Consultor Jurídico

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Decreto 7.473/2011 Abolitio Criminis Posse Arma....Aplicação do §3º Art. 33 Lei AntiDrogas....Substituição Pena

Um cliente nosso foi condenado à 07(sete) anos e 27 (vinte sete) dias de reclusão em regime fechado por posse de arma de fogo e tráfico de entorpecentes qualificado (envolvimento com menor).


Após Apelação ... Reforma total.....

A - Posse de Arma : Absolvição ----Abolitio Criminis Temporário;


B - Redução pena : 2 (dois) anos e 11 (onze) meses.


C - Substituição Pena privativa  de liberdade por restritivas de Direito.


Vejam o acórdão : 



Númeração Única:0018084-61.2011.8.13.0443
Processos associados:clique para pesquisar
Relator:Des.(a) MARIA LUÍZA DE MARILAC
Relator do Acórdão:Des.(a) MARIA LUÍZA DE MARILAC
Data do Julgamento:27/03/2012
Data da Publicação:04/05/2012
Inteiro Teor: 

EMENTA: POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÃO - "ABOLITIO CRIMINIS" - ABSOLVIÇÃO - TRÁFICO DE DROGAS - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - CAUSA DE AUMENTO POR ENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTE - MANUTENÇÃO - CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4.º, DA LEI 11.343/06. REGIME ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS - POSSIBILIDADE. 1. A posse de arma de fogo e munição, no interior da residência, sem autorização e em desacordo com a disposição legal está temporariamente coberta pela "abolitio criminis". 2. Se a prova incriminatória é contundente, restando a negativa do agente isolada nos autos, a manutenção do juízo condenatório é medida imperativa. 3. Presentes os requisitos subjetivos e objetivos previstos no parágrafo 4.º, do artigo 33, da Lei 11.343/2006, faz o apelante jus à aplicação da minorante. 4. Ao estabelecer a possibilidade redutora da pena, o legislador não definiu os critérios para o "quantum" a ser aplicado, mas, na ausência de outro elemento norteador, tem-se entendido, de um modo geral, que deve ser observado o preceito secundário do artigo 42 da Lei 11.343/2006. 5. A causa de aumento de pena prevista no artigo 40, VI, da Lei 11.343/2006 deve ser mantida sempre que comprovado o envolvendo de menor na prática do tráfico. 6. É possível o abrandamento do regime de cumprimento de pena e sua substituição, devendo tal possibilidade ser verificada no caso concreto.
APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0443.11.001808-4/001 - COMARCA DE NANUQUE - APELANTE(S): WENDEL RODRIGUES DA SILVA - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. MARIA LUÍZA DE MARILAC
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM PROVER O RECURSO EM PARTE, COM RECOMENDAÇÃO.
Belo Horizonte, 27 de março de 2012.
DESª. MARIA LUÍZA DE MARILAC - Relatora
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
A SRª. DESª. MARIA LUÍZA DE MARILAC:
VOTO
WENDEL RODRIGUES DA SILVA, inconformado com a sentença (fls. 104-161), que o condenou à pena de sete (07) anos e vinte e sete (27) dias de reclusão, em regime fechado, e seiscentos e quarenta e dois (642) dias-multa, pela prática dos crimes previstos nos art. 33, caput, c/c art. 40, VI, ambos da Lei 11.343/2006, e art. 12, da Lei nº. 10.826/2003, interpôs, através de defensor constituído, o presente recurso de apelação (fl. 163), requerendo a absolvição pelo crime de tráfico de drogas, por insuficiência de provas. Alternativamente, requer o decote da causa de aumento de pena, prevista no art. 40, VI, da Lei 11.343/2006 e o reconhecimento da minorante do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.
Contrarrazões do Ministério Público, pelo conhecimento e provimento parcial do recurso (fls. 180-187), apenas para a aplicação da minorante do artigo 33, § 4.º, da Lei 11.343/2011.
A d. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo parcial provimento do recurso, para que seja reconhecida a minorante prevista no art. 33, § 4.º, da Lei Antidrogas, com aplicação em seu grau máximo (2/3), e para que seja, de ofício, alterado o regime inicial para cumprimento de pena para o aberto e substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (fls. 197-207).
Quanto aos fatos, narra a denúncia que, na noite de 08 de abril de 2011, na Rua Bahia, nº. 98, Bairro Vila Nova, Comarca deNANUQUE, por volta das 00:40h, Wendel Rodrigues da Silva tinha para venda treze (13) pedras de Crack (4,8g) e 04 porções de cannabis sativa, vulgarmente conhecida como maconha, pesando 9,2g, todos acondicionados em plásticos, tudo para fins de tráfico de drogas. Igualmente, Wendel possuía, no interior do seu quarto, no mesmo endereço uma arma de fabricação caseira, possuindo quatorze milímetros (14mm), sem marca de identificação, sem numeração de série e duas (02) munições intactas da marca CBC, u7ma de calibre 7.62, e outra de calibre 38, tudo sem autorização e em total desacordo com determinação legal ou regulamentar. Consta que a polícia militar recebeu denúncia anônima via telefone 190 de que o réu, juntamente com o menor F.P.S, vulgo Cabeção, vendiam drogas na localidade e que Wendel possuía uma arma de fogo. Diante das notícias recebidas, os Militares empreenderam diligência até o referido local, e lá chegando, avistaram o menor correndo em direção à casa do réu, momento em que ele adentrou no interior da mesma. Ao revistar o menor, os policiais encontrarem as referidas drogas no bolso dele, tendo ele confessado que recebeu as drogas de Wendel para vender, e que ao avistar os policiais chegando, saiu correndo e entrou na casa do réu. Nessa oportunidade, Wendel estava à porta da sua casa esperando o menor, com o objetivo de saber o resultado das vendas das drogas do dia. Consta ainda da denúncia que Wendel, além de vender drogas, ainda fornecia entorpecentes para que o menor F.P.S. também vendesse.
