime de resistência, previsto no art. 329 do Código Penal, imperiosa é a demonstração da oposição do agente, mediante ato de violência ou grave ameaça, contra a autoridade competente.
- Presentes os requisitos do art. 77 do CP, deve a pena do delito de resistência ser suspensa.
- Provados os fatos atribuídos ao réu, mantém-se a decisão que o condenou como incurso nas sanções do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
- Se a pena-base do réu não foi bem dosada, cabível é sua reparação.
- Sendo o agente primário, de bons antecedentes, não se dedicando a atividades delitivas, tampouco integrando organizações criminosas, faz jus à causa de diminuição, prevista no § 4º do art. 33 da Lei no 11.343/06.
- Conforme entendimento consolidado pela Corte Superior deste egrégio Tribunal de Justiça – julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência no 1.0145.09.558174-3/003, em 24 de agosto de 2011 –, é possível a substituição da pena e a fixação de regime inicial mais brando para seu cumprimento, nos casos em que reconhecida a causa de diminuição da pena no crime de tráfico, prevista no art. 33, §4o, da Lei nº 11.343/06.
Apelação Criminal  Nº 1.0443.12.003444-4/001 - COMARCA DE Nanuque  - Apelante(s): JOSELITO DOS SANTOS - Apelado(a)(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS



A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. CATTA PRETA
Relator.


Des. Catta Preta (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação criminal, interposto por JOSELITO DOS SANTOS, contra a r. sentença (fl. 161/175) em que o MM. Juiz a quo julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal e condenou o acusado pela prática dos crimes previstos nos artigos 33, caput, da Lei nº 11.343/06 e 329 do Código Penal, às penas de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 4 (quatro) meses de detenção, em regime inicial fechado, mais pagamento de 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa, e o absolveu em relação ao delito previsto no art. 331 do Código Penal.

Nas razões recursais, a defesa requereu a absolvição do apelante em relação aos delitos de tráfico de entorpecentes e resistência, sob o argumento fundado na insuficiência de provas. Alternativamente, pleiteou a redução da reprimenda do crime de tráfico de drogas, na fração de 2/3, em razão da aplicação do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06; a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e a fixação do regime inicial aberto (fl. 182/188).

Em contrarrazões, o Ministério Público pugnou pelo não provimento do recurso (fl. 191/203).

No seu parecer, a d. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fl. 209/240).

É o relatório.

Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, CONHECE-SE do recurso interposto.

Narra a denúncia que, em 11 de setembro de 2012, por volta das 20h20min, no estabelecimento comercial denominado “Bar do Chicão”, na Rua Crisântemos, nº 60, Bairro Izadélfia Ferraz de Brito, em Nanuque/MG, o denunciado tinha em depósito, para venda a terceiros, 56 (cinquenta e seis) porções individualizadas de “crack” e, ainda, 1 (uma) pedra da mesma droga, totalizando 43,20 g (quarenta e três gramas e vinte centigramas) da substância.

Consta, também, que o denunciado, no momento da prisão em flagrante, se opôs à execução da ordem legal, utilizando-se de ameaça e violência contra os militares, bem como desacatou estes servidores públicos, afirmando que iria tomar providências para que eles “perdessem a fardinha de merda”.
Diante disso, foi o réu denunciado e, ao final, condenado pela prática dos delitos de tráfico de entorpecentes e resistência.

Inconformado, o apelante se insurge contra a sentença condenatória, sustentando, primeiramente, a necessidade de absolvê-lo dos delitos de tráfico de drogas e resistência, por insuficiência de provas.

No tocante ao crime de resistência, a defesa pleiteiou a absolvição do apelante, sob o argumento fundado na insuficiência de provas. Porém, razão não lhe assiste.

Assim dispõe o art. 329 do Código Penal:

“Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:
Pena - detenção, de dois meses a dois anos.
§ 1º - Se o ato, em razão da resistência, não se executa:
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 2º - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.”

Sabe-se que, para que se configure o referido crime, necessária é a grave ameaça ou a violência contra os policiais, o que, no caso em tela, caracterizou-se pelas provas dos autos.

A materialidade delitiva restou comprovada pelo APFD (fl. 6/17), boletim de ocorrência (fl. 18/30), auto de resistência (fl. 29) e atestado médico (fl. 58).

A autoria, da mesma forma, é inconteste.

Conforme consta no auto de resistência (fl. 29), o apelante teria proferido chutes e empurrões para tentar impedir a prisão, causando lesões leves no policial militar Carlos Soares de Castro, o que resta demonstrado pelo atestado médico (fl. 58).

