EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL –
ROUBO SIMPLES – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – CONDENAÇÃO MANTIDA –
DOSIMETRIA – REPAROS – PENAS-BASE REDUZIDAS – ATENUANTE INOMINADA DO ART. 66 DO
CP – INAPLICABILIDADE – REGIME CARCERÁRIO – ABRANDAMENTO – RECURSO PROVIDO EM
PARTE.
I - Evidenciado o excesso de
rigor na dosagem das penas-base, imperiosa é a revisão do processo dosimétrico,
reduzindo-se as sanções impostas.
II - Tendo sido a ré apenada com
sanção corporal igual a 4 (quatro) anos, sendo as circunstâncias judiciais do
art. 59 do CP, preponderantemente favoráveis à ela, bem como não se tratando de
indivíduo reincidente, imperiosa a aplicação do art. 33, § 2°, “c”, e § 3°, do
CP, abrandando-se o regime carcerário para o aberto.
III - Recurso provido em parte.
Apelação Criminal
Nº 1.0443.11.003058-4/001 - COMARCA DE Nanuque - Apelante(s): KAMILA NUNES ALMEIDA -
Apelado(a)(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - Vítima: DANIELA
APARECIDA RODRIGUES DE SOUZA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA
CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da
ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO
RECURSO, DETERMINANDO A EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À ORIGEM.
Belo Horizonte, 11 de julho de 2012.
DES. EDUARDO BRUM
Relator.
Des. Eduardo Brum (RELATOR)
V O T O
Kamila Nunes Almeida, já qualificada nos autos, foi denunciada na
1ª Vara da Comarca de Nanuque, como incursos nas sanções dos artigos 157, caput, do Código Penal, acusada de ter,
no dia 17 de julho de 2011, por volta das 19h40, na Rua Juiz de Fora, n° 236,
Centro, subtraído aproximadamente a quantia de R$ 12,00 (doze reais), da vítima
Daniela Aparecida Rodrigues de Souza, que estava no caixa do estabelecimento
comercial Sétima Arte Locadora de Vídeos. De acordo com a exordial, durante a
prática criminosa, Kamila se utilizou de um pedaço de madeira pontiagudo (fls.
2/3).
Encerrada a instrução criminal, o MM. Juiz de Direito julgou
procedente a denúncia, condenando a ré às penas de 4 (quatro) anos e 7 (sete)
meses de reclusão, em regime inicial fechado, vedados quaisquer benefícios,
além de 80 (oitenta) dias-multa, fixado o valor unitário em 1/30 do salário
mínimo vigente ao tempo dos fatos (fls. 102/108).
Intimações às fls. 122v..
Irresignada, a defesa técnica recorreu (fls. 130.), apresentando
posteriores razões em que pede a revisão do cálculo dosimétrico. Pugna pela
redução das sanções primárias para os mínimos legais, pela incidência da
atenuante inominada do art. 66, do Código Penal, e pelo abrandamento do regime
prisional para o aberto (fls. 131/139).
Contrarrazões às fls. 140/150 pela manutenção integral da r.
sentença combatida.
O parecer da douta Procuradoria de Justiça é pelo não provimento
do recurso (fls. 159/163).
Conheço do inconformismo, presentes os pressupostos de
admissibilidade.
A materialidade está devidamente comprovada pelo Boletim de
Ocorrência de fls. 12/17, APFD de fls. 4/9 e auto de apreensão de fls. 22.
A autoria é também induvidosa, pois a ré confessou a prática do
delito (fls. 9 e 98/99), estando sua auto-incriminação corroborada pela palavra
da vítima (fls. 7/8 e 93/94), pelos depoimentos dos policiais militares que
prenderam os agentes em flagrante (fls. 5, 6, 96 e 97) e da testemunha civil
Patrícia de Jesus Botelho (fls. 95).
Sequer há irresignação defensiva quanto a esses aspectos, devendo
ser mantida a condenação.
Relativamente ao pleito de redução das sanções, razão assiste à
defesa.
Afinal, a culpabilidade da acusada não se mostrou digna de maior
reprovação, nada tendo ocorrido de excepcional que justifique a elevação das
penas-base. Trata-se de ré primária e sem antecedentes (CAC de fls. 44), não
havendo nos autos elementos concretos que permitam avaliar negativamente sua conduta
pessoal e personalidade. As circunstâncias e consequências acabaram não sendo
graves e o comportamento da vítima foi irrelevante.
Tem-se, pois, que somente uma das circunstâncias do art. 59, do
CP foi desfavorável à ré, qual seja, o motivo do crime. Segundo confessado, o
dinheiro proveniente do roubo serviria para comprar drogas.
Nesse contexto, e tendo em conta o teor da Súmula Criminal nº 43
deste eg. TJMG, segundo a qual “se o réu
é primário e de bons antecedentes, a pena deve tender para o mínimo legal”,
fixo as reprimendas básicas da acusada em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de
reclusão e 20 (vinte) dias-multa.
Na segunda etapa da dosagem, por força da atenuante da confissão
espontânea, reconduzo as sanções aos mínimos de 4 (quatro) anos de reclusão e
10 (dez) dias-multa.
Busca a defesa a aplicação da atenuante inominada do art. 66 do
CP, pois “(...) deve-se aplicar ao Estado
uma sanção pela sua inércia, pela forma como desampara os necessitados, os
marginalizados, abandonando-os à própria sorte quando deveria supri-los de
todas as necessidades básicas (...)”.