Denúncia recebida em 15.06.2011 (fl. 70) e a sentença publicada em mãos do Escrivão em 06.10.2011 (fl. 162).
O processo transcorreu nos termos da sentença, que ora adoto, tendo sido o apelante pessoalmente intimado (fls. 168-169).
Vistos e relatados, passo ao voto.
Conheço do recurso, pois previsto em lei, cabível, adequado e presente o interesse recursal, bem como foram obedecidas às formalidades devidas à sua admissibilidade e ao seu processamento.
DO CRIME DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO
Tenho preliminar, de ofício, que gostaria de submeter à apreciação da Turma Julgadora.
É que, a meu aviso, a conduta imputada ao réu, de posse de arma de fogo - artigo 12 da Lei n.º 10.826/03 - não encontra, neste momento, tipicidade, por força do Decreto 7.473/2011, que regulamentou a Lei 10.826/2003, acabando por ampliar e modificar as condições do período de vacatio legis temporalis, ao permitir a regularização e entrega espontânea das armas de fogo por prazo indeterminado.
A nova redação dos dispositivos prorrogou a situação peculiar que não mais existia, ao renovar a possibilidade de regularização do registro e entrega espontânea por tempo indeterminado, dando mais uma oportunidade de devolução das armas e munições possuídas ilegal ou irregularmente, por recriar a situação excepcional que tornou atípica as ações descritivas tanto no art. 12 como no art. 16 da Lei Federal 10.826/03 e recriando a condição de abolitio criminis temporalis por prazo indeterminado, ou seja, até que novo decreto estipule nova data final para entrega das armas e munições, após a qual os delitos indicados encontrarão completa adequação típica.
Neste sentido:
Respeitados entendimentos diversos, minha interpretação em relação aos artigos 5º, § 3º, 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento, é a de que a abolitio criminis temporária criada pela Lei 10.826/2003 e recentemente estendida pelo Decreto nº 7.473/2011, abrange as condutas de possuir e manter sob guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido ou restrito, com numeração raspada ou adulterada, em sua residência ou dependência desta, ou ainda, no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa. Logo, o comportamento perpetrado pelo recorrente, segundo a acusação, de manter sob sua guarda no interior da residência uma espingarda, resta abarcado pela citada causa extintiva de punibilidade. Declarada, de ofício, a extinção da punibilidade do apelante, restando prejudicado o exame de seu recurso. (TJRS - Ap. Criminal 70043111533 - Rel. Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira - 05.10.2011 - grifei)
Dadas as disposições da Lei n.º 10.826/03, com a alteração subsequente pelo Decreto n.º 7.473, de 05.5.2011, ocorreu um vácuo legislativo em relação à posse de arma de fogo por prazo indeterminado, já que "presumir-se-á a boa-fé dos possuidores e proprietários de armas de fogo que espontaneamente entregá-las na Polícia Federal ou nos postos de recolhimento credenciados, nos termos do art. 32 da Lei nº 10.826, de 2003". Assim, atualmente ocorre atipicidade das condutas previstas nos arts. 12 e 16 (quanto à posse) do Estatuto do Desarmamento, inexistindo punição cabível, já que se presume a boa-fé de que o agente entregaria a arma e munições. Aplica-se, no caso, o parágrafo único do art. 2º do Código Penal. (TJRS - Ap. Criminal 70043326149 - Rel. Des. Manuel José Martinez Lucas - 28.09.2011)
Cumpre ressaltar que, por se tratar de norma mais benéfica, deve retroagir para beneficiar o agente, aplicando-se, portanto, ao presente caso.
Frise-se, ainda, que o artigo 32 não faz qualquer restrição quanto às armas de fogo e respectivas munições, de onde se conclui que a entrega poderia ocorrer tanto das armas ou munições de uso permitido quanto daquelas de uso restrito, com ou sem numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado.
Não se pode perder de vista que a intenção do legislador foi o desarmamento da população.
Nesse sentido, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:
Diante da literalidade dos artigos relativos ao prazo legal para regularização do registro da arma (artigos 30, 31 e 32 da Lei 10.826/2003), ocorreu "abolitio criminis" temporária em relação às condutas delituosas concernentes à posse ilegal de arma de fogo e de munições. 2. Ordem concedida para, a teor do que dispõe o art. 107, inciso III, do Código Penal, declarar extinta a punibilidade do Paciente quanto ao delito capitulado no art. 16, caput, da Lei n.º 10.826/2003. (STJ - HC 136.009/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz - 25/04/2011 - grifei)
1. Este Sodalício firmou entendimento no sentido de que a vacatio legis estabelecida pelos artigos 30 e 32 da Lei n.º 10.826/2003 para a regularização das armas dos seus proprietários e possuidores é reconhecida hipótese de abolitio criminis temporalis, inclusive se a arma tiver numeração raspada ou for de uso restrito. 2. É de rigor a extinção da punibilidade se o paciente foi condenado, como incurso no artigo 16, parágrafo único, IV, da Lei nº 10.826/2003, por ocultar uma arma de fogo, em 09.07.2007, dentro de uma mochila no interior de sua residência, no período da vacatio legis, prorrogado pela Lei nº 11.706/2008. 3. Ordem concedida para declarar extinta a punibilidade relativamente à condenação imposta ao paciente na Ação Penal nº 24.07.023913-2, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Vitória/ES. (STJ - HC 119696/ES, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura - 08/06/2011 - grifei)
Na esteira desse raciocínio, tratando-se de conduta atípica, voto no sentido de absolver o apelante, de ofício, da conduta prevista no artigo 12 da Lei n.º 10.826/03, com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.
DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS.
Analisei as razões da apelação, confrontando-as com a sentença atacada e com as provas coligidas aos autos, e vejo que o apelo deve ser parcialmente provido.
A materialidade está demonstrada pelo auto de apreensão (fl. 37) e laudos de constatação (fls. 33-34) e toxicológico definitivo (fl. 115), que não deixam dúvidas sobre a natureza dos entorpecentes apreendidos, em consonância com o auto de prisão em flagrante (fls. 02-10) e boletim de ocorrência (fls. 13-20).
A autoria que recai sobre o apelante também restou comprovada.
Na fase inquisitiva (fl. 10), Wendel Rodrigues da Silva assumiu a propriedade de somente três (03) buchas de maconha apreendidas, no entanto, alegou que eram destinadas ao seu uso próprio. Sob o crivo do contraditório (fls. 94-95), reiterou:
...são parcialmente verdadeiros os fatos narrados na denúncia; a arma de fogo era do depoente; quanto à droga, apenas as três dolas de maconha que foram encontradas dentro da casa do depoente eram do depoente; F.P.S. não entrou na casa do depoente correndo da polícia; ele entrou porque o depoente o convidou para entrar, para juntos fumarem maconha; o depoente não sabia que F.P.S. estava com drogas; o depoente compra a droga no Bairro Zarur, não sabendo dizer o nome do fornecedor; J. estava apenas conversando com o depoente e fumando um cigarro; quando o depoente e F.P.S. viram a viatura F.P.S. já estava dentro da casa do depoente; não sabe se F.P.S. falou que estava vendendo as drogas para o depoente e, se ele falou, o depoente não sabe o motivo...
Como sói acontecer em casos como este, o menor F.P.S., tanto na Depol (fl. 09), quanto em Juízo (fl. 89), tentou inocentar o apelante, assumindo sozinho a propriedade e posse de toda a droga apreendida com ele:
... que, o informante é amigo de Wendel, mais conhecido como Ferreirinha; que, na data de hoje, por volta da meia noite saiu de casa e foi para a casa de Ferreirinha; que, ficou do lado de fora com Ferreirinha e Jefinho; que a droga encontrada em seu bolso da bermuda o informante pegou na data de ontem na pracinha do bairro UDR com Jonatan; que, não sabe dizer onde Jonatan mora; que, pagou cinquenta reais por treze pedras de crack e uma bucha de maconha; que, não pegou a droga com Ferreirinha; quem não ia vender a droga e sim fazer uso dela; que, é usuário de crack e maconha há seis meses; (...) que, os cinquenta reais conseguiu com a venda de um celular que vendeu na data de ontem; que, tinha conhecimento que Ferreirinha era traficante; (...) as demais buchas de maconha pertenciam a Ferreirinha; que, os demais objetos também pertenciam a Ferreirinha, inclusive as munições; que, Jeferson é usuário de droga; que, não sabe dizer se Ferreirinha faz uso de droga... (DEPOL)
Que o depoente inventou na delegacia que comprou a droga de Jonathan; o depoente tirou esta história da própria cabeça; toda a droga é do depoente; nenhuma parte da droga era de Ferreirinha; não sabe porque falou para o promotor de justiça que a droga era de Ferreirinha e o depoente estava vendendo droga para ele; (...)"as pedras de crack foram encontradas no bolso do depoente; uma bucha de maconha foi encontrada com o depoente e três buchas foram achadas na casa de Ferreirinha; dessa droga, treze pedras de crack e uma bucha de maconha era do depoente; quando o depoente foi abordado pela polícia estava dentro da casa do Réu; quando o depoente avistou a polícia ainda não estava dentro da casa do Réu; foi o Réu quem chamou o depoente para entrar na casa dele; o depoente estava perto da casa de Ferreirinha vendendo droga na pracinha; o depoente estava vendendo droga para o depoente mesmo; fazia um mês que o depoente estava vendendo droga. (EM JUÍZO - grifei)
Entrementes, o próprio menor F.P.S., durante o procedimento de apuração de ato infracional, nas duas oportunidades em que foi ouvido, confessou que comercializava a droga para Wendel Rodrigues da Silva, explicando que inventou a história narrada no APFD porque o apelante ameaçou "pegá-lo" caso ele o entregasse:
... Informalmente ouvido, o adolescente confirmou em parte os termos de seu depoimento prestado perante a autoridade Policial; que não comprou a droga de nenhum Jonatan; que inventou essa história, pois Ferreirinha ameaçou pegar o declarante se o declarante entregasse ele (Ferreirinha); que Ferreirinha determinou que o declarante deveria assumir a propriedade da droga, arma, munição para que ele, Ferreirinha, não pegasse cadeia porque já é de maior; que as 13 (treze) pedras de "crack" e a bucha de maconha seriam para vender; que vende drogas para Ferreirinha (Wendel); que é Ferreirinha que sabe quem passa a droga para vender; ontem quando a polícia lhe pegou estava indo entregar a droga para Ferreirinha, pois não havia conseguido vender nada; que já viu Wendel, v. "Ferreirinha" traficando drogas com Alife, pessoa que foi preso há poucos dias; que é a primeira vez que é pego traficando drogas; que assim que Ferreirinha saiu da cadeia comecei a traficar com ele; que para compra da droga vendeu o aparelho celular que ganhou de presente da irmã, por R$50,00; que financiou Ferreirinha para a compra dessa droga; que iria ganhar R$80,00 com esse negócio; que foi o declarante que pediu Ferreirinha para vender drogas, para fazer dinheiro..." (TERMO DE OITIVA INFORMAL - fl. 56 - grifei).