Além disso, a testemunha Edivan Rodrigues Pereira, policial militar, aduziu (fl. 121):

“(...) que o réu reagiu à prisão, resistindo às algemas e alegando não ser o proprietário das drogas encontradas; que o réu se debatia, se escorava na parede e proferia socos e chutes, sendo necessária a presença de três policiais para a prisão do réu; que levaram ao réu ao pronto socorro, onde o réu resistiu ao exame, continuando a se debater.”

O policial militar, Magno Pereira dos Santos, que também participou da prisão em flagrante do réu, disse “que a princípio o réu reagiu à prisão, tentando fugir e empurrar os policiais, sendo necessário o uso de força para conter o réu; que o soldado Castro machucou o braço” (fl. 123).

No mesmo sentido, foram as declarações de Carlos Soares de Castro (fl. 122).

Desse modo, o conjunto probatório presente nos autos é coeso, idôneo e capaz de comprovar a autoria e a materialidade do crime de resistência descrito na exordial. Mantêm-se, assim, a condenação.

No entanto, verifica-se que, no caso, estão presentes os requisitos para concessão do sursis, previsto no art. 77 do Código Penal, uma vez que a condenação foi de 4 (quatro) meses de detenção, o condenado não é reincidente em crime doloso, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias são todas favoráveis ao apelante. Dessa forma, concede-se ao recorrente o benefício do sursis, devendo ser suas condições estabelecidas no juízo da execução.

Em relação ao crime de tráfico de drogas, em que pesem os argumentos sustentados, os elementos dos autos são firmes em demonstrar a prática do aludido crime.

A materialidade delitiva restou comprovada pelo APFD (fl. 6/15), boletim de ocorrência (fl. 18/30), auto de apreensão (fl. 33) e laudo toxicológico definitivo (fl. 146).

A autoria também resta amplamente demonstrada nos autos.

O condutor do flagrante, Edivan Rodrigues Pereira, declarou (fl. 6/7):

“QUE, o depoente, juntamente com outros policiais estavam de serviço na noite de ontem, quando receberam o comunicado via 190, de que havia denúncia anônima de que no bar do ‘Chicão’, localizado na Rua Crisântemo, 60, no Bairro Izadelfia Ferraz de Brito, estaria ocorrendo comércio de drogas e que esta, estaria guardada dentro de uma mesa de sinuca; Que, o denunciante dizia também que a droga era transportada pela esposa de Chicão, Ana Paula de Oliveira, dentro de um carrinho de bebê; Que deslocaram para o local citado acima; Que no bar havia três mulheres e o Chicão, dono do bar; Que uma das mulheres ao avistar a viatura, ficou desconfiada, dando a entender que tinha algo errado naquele local; Que, foi dada busca pessoal no Chicão, sendo ele identificado como Joselito dos Santos e nada foi encontrado; Que, ao perguntar quem era proprietário do bar, Chicão disse que era ele; Que os policiais pediram para que a gaveta da sinuca fosse aberta; Que, ao abrir ali foi encontrado um pote de cor branca com cheiro forte, semelhante a crack; Que o Soldado Castro pediu para que Chicão o acompanhasse até o banheiro, onde seria realizada uma busca; Que, Chicão, no momento relutou, não querendo deixar os policiais entrarem no banheiro; Que, neste momento o soldado Castro avistou um invólucro plástico e ao abri-lo, tratava-se de uma pedra semelhante a crack, pesando aproximadamente vinte e cinco gramas; Que, ao lado do invólucro tinha um pote plástico de cor marron e dento dele haviam cinqüenta e seis pedras de substância semelhante a crack, embalada para comércio; Que, Soldado Castro deu Voz de Prisão ao Chicão (...)”.

Em juízo, prestou o seguinte depoimento (fl. 121):

“que se recorda da abordagem do réu; que receberam denúncia anônima e se deslocaram ao local apontado, onde três mulheres, percebendo a presença da viatura policial, tentaram sair do local; que fizeram a abordagem de todos os presentes; que a denúncia apontava que a droga era guardada na gaveta da mesa de sinuca; que o depoente encontrou dentro da gaveta um pote vazio cheirando aroma parecido a crack; Que o soldado Castro encontrou numa prateleira próxima à porta do banheiro do bar uma pedra de crack embalada e, do lado, um pote contendo outras pedras de crack também embaladas em invólucro plástico (...)”