Sem razão.
Como bem salientou a douta Promotora de Justiça em contrarrazões:
“(...) Em relação ao princípio da co-culpabilidade, não se
evidencia dos autos responsabilidade solidária do Estado ou da sociedade a
ponto de atenuar a pena, nos termos do art. 66, do CP.
Tal princípio não pode ser apanágio para a minoração de toda
a criminalidade. Somente tem aplicação quando presentes situações que realmente
evidenciem parcela de responsabilidade social. (...)” (fls. 146/147).
Em idêntico sentido, destaco posicionamento doutrinário:
“(...) Ainda que se possa concluir que o Estado deixa de
prestar a devida assistência à sociedade, não é por isso que nasce qualquer
justificativa ou amparo para o cometimento de delitos, implicando em fator de
atenuante da pena. Aliás, fosse assim, existiriam muitos outros ‘co-culpáveis’
na rota do criminoso, como os pais que não cuidaram bem do filho ou o colega na
escola que humilhou o companheiro de sala, tudo a fundamentar a aplicação da
atenuante do art. 66 do Código Penal, vulgarizando-a. Embora os exemplos
narrados possam ser considerados como fatores de impulso ao agente para a
prática de uma infração penal qualquer, na realidade, em última análise,
prevalece a sua própria vontade, não se podendo contemplar tais circunstâncias
como suficientemente relevantes para aplicar a atenuante (...)” (NUCCI,
Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ª ed. rev. atual. ampl., São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 216-217).
No caso dos autos, ademais, a defesa não comprovou que a ré não
tenha tido oportunidades na vida, sendo “vítima” das mazelas sociais do país.
De todo modo, ainda que houvesse tal prova nos autos, trata-se de tese
doutrinária controversa que não vem sendo acolhida neste eg. TJMG.
Confira-se:
“As condições sócio-econômicas do país não têm o condão de
justificar a prática de atos delituosos, sob pena de se instaurar o completo
caos na sociedade, já que os menos favorecidos que, infelizmente, compõem a
grande maioria da população estariam autorizados a praticar crimes sob esta
escusa. Portanto, incabível a redução de pena com base no Princípio da
Co-culpabilidade do Estado, mormente quando constatado que sequer alegou o réu
qualquer justificativa no sentido de ter cometido os delitos por se encontrar
em situação aflitiva” (TJMG. 2ª Câmara Criminal. Apelação nº
1.0105.08.251047-7/001. Rel. Des. Vieira de Brito. j. 18.06.2007, publ.
20.07.2007).
“A co-culpabilidade do Estado, à consideração de falha no
provimento das necessidades básicas do cidadão, não autoriza o reconhecimento
da atenuante genérica” (TJMG. 4ª Câmara Criminal. Apelação nº
1.0686.06.184517-4/001. Rel. Des. Júlio Cezar Guttierrez. j. 30.09.2009, publ.
21.10.2009).
“Sem ignorar as reais desigualdades sócio-culturais
existentes em nosso país, reconhecendo o crime como fato social que é, não há
como minorar a situação do agente pelo reconhecimento da atenuante genérica da
co-culpabilidade da sociedade, pois as desigualdades econômicas não autorizam a
desobediência às normas legais, nem podem servir de justificativa para aqueles
que insistem em lesar o patrimônio alheio” (TJMG. 3ª Câmara Criminal. Apelação
nº 1.0384.06.048927-3/001. Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos. j. 24.03.2009,
publ. 29.04.2009).
Finalmente, considerando que as sanções já se encontram nos
mínimos legais, não haveria como fazer a incidência da coculpabilidade, uma vez
que isto levaria as penas a patamares inferiores aos pisos cominados, o que é
vedado (Súmula n° 231 do STJ).
Não há agravantes, causas de diminuição ou aumento de penas.
Fica Kamila Nunes Almeida, portanto, submetida às sanções
definitivas de 4 (quatro) anos de reclusão, além de 10 (dez) dias-multa.
A unidade do dia-multa permanece estabelecida em 1/30 do salário
mínimo vigente ao tempo dos fatos.
Relativamente ao regime prisional, novamente com razão a
combativa defesa, uma vez que a apelante preenche os requisitos para
beneficiar-se do regime aberto. É primária, sem antecedentes desabonadores, e
foi condenada a uma pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos de reclusão.
A teor do disposto no artigo 33, § 2º, “c”, do Código Penal, o condenado não
reincidente, cuja pena seja igual
ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime
aberto.
Permanece vedada a substituição da pena privativa de liberdade
por restritivas de direitos, haja vista que o crime foi cometido com grave
ameaça à pessoa.
Nesses termos, dou provimento parcial ao recurso, tão-somente
para reduzir as sanções aplicadas à apelante e abrandar o regime carcerário
para a modalidade aberta. Nos demais aspectos, mantenho a r. sentença de
primeiro grau.
Custas na forma da lei, ficando a ré isenta do pagamento na forma
do art. 10, II, da Lei Estadual nº 14.939/03.
Oficiar, com urgência, para que as providências cabíveis em
eventual fase executória sejam tomadas na origem, caso prevaleça esta decisão.
Des. Júlio Cezar Guttierrez (REVISOR) - De acordo com o(a)
Relator(a).
Des. Herbert José Almeida Carneiro - De acordo com o(a)
Relator(a).
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