Que são verdadeiros os fatos descritos na representação, lida nesta oportunidade; que trazia consigo a droga apreendida para fins de comercialização; que estava traficando drogas há um mês; que foi consumidor de drogas por um ano, mas abandonou o vício; que a comercialização era realizada em associação com "Ferreirinha"; que em poder dos envolvidos foi arrecadada uma arma de fogo, que nega ser de sua propriedade; que ratifica o termo de oitiva informal de fls. 27/28, lido nesta oportunidade, retificando apenas que a arma não lhe pertence; que "Ferreirinha" é traficante desde que saiu da cadeia... (AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO MENOR - fl. 98 - grifei)
No mesmo sentido, Maria Aparecida Pereira de Souza, genitora do menor F.P.S. consignou, no Termo de Responsabilidade firmado perante o Ministério Público (fl. 46), que seu filho de fato estava traficando drogas para Wendel:
...que está ciente das declarações hoje prestadas pelo seu filho ao Ministério Público e sabe que elas são verdadeiras; que sabe que seu filho voltar a se envolver com traficantes, principalmente Ferreirinha, sabe que corre risco de morte; que realmente a verdade é que seu filho estava traficando drogas para Ferreirinha; que é a primeira vez que seu filho trafica drogas e tomará todas providências para que isso não ocorra mais; que viabilizará a volta de seu filho para escola na segunda-feira. (grifei).
Ressalte-se que é comum em crimes de tráfico de drogas o menor assumir a responsabilidade pela droga, em solidariedade ao comparsa imputável, seja porque sabe que a repressão estatal sobre sua pessoa é menor, seja porque tem ciência de que a delação pode lhe custar muito caro, colocando, muitas vezes, em perigo, sua própria integridade física.
Tal situação encontra-se claramente evidenciada no caso em testilha, pois o adolescente F.P.S., possivelmente temendo por represálias de Wendel, somente assumiu a associação entre ambos para a prática de tráfico de drogas nas duas vezes em que foi ouvido, longe deste, ou seja, nas audiências de oitiva informal e apresentação do menor, perante, respectivamente, à curadoria e à Vara da Infância e Juventude, oportunidades nas quais certamente sentiu-se mais seguro para narrar a dinâmica real dos fatos.
Ademais, é a delação do menor que encontra amparo nas demais provas colhidas.
Conforme consta do histórico do Boletim de Ocorrência Policial (fl. 18), o que motivou a abordagem do apelante foi denúncia anônima, via 190, feita à Polícia, informando:
...que o autor Wendel Rodrigues da Silva, (vulgo Ferreirinha), e o menor F.P.S. (vulgo Cabeção) estavam traficando drogas na praça situada no Bairro Vila Nona e que o primeiro citado possuía uma arma de fogo. Diante das informações deslocamos para o local, onde ao aproximarmos, o menor F.P.S. correu para dentro do quarto da residência do autor Wendel. Adentramos em seguida e conseguimos abordá-los, e encontramos no bolso do lado direito da bermuda uma bucha de substância entorpecente (maconha) e treze pedras de substância entorpecente (crack) e a quantia de dois reais em moeda corrente que estava em sua carteira. No quarto do autor Wendel encontramos uma garrucha de fabricação caseira, sessenta e três espoletas, um recipiente plástico contendo pólvora, um cartucho intacto calibre 0.38, um cartucho calibre 7.62 picotado, três buchas de substância entorpecente (maconha), vinte e seis reais e sessenta e seis centavos em moeda corrente, um carregador de aparelho celular, uma bateria de celular Nokia, um chip de celular de marca Tim, um Walkman de marca Sony de cor cinza, um capacete de motocicleta de cor vermelha sem marca e sem viseira, uma TV de cinco polegadas de marca Prosonic. Também se encontrava no local o menor J.A.R.J. Ao exposto, realizamos as apreensões dos menores e a prisão do autor Wendel bem como as apreensões dos objetos e drogas citadas neste B.O., sendo encaminhados a esta Depol para demais providências. (grifei)
O Policial Militar Carlos Roberto Alves de Oliveira, sob o crivo do contraditório (fl. 92), declarou:
...Que sabe quem é Wendel, vulgo Ferreirinha; tem conhecimento de atos infracionais por ele praticados, quando era menor de 18 anos; recebeu a notícia via "190" de que F.P.S. e o Réu estariam praticando tráfico de drogas no Bairro Vila Nova; quando o depoente se aproximou F.P.S. estava chegando em frente à casa de Ferreirinha, onde se encontravam o Réu e Jeferson; ao ver a polícia F.P.S. entrou correndo para dentro de casa; quando foi dado busca em F.P.S., parte da droga foi encontrada no bolso de F.P.S., e o restante da droga estava dentro do quarto do Réu; a garrucha foi encontrada dentro do guarda roupas; confirma as declarações que contam na fl. 06; (...) não se lembra de ter encontrado mais algum objeto que pudesse caracterizar o tráfico, além do que já foi apreendido; o Réu não assumiu a prática do tráfico, mas a polícia já tinha informações de que ele estava traficando na praça do Bairro Vila Nova; o policiamento comunitário do local também recebeu essas mesmas informações, de pessoas que vão até a polícia relatar o fato, mas não querem se identificar; não sabe se na ocasião de alguma dessas informações obtidas pela polícia foi lavrado boletim de ocorrência, apesar de saber o depoente que sempre, diante de um crime, o boletim tem que ser feito... (grifei)
No mesmo sentido o depoimento do Policial Militar Giliard Meireles, em juízo (fl. 91):
Que sabe quem é o Réu e já tinha conhecimento do envolvimento dele com o tráfico de drogas; confirma as declarações que constam na f. 08; (...) o depoente mora no Bairro Vila Nova e a população do bairro fala que o réu é traficante; o depoente já havia abordado o Réu em diversas vezes anteriormente; o depoente já ouviu vários comentários acerca do envolvimento do Réu com o tráfico; que não sabe se foram lavrados boletins de ocorrência de tais denúncias, mas normalmente é feito um BOS, boletim de ocorrência simplificada... (grifei)
Ao contrário do que alega a defesa, tenho que as provas são suficientes para condenação do apelante nos termos da sentença ora impugnada. A estratégia defensiva consiste apenas em, além de transferir toda a culpa ao menor, desqualificar os depoimentos dos policiais (que confirmam a existência de diversas denúncias noticiando a prática de tráfico pelo réu, bem como que viram o adolescente infrator correr para o interior da sua residência tão logo avistou a polícia) e supervalorizar a versão do apelante (que se limitou a negar o tráfico de drogas e afirmar que a droga encontrada em sua residência era destinada exclusivamente ao seu consumo) numa verdadeira inversão de valores, já que se trata de confronto entre as palavras de alguém que está acusado por um crime, que não presta compromisso legal por não ter obrigação de se autoincriminar e a de quem é servidor público, delegado do poder de policia do Estado e que presta compromisso de dizer a verdade, sob as penas da lei.