O policial militar Carlos Soares de Castro afirmou (fl. 122):

“que já receberam várias denúncias anônimas envolvendo o réu e sua esposa no tráfico de drogas; que houve denúncia de que o réu guardava as drogas num pote de ‘toddy’ e que sua esposa às transportava no carrinho de bebê; que no dia dos fatos, recebendo mais uma denúncia em desfavor do réu, a polícia militar se deslocou ao local, onde fizeram as buscas; que o réu cooperou com a ação policial, inicialmente, abrindo a gaveta da mesa de sinuca, onde foi encontrado um pote cheirando à crack, porém vazio; que o depoente encontrou sobre um móvel, nos fundos do bar, um pote de toddy, contendo pequenas pedras de crack embaladas em saco plástico tipo ‘chupe-chupe’, que ao lado do pote de toddy havia uma pedra maior, de cerca de 30gramas, acondicionada num saco plástico; que, então, determinou que se algemasse o réu (...)”.

E no mesmo sentido foram as declarações de Magno Pereira dos Santos, também policial militar (fl. 123).

No caso dos autos, não há qualquer motivo ou prova capaz de desconstituir a presunção de veracidade dos depoimentos prestados pelos militares.

De acordo com diversas decisões dos Tribunais pátrios, a condição de policial não desconstitui a sua credibilidade testemunhal, sendo a tomada de seus termos plenamente válida, como embasamento probatório, para a condenação.

Nesse sentido, veja o seguinte precedente:

“HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E  FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. RECONHECIMENTO PESSOAL. RATIFICAÇÃO EM JUÍZO. NULIDADE. NÃO CONFIGURADA. EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS PARA A CONDENAÇÃO.DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS QUE EFETUARAM A PRISÃO. CONCLUSÃO DIVERSA NECESSITARIA DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO, NÃO CABÍVEL NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS, PELO ÓBICE DA SÚMULA 07 DESTA CORTE. (...) 3. O depoimento de policiais pode servir de referência ao Juiz na demonstração da materialidade e autoria do crime, podendo ser utilizado como meio probatório apto à fundamentar a condenação.Precedentes. 4. Ordem denegada”. (HC 102.505/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 06/12/2010)

Outrossim, encontra-se acostado aos autos o laudo toxicológico definitivo da droga apreendida (fl. 146), constatando ser cocaína, e além disso, o próprio apelante assumiu a propriedade da substância, embora afirmasse que “comprou as drogas para usar na roça” (fl. 126).

Saliente-se, por fim, que, por se tratar de tipo penal de ação múltipla, o crime de tráfico de drogas não exige, para a sua configuração, que o agente seja flagrado, necessariamente, em pleno ato de mercancia, basta que a sua conduta se encaixe em um dos verbos descritos no art. 33 da Lei nº 11.343/06. Este dispositivo legal estabelece:

“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”.

In casu, o delito de tráfico de drogas foi configurado, uma vez que o apelante, conforme narra a denúncia, guardava substância entorpecente, enquadrando sua conduta em uns dos verbos do tipo penal.

Portanto, o conjunto probatório é suficiente para embasar a condenação do réu pela prática do tráfico de entorpecentes, dessa forma, infundada é a tese que requer a absolvição por insuficiência de provas.

No entanto, concernente aos pedidos de redução e substituição da pena aplicada pela prática do crime de tráfico de drogas, melhor sorte assiste à defesa.

Na primeira fase, o MM. Juiz a quo fixou a pena-base do apelante no mínimo legal, não comportando qualquer reparo, e, na segunda fase, diante da inexistência de atenuantes e agravantes, manteve-a no mesmo patamar.

Na terceira fase, por sua vez, aplicada a causa de diminuição de pena, prevista no art. 33, §4o, da Lei de Tóxicos, a reprimenda foi reduzida em 1/3 (um terço), em razão da quantidade de droga apreendida.

No entanto, tem razão a defesa quanto à necessidade de reforma da r. sentença neste ponto. No momento de fixação da pena-base, o Juízo a quo sopesou, de forma favorável, a quantidade da droga, que não foi excessiva. O mesmo entendimento deveria ter sido utilizado no momento da redução, em razão da aplicação do art. 33, §4º, da Lei 12.343/06, o que não ocorreu. Portanto, tendo em vista as circunstâncias judiciais consideradas favoráveis na fixação da pena-base, também nesse sentido deveria ser o apreço para redução da reprimenda, na terceira fase.

Assim, por não se justificar a adoção do patamar de redução da pena em 1/3 (um terço), modifica-se a fração, para reduzir a reprimenda em 2/3 (dois terços), consolidando-a em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.

Segundo entendimento que se vem adotando, é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, mesmo quando se trata do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, desde que presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal.