Com efeito, parcialidade ou má fé não se presume, se prova e, no caso em tela, repita-se, a i. defesa não trouxe evidência alguma nesse sentido.
Oportuno lembrar, ainda, que "a presunção é sempre a favor da autoridade judiciária ou policial. O que se presume é, realmente, a imparcialidade, a correção, a lealdade, a lisura. Precisamente a exceção é que exige prova. Quem acusa a autoridade de arbitrária, de capaz de coagir para extorquir confissões contra a verdade, de forjar depoimentos, de compelir a assinar o que o réu não disse, está no dever de oferecer provas, pois a acusação é das mais graves, é das mais repugnantes." (Ac. TJ do DF - Ap. crim. 5.371, Rel. Des. José Duarte - Plácido Sá Carvalho, CPP, p. 182).
A jurisprudência pátria toma a palavra do policial como prova tão idônea como qualquer outra, só cedendo na hipótese mencionada, a qual não restou provada nos autos nem poderia ser de outra forma, pois seria completamente ilógico o Estado delegar a pessoas o exercício de sua função repressiva e negar à palavra delas credito no exercício de seu mister.
Neste sentido:
... Conforme jurisprudência desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal. (STJ - HC 182245 / DF - Habeas Corpus 2010/0150215-9 - Rel. Ministro Jorge Mussi - 25.04.2011)
Quando a palavra dos policiais é uníssona, sem contradições, e a defesa não conseguiu produzir prova que a afastasse, não há porque desconsiderar seus depoimentos. (TJMG - Ap. Criminal 1.0024.09.708094-9/001 - Rel. Des. Jane Silva - 03.09.2010)
Consigne-se que, ao contrário do que alega a douta defesa, é natural que os depoimentos prestados pelos policiais em sede investigativa sejam parecidos, uma vez que eles presenciaram os mesmos fatos, em idêntico contexto.
Enfim, a prova autoriza a condenação pelo delito de tráfico. Conforme já visto linhas acima, os agentes policiais militares compareceram ao local indicado pela denuncia anônima, dando conta de que o apelante e o adolescente F.P.S. ali traficavam drogas. Chegando ao local, o adolescente, ao avistar os policiais, correu para o interior da residência de Wendel Rodrigues da Silva, que já era conhecido no meio policial como traficante de entorpecentes, tendo sido apreendidas drogas tanto no bolso do menor quanto no quarto de Wendel, o que, a meu aviso, não pode ser considerado como mera coincidência.
A notícia anônima é um instrumento importante de prevenção e repressão de delitos desta natureza. Se a informação repassada aos militares fosse inverídica, ou seja, se o apelante não fosse traficante, não seria possível que os policiais fossem encontrá-lo no mesmo local indicado, bem como apreendido crack e maconha.
Consigne-se que não se trata de embasar uma condenação apenas em informações anônimas, mas sim condenar quem, através delas, restou comprovado que efetivamente cometeu o crime. De igual sorte, não há que se falar em violação ao artigo 155 do Código de Processo Penal, uma vez que, conforme vastamente exposto, a condenação não se baseou somente em elementos colhidos na investigação, mas sim em todo o conjunto probatório obtido durante a instrução processual.
Além disso, outro elemento de convicção acerca da destinação da droga é a sua variedade (maconha e crack) e o modo como ela estava acondicionada, ou seja, "dolada".
Enfim, as circunstâncias que envolvem o fato, quais sejam, a apreensão de entorpecentes, somada à denúncia anônima feita à polícia militar e a prova oral colhida durante a instrução processual, notadamente, a confirmação do menor FPS, que vendia droga para o apelante, denotam que este realmente perpetrava o delito do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06.
Conforme bem se expressa Guilherme de Souza Nucci, "Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados - a grande maioria - que exigem a captação de indícios para a busca da verdade real" (Código de Processo Penal Comentado, 5.ª ed., p. 505). Nos dias atuais não cabe mais tachar os indícios como provas secundárias, podendo ser colocados em degrau mais elevado, a par das provas diretas. Frise-se que, na atualidade, a esmagadora maioria dos processualistas não hesita em conferir aos indícios o mesmo valor da prova direta.
Sobre o tema também oportuna a lição de Myttermayer, indício "é um fato em relação tão precisa com outro fato, que, de um, o Juiz chega ao outro por uma conclusão natural" (Tratado da prova em matéria criminal, 1871, p. 497).
Bem por isso, constitui meio de prova tão idôneo como qualquer outro. Aliás, assim dispõe o artigo 239 do Código de Processo Penal: "considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias".
O jurista Fernando Capez, ao discorrer sobre o valor probante dos indícios, assevera:
A prova indiciária é tão válida como qualquer outra - tem valor como as provas diretas -, como se vê na exposição de motivos, que afirma inexistir hierarquia de provas, isto porque, como referido, o Código de Processo Penal adotou o sistema da livre convicção do juiz, desde que tais indícios sejam sérios e fundados. (Curso de Processo Penal, 7.ª ed., rev. e amp., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 305).
A jurisprudência não discrepa:
Diante da convicção do juiz, encampado pelo Código, a prova indiciária, também chamada circunstancial, tem o mesmo valor das provas diretas, como se atesta na Exposição de Motivos, em que se afirma não haver hierarquia de provas por não existir necessariamente maior ou menor prestígio de uma com relação a qualquer outra (item VII). Assim, indícios múltiplos, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade, são suficientes para dar base a uma decisão condenatória, máxime quando excluem qualquer hipótese favorável ao acusado. (TJMG - Recurso em Sentido Estrito n.º 1.0511.03.900008-4/001 - Des. Beatriz Pinheiro Caíres - 02.06.2005)
A prova indiciária é suficiente a definir a autoria do delito, porquanto em matéria criminal, dado o sistema do livre convencimento que o Código adota, o seu valor mostra-se em tudo igual ao da prova direta. - Circunstâncias judiciais parcialmente desfavoráveis justificam a pena-base acima do mínimo legal, bem como a rejeição das penas restritivas de direitos substitutivas. Os antecedentes desabonadores e a reincidência, respectivamente, justificam a manutenção do regime prisional semi-aberto e o fechado. (TJMG - Ap. Criminal 1.0024.04.424067-9/001 - Rel. Des. Eli Lucas de Mendonça - 20.08.2008)
Importa salientar que o fato de o apelante não ter sido pilhado no ato da venda de substância entorpecente, não impede a sua condenação. Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial predominantes, para a configuração do delito de tráfico, na forma consumada, não é indispensável que o agente seja preso no ato da mercancia. Isso, porque o tipo descrito no artigo 33 da Lei n.º 11.343/06 é misto alternativo, de natureza múltipla ou de conteúdo variado, ou seja, todas as condutas ali descritas, separadas ou conjuntamente, enquadram-se na tipificação legal supramencionada. Em outras palavras, o crime se consuma com a prática de qualquer um dos núcleos trazidos pelo tipo, não se exigindo efetivo ato de comercialização da droga.
Esse entendimento é pacificamente perfilhado pela jurisprudência, consoante se verifica dos julgados abaixo, deste Egrégio Tribunal de Justiça e do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
Restando comprovadas a autoria e materialidade do delito de tráfico de entorpecentes, mostra-se descabida a pretensão absolutória, pois, não obstante alegue ser viciado em drogas, a evidência dos autos converge para entendimento contrário, já que não logrou demonstrar que a substância apreendida era para seu exclusivo consumo. 2. Sendo o delito de tráfico ilícito de entorpecentes de mera conduta, incabível a forma tentada, pois este se aperfeiçoa com a prática de qualquer das condutas descritas no art. 33 da Lei 11.343/2006, dentre outras as de "guardar", "transportar" ou "trazer consigo", pouco importando o fim ou a destinação que venha ser dada à droga. 3. [...] (TJMG, APC 1.0672.08.287282-7/001, Rel. Des.(a) Antônio Armando dos Anjos, DJ18/06/2009)
O crime de tráfico ilícito de entorpecentes, preconizado no art. 33 da Lei 11.343/06, é delito de ação múltipla (multinuclear), contemplando, entre outras, a guarda da substância, que, na espécie, embasou a prisão em flagrante. (RHC 22165/GO, Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2007/0235616-5; Ministro Arnaldo Esteves Lima; 5ª Turma, STJ; DJ 13/12/2007)
O crime de tráfico de entorpecentes compreende dezoito ações identificadas pelos diversos verbos ou núcleos do tipo, em face do que tal delito se consuma com a prática de qualquer delas, eis que delito de ação múltipla ou misto alternativo. Precedentes. (STJ, HC 27704/MS - Habeas Corpus 2003/0049808-4; Rel. Ministro Hamilton Carvalhido; Sexta Turma; DJ 03/09/2007, p. 223)
Nesse panorama, assim como concluiu o nobre sentenciante, a prova incriminatória é contundente, de sorte que a manutenção do juízo condenatório é medida imperativa.
Na esteira desse raciocínio, a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, VI, da Lei 11.343/2006 também restou comprovada nos autos, não havendo dúvidas de que o apelante praticava o delito na companhia do menor F.P.S., envolvendo-o na prática do tráfico.
Noutro giro, quanto ao pedido sucessivo de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4.º, da Lei 11.343/2006, razão assiste ao apelante.