Restou incidentalmente declarada a inconstitucionalidade da vedação à substituição da pena imposta pela Lei no 11.343/06, em consonância com o julgamento realizado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal – HC no 97256, 1º de setembro de 2010, relatoria do ilustre Ministro Ayres Britto – conforme ementa a seguir citada:

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.
2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.
3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.
4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.”

Nesses termos, já que, em relação ao delito de tráfico de entorpecentes, estão presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, entende-se que a pena privativa de liberdade imposta ao apelante – 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão – deve ser substituída por duas restritivas de direitos, delegando-se ao Juízo da Execução a função de estabelecer as medidas cabíveis.

Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES EM CONCURSO MATERIAL COM CRIME DE RESISTÊNCIA - DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO PARA O DELITO DE USO - IMPOSSIBILIDADE - CRIME DE RESISTÊNCIA - ABSOLVIÇÃO - DESCABIMENTO INCIDÊNCIA DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA EM GRAU MÁXIMO - DESCABIMENTO - REGIME INICIAL ABERTO - OBSERVÂNCIA - SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA CARCERÁRIA - POSSIBILIDADE- ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - ISENÇÃO DE CUSTAS - NÃO CONCESSÃO - ADVOGADO CONSTITUÍDO - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 
-Restando devidamente comprovados nos autos a materialidade e a autoria delitivas, impossível se aventar a possibilidade de desclassificação do delito de tráfico para uso de drogas ou, ainda, a absolvição do acusado pelo delito de resistência
-Há de se proceder à nova dosimetria da pena, a fim de dar nova valoração às circunstâncias judiciais atribuídas ao acusado. 
-Preenchidos os requisitos previstos no art. 33, §4º da Lei 11.343/06 impõe-se a redução da pena em fração a variar de 1/6 a 2/3, fixando-se o percentual com base nas circunstâncias do art. 59 do CP, preponderando a natureza e quantidade da substância apreendida, conforme preconiza o art. 42 da Lei 11.343/06. 
-A partir do Julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 1.0145.09.558174-3/003 pela Corte Superior deste Tribunal de Justiça, tornou-se possível a fixação de regime inicial mais brando às hipóteses de tráfico de entorpecentes com incidência da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.11.343/06. 
-O STF, ao julgar o HC 97256, privilegiou o princípio da individuação da pena, ao proclamar a inconstitucionalidade da vedação em abstrato contida no art. 44 da Lei 11.434/06, possibilitando a substituição da pena carcerária por restritivas de direito também para os crimes de tráfico de entorpecentes, desde que presentes os requisitos objetivos e subjetivos previstos no art. 44 do CP. (Apelação Criminal nº 1.0637.12.004638-7/001. Relator: Des. Matheus Chaves Jardim. Data de publicação: 27/05/2013) (destaca-se).


Mantêm-se as demais cominações legais.

Ademais, o Senado editou a Resolução nº 5, no dia 15 de fevereiro de 2012, para riscar da Lei 11.343/06 a expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, considerada inconstitucional pelo Plenário do STF.

Não bastasse, salienta-se que outro não foi o entendimento consolidado pela Corte Superior deste egrégio Tribunal de Justiça – julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência no 1.0145.09.558174-3/003, julgado em 24 de agosto de 2011 –, razão pela qual reposicionamos o nosso entendimento sobre o regime inicial de cumprimento de pena, nos casos similares aos dos autos.

Filia-se ao raciocínio de que a imposição de regime inicial de cumprimento de pena menos gravoso, nos casos em que reconhecida a causa de diminuição da pena no crime de tráfico, adapta-se ao interesse primevo do legislador de, excepcionalmente, evitar o encarceramento do agente e privilegiar a diferenciação no grau de reprovabilidade das diferentes condutas por este praticada, não havendo, desse modo, violação dos artigos, 5º, incisos XLIII e XLVI, da Constituição Federal de 1988 e 2º, §1º, da Lei 8.072/90.

Portanto, de forma compatível com a pena fixada, altera-se o regime inicial de cumprimento das penas do recorrente para o aberto.

Diante do exposto, com respaldo nos princípios do livre convencimento motivado e da fundamentação dos atos jurisdicionais, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, para conceder a sursis em relação ao delito de resistência, reduzir a reprimenda do crime de tráfico de drogas, para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, substituir esta pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e fixar o regime inicial prisional aberto, pela prática dos delitos.

Isento de custas, nos termos da sentença.




Desa. Beatriz Pinheiro Caires (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Renato Martins Jacob - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "RECURSO PROVIDO EM PARTE"

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