O MM. Juiz a quo não reconheceu a referida causa de diminuição de pena, ao fundamento de que "... o réu não faz jus à especial causa de diminuição prevista no § 4.º do artigo 33, da Lei 11.343/2006, pois se dedica habitualmente à atividade criminosa para sustentar-se. De fato, segundo ele próprio, "não estuda e não trabalha" (fls. 94/95), embora disponha de condições físicas e mentais para fazê-lo, fato corroborado por Geová Brito Sampaio, testemunha arrolada pela Defesa e que "não sabe de nenhum lugar onde o réu já tenha trabalhado" (fl. 93). A propósito, segundo Geová, "a preocupação do pai do réu é porque o réu não gosta de trabalhar e estudar" (fl. 93). Por outro lado "...a polícia já tinha informações de que ele - o réu - estava traficando na Praça do Bairro Vila Nova" (fl. 90). A propósito, Giliard Meireles "...mora no Bairro Vila Nova e - destacou ele - a população do bairro fala que o réu é traficante" (fl. 91). F.P.S. também o disse, e mais de uma vês (fls. 9, 56 e 98), sendo suas palavras afiançadas por sua mãe (fl. 46) e pelo "pai de criação" do próprio réu (fl. 99). Certo é que durante a instrução F.P.S. retratou-se, afirmando não saber "porque falou para o Promotor de Justiça que a droga era de Fereirinha e o depoente estava vendendo droga para ele" (fl. 89). Mas, em meu sentir, é intuitivo o porquê das oscilações apresentadas: perante o MP, em procedimento em que figurava como autor de ato infracional, a fim de safar-se, "jogou a bronca" em "Ferreirinha". Já neste processo, em que figura como testemunha após a solução de "seu problema"perante a Vara de Infância e Juventude, assumiu a "boca" para livrar o réu da repreensão penal, que recentemente foi solto (liberto de internação pela prática de atos infracionais) e atingiu a maioridade, mas não chegou a ficar um mês livre do cárcere porque foi preso em razão dos fatos denunciados (fls. 94/95)" (fl. 103).
Entretanto, tenho que somente tais afirmativas não são suficientes para comprovar que o apelante "se dedique a atividades criminosas", máxime considerando que a certidão cartorária de antecedentes criminais do apelante (fl. 54) não contém nenhum registro de condenação ou mesmo algum processo em instrução.
Com efeito, estabelece o § 4.º do artigo 33, da Lei 11.343/06 que
...nos delitos definidos no "caput" e no § 1.º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre criminosa. (grifei.)
A esse respeito ensina Luiz Flávio Gomes:
A simples leitura do parágrafo pode induzir o intérprete a imaginar que o benefício está na órbita discricionária do juiz. Contudo, parece-nos que, preenchidos os requisitos, o magistrado não só pode, como deve reduzir à pena, ficando a sua discricionariedade (motivada) limitada à fração minorante (esta orientada pela quantidade e/ou espécie de droga apreendida). (Lei de Drogas Comentada, RT, 4.ª ed, 2011, p. 212).
No caso sob exame, conforme reconhecido na própria sentença, o apelante é primário e de bons antecedentes (CAC de fl. 54).
Por outro lado, conforme já dito, os argumentos apresentados pelo i. Juízo "a quo" não são suficientes para comprovar que o réu se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa.
Desta forma, presentes os requisitos previstos no § 4.º do artigo 33 da Lei 11.343/06, a redução da reprimenda se impõe.
Ao estabelecer a possibilidade redutora da pena, o legislador não definiu os critérios para o quantum a ser aplicado, mas, na ausência de outro elemento norteador, tem-se entendido, de um modo geral, que deve ser observado o preceito secundário do artigo 42 da Lei 11.343/2006 que disciplina que, na fixação das penas, o Juiz considerará, com preponderância à análise das circunstâncias judiciais, a natureza e quantidade da substância e do produto, a personalidade e a conduta social do agente.
Sobre o tema ensina Jorge Vicente da Silva:
Num primeiro momento, pode-se ter a impressão de que esta modalidade de mensuração dos benefícios pode importar em bis in idem, haja vista que, na fixação da pena-base, estes fatores já foram considerados, o que é proibido em termo de direito penal. Entretanto, não configura esta hipótese porque tais vetores valorados no momento da fixação da pena-base têm o condão de fixar a quantidade de aumento da pena além do mínimo legal prevista para o tipo. Para fins do benefício em debate, no entanto, terá a finalidade de mensurar a quantidade de diminuição de pena. Portanto, sendo considerados com finalidade diversa, não configuram hipótese de bis in idem. (Comentários à Nova Lei Antidrogas - Manual Prático,1.ª ed., 2.ª tir./Curitiba. Juruá Editora, 2007, pág. 79).
A jurisprudência sufraga no mesmo sentido:
... O "quantum" de redução deve atender aos critérios da qualidade e quantidade da droga, associado à personalidade e conduta social do agente. (TJMG - Ap. Criminal 1.0702.09.561327-0/001 - Rel. Des. Jane Silva - 11.02.2010)
Preenchidos todos os requisitos exigidos pelo artigo 33, § 4.º, da lei de drogas, deve o Magistrado aplicar a redução de pena, que configura verdadeiro direito público subjetivo do apenado. O quantum de redução deve ser calculado, dentre outras circunstâncias, com base na quantidade de droga apreendida e em sua potencialidade lesiva. (TJMG- Ap. Criminal 1.0352.09.055368-1/001 - Rel. Des. Paulo Cézar Dias - 09.02.2011)
In casu, levando-se em conta a conduta social do réu, que é ruim, posto que, segundo ele próprio afirmou, em Juízo, "não estuda e não trabalha" (fls. 94-95), embora disponha de condições físicas e mentais para fazê-lo, fato corroborado por Geová Brito Sampaio, testemunha arrolada pela Defesa, que declarou que "não sabe de nenhum lugar onde o réu já tenha trabalhado (...)a preocupação do pai do réu é porque o réu não gosta de trabalhar e estudar" (fl. 93) e, ainda, a qualidade e quantidade do entorpecente aprendido - treze (13) pedras de crack, pesando 4,8g e quatro (04) porções de maconha, pesando 9,20g, a redução da pena de metade (1/2), se mostra adequada.
Noutro giro, tenho que a fixação das penas-base em 06 anos e 03 meses de reclusão e 625 dias-multa, se deu de forma exacerbada, na medida em que considerou como desfavoráveis apenas duas circunstâncias judiciais, quais sejam : a conduta social e os motivos do crime.
Quanto à primeira (conduta social) ressalvou que só iria considerá-la na terceira fase de dosimetria da pena. No tocante aos "motivos do crime são o de ganho fácil e elevado, considerando-se a alta rentabilidade da traficância" são inerentes ao crime de tráfico, razão por que não podem ser sopesados negativamente.
Feitas essas considerações, passo à reestruturação das penas.
Na primeira fase, fixo as penas-base em cinco (05) anos de reclusão e quinhentos (500) dias-multa.
Na segunda fase, tal como na sentença, reconheço em favor do apelante a atenuante prevista no artigo 65, I, do Código Penal, vez que, tendo nascido em 08.10.1992, era menor de 21 anos à época dos fatos (08.04.2011). Entretanto, deixo de aplicá-la, porque a pena-base foi fixada em seu mínimo e a incidência de circunstâncias atenuantes não pode conduzir à redução da pena abaixo do seu mínimo legal (Súmula 231 do STJ). Na há circunstâncias agravantes a serem aplicadas, in casu. Ausentes circunstâncias agravantes.
Na terceira fase, presente a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, VI, da Lei 11.343/2006, tal como na sentença, aumento as penas anteriores de um sexto (1/6), resultando-as em cinco (05) anos e dez (10) meses de reclusão e quinhentos e oitenta e três (583) dias-multa. Tendo reconhecido a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4.º, da Lei 11.343/2006, em face das considerações feitas linhas acima, reduzo as penas anteriores de metade (1/2), tornando-as concretas e definitivas em dois (02) anos e onze (11) meses de reclusão e duzentos e noventa e um (291) dias-multa.
No tocante ao abrandamento do regime prisional no tráfico de drogas e substituição da pena corporal por restritiva de direitos, cumpre ressaltar que, por algum tempo, mantinha entendimento de que nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, por sua natureza hedionda, era inviável a fixação de outro regime que não fosse o fechado, tendo como incabível a substituição da pena por restritivas de direitos.
Depois, de muito refletir, cheguei à conclusão de que, no tráfico de drogas, é possível o abrandamento do regime de cumprimento de pena e a sua substituição, quando reconhecida a causa especial de diminuição de pena prevista no § 4.º do artigo 33 da Lei 11.343/06.
Obviamente, tal possibilidade deve ser verificada no caso concreto, à luz dos moduladores do artigo 59 e seguintes do Código Penal, do artigo 42, da referida Lei e, ainda, se esse abrandamento é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Afinal, o preceito disposto no inciso XLVI, do artigo 5.º, da Constituição da República, que trata da individualização da pena, constitui garantia constitucional contida nas cláusulas pétreas, que não pode ser mitigada pelo legislador ordinário. A meu ver, o legislador quis mesmo privilegiar, no sentido estrito da palavra, aquele traficante primário, de bons antecedentes, que não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa, aplicando-lhe uma pena diminuta, diria mesmo absurda, se comparada, por exemplo, com o crime de furto. Ora, se a vontade do legislador foi a de privilegiar o traficante que preencha tais requisitos, sem se preocupar com gravidade abstrata do crime, não faz sentido recrudescer a situação do réu que, por causa da incidência da aludida cláusula de diminuição, recebeu uma pena pequena, para impor-lhe o regime inicial fechado e não proceder à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Penso que a lei, ao criar tal causa de diminuição de pena, visou, nitidamente, a permitir que pessoas nessas condições não sofressem suas rigorosas sanções, destinando estas aos chamados "grandes traficantes de droga".
Neste egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a questão foi pacificada pelo incidente de uniformização de jurisprudência 1.0145.09.558174-3/003 onde se acolheu o incidente, reconhecendo-se a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e fixação do regime de cumprimento de pena mais brando quando reconhecida a causa de diminuição de pena:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - TRÁFICO DE DROGAS "PRIVILEGIADO" - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS - REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA MAIS BRANDO - POSSIBILIDADE. (TJMG - Incidente de Uniformização de Jurisprudência - 1.0145.09.558174-3/003 - Rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel - 23.09.2011)
A tudo isso se soma o fato de que, em 16.02.2012, o Senado Federal publicou a Resolução n.º 05 de 2012, que dispõe:
É suspensa a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus n.º 97.256/RS.
Feitas essas considerações e, considerando o quantum da pena privativa de liberdade aplicada (02 anos e 11 meses de reclusão) e que o sentenciado atende aos requisitos exigidos no artigo 33, § 2.º, "c", e § 3.º, do Código Penal, imponho o regime inicial aberto para cumprimento da sanção imposta, que entendo necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
No que tange à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pelos motivos acima expostos e, em face das condições pessoais do apelante (primário, bons antecedentes, não há prova que se dedica a atividades criminosas e nem integra organização criminosa), substituo a pena privativa de liberdade (02 anos e 11 meses de reclusão) por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo, à entidade pública ou privada com destinação social, ficando a implementação de tais penas a cargo do Juízo da execução penal.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, para reduzir as penas do apelante para dois (02) anos e onze (11) meses de reclusão e duzentos e noventa e dois (291) dias-multa, em regime aberto, substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos, e, de ofício, absolvo o apelante da conduta prevista no artigo 12 da Lei n.º 10.826/03, com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.
A prevalecer este entendimento na douta Turma Julgadora, comunique-se, com urgência, independentemente da publicação e do trânsito em julgado do v. acórdão, ao MM. Juiz da Execução para designar audiência admonitória, estabelecendo as condições pra o cumprimento das penas restritivas de direitos, colocando, em seguida, o apelante em liberdade, se por outro não motivo não estiver preso.
Custas nos termos definidos na sentença.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL e PAULO CÉZAR DIAS.
SÚMULA :      RECURSO PROVIDO EM PARTE, COM RECOMENDAÇÃO.

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