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sábado, 24 de maio de 2014

OUTRO CASO INTERESSANTE - SENTENÇA COM CONTORNOS KAFKIANOS

Processo
Apelação Criminal 1.0443.07.032755-8/001      0327558-22.2007.8.13.0443 (1)

Relator(a)
Des.(a) Herculano Rodrigues

Órgão Julgador / Câmara
Câmaras Criminais Isoladas / 2ª CÂMARA CRIMINAL

Súmula
REJEITARAM AS PRELIMINARES E, NO MÉRITO, DERAM PROVIMENTO. ALVARÁS DE SOLTURA

Comarca de Origem
Nanuque

Data de Julgamento
29/05/2008

Data da publicação da súmula
17/06/2008


EMENTA: ASSOCIAÇÃO E GUARDA DE MAQUINÁRIO UTILIZADO NO TRÁFICO. REEXAME DE PROVAS. NOTÍCIAS ACERCA DA ASSOCIAÇÃO DECORRENTE DE INVESTIGAÇÕES DA POLÍCIA FEDERAL QUE NÃO INTEGRAM OS AUTOS. DENÚNCIAS ANÔNIMAS. AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL DO MAQUINÁRIO APREENDIDO. DÚVIDAS ACERCA DO LOCAL DA APREENSÃO. PROVA COLIGIDA QUE DEMONSTRA A ORIGEM LÍCITA DO NUMERÁRIO ARRECADADO. INSUFICIÊNCIA DA PROVA PARA JUSTIFICAR UMA CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. - Se a prova é insuficiente para condenação dos réus pelo crime de associação estável, consistente em denúncia anônima e notícia de investigação da Polícia Federal que não integra os autos, havendo indícios de origem lícita do numerário arrecadado, impõe-se a absolvição dos recorrentes.- A condenação pela posse de maquinário utilizado para o tráfico não pode subsistir diante da ausência de prova pericial e de elementos concretos de que fosse o mesmo realmente usado no preparo de entorpecentes.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0443.07.032755-8/001 - COMARCA DE NANUQUE - APELANTE(S): MARCOS TAVARES FREITAS,MARCIO TAVARES FREITAS - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. HERCULANO RODRIGUES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR AS PRELIMINARES E, NO MÉRITO, DAR PROVIMENTO. ALVARÁS DE SOLTURA.

Belo Horizonte, 29 de maio de 2008.

DES. HERCULANO RODRIGUES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES:

VOTO

Na 1ª Vara da Comarca de NanuqueMarcos Tavares Freitas e Márcio Tavares Freitas, já qualificados, foram denunciados incursos nas sanções dos artigos 33, 34 e 35, todos da Lei nº 11.343/06 porque, segundo a denúncia, em 27 de março de 2007, na Rua Santa Luzia, nº 208, bairro Getúlio Vargas, policiais militares apreenderam em poder de Márcio uma prensa, tratando-se de maquinário utilizado para a preparação de drogas, além de mala contendo borra de café utilizada para ocultar entorpecentes e, na residência de Marcos, foi apreendida a quantia de R$ 6.800,00 (Seis mil e oitocentos Reais), cuja origem não foi demonstrada, tratando-se de fruto da mercancia ilícita.

Consta, ainda, que na residência do co-denunciado Paulo Júnior Santiago, policiais arrecadaram certa quantidade de substância entorpecente, que ele guardava para fins comerciais.

Por fim, narra que MárcioMarcos e Paulo se associaram de forma estável para o exercício do tráfico.

Ao final da instrução, foram Márcio e Marcos absolvidos em relação ao crime de tráfico, e foram condenados incursos nas sanções dos arts. 34 e 35 da Lei nº 11.343/06, apenados, ambos, com 07 (sete) anos de reclusão, em regime fechado, e 2.300 (dois mil e trezentos) dias-multa, no valor unitário mínimo.

O processo foi desmembrado em relação ao co-denunciado Paulo Júnior Santiago, ff. 157/158.

Irresignados, recorreram os réus, apresentando razões em conjunto, articulando preliminares de nulidade por ausência de fundamentação em relação à manutenção dos recorrentes na prisão e por negativa de prestação jurisdicional, ao fundamento de que a sentença não analisou a totalidade das teses da defesa.

No mérito, pedem suas absolvições, em relação a ambos os crimes e, alternativamente, a fixação das penas no mínimo legal e a modificação do regime prisional, com a retirada do caráter hediondo dos crimes.

As contra-razões e o parecer da Procuradoria de Justiça abraçam as conclusões da sentença.

No essencial, é o relatório.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.

A preliminar de ausência de fundamentação no tocante à manutenção dos recorrentes no cárcere não tem o condão de nulificar o feito, sendo questão relativa ao "status libertatis" dos recorrentes, atacável pela via do Habeas Corpus, não constituindo questão prejudicial da validade da sentença como provimento judicial.

Ainda que assim não fosse, o que se tem é que o sentenciante justificou a negativa do direito de recorrer em liberdade com base no fato de os apelantes terem respondido ao processo presos, em razão de preventiva, invocando a Súmula nº 07 do nosso Grupo de Câmaras Criminais, não havendo falar em ausência de fundamentação.

Rejeito a preliminar.

Sustentam os apelantes que deixou a sentença de analisar a totalidade das teses defensivas expostas nas alegações finais, no entanto, não cuidaram de apontar no recurso qual a tese alegada e não apreciada, limitando-se a remeter ao conteúdo das razões derradeiras.

Da leitura atenta das alegações finais de ff. 289/326 e 328/343, em confronto com a sentença de ff. 397/411, não se vê qualquer alegação ou matéria que não tenha sido respondida na decisão, cuidando o Juiz de proferir a sentença com base no seu livre convencimento motivado acerca dos fatos e das provas dos autos.

Saliente-se, ainda, que a matéria de defesa é inteiramente focada na apreciação da prova, tendo sido reproduzida nas razões recursais, não se verificando qualquer omissão de molde a caracterizar negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista, ainda, que os recorrentes foram absolvidos em relação ao crime de tráfico.

Rejeito a preliminar.

Exsurge dos autos que o co-denunciado Paulo Júnior Santiago era investigado pela Polícia Federal em razão da suposta prática de tráfico de drogas, tendo os federais solicitado auxílio aos milicianos locais, que passaram a investigar o co-réu, verificando que o mesmo costumava estar na companhia dos ora recorrentes.

Em seguida, apurou-se ser intenso o movimento de mototaxistas nas residências de Paulo, Márcio e Marcos, tendo o flagrante sido efetivado com a participação de dois policiais federais enviados especialmente, tudo nos termos do Auto de Prisão de ff. 06/11 e do Relatório de ff. 94/95.

Os autos do inquérito revelam que apenas na casa ocupada por Paulo Júnior Santiago foi apreendida droga, e que na casa deMárcio Tavares Freitas foi encontrada uma prensa, provavelmente utilizada para prensar entorpecentes, além de uma mala com borra de café, destinada a enganar o cheiro da droga e despistar cães policiais, possibilitando o transporte.

E ainda, na residência de Marcos Tavares Freitas foi apreendida a quantia de R$ 6.800,00 (Seis mil e oitocentos Reais) em espécie.

Em Juízo, às ff. 108/110, o réu Márcio informou que, de fato, conheceu o denunciado Paulo Júnior em razão de serviços de mototaxi prestados, ajudando-o a encontrar uma casa para alugar na cidade, negando a propriedade da aludida prensa, alegando que a mesma "já veio com a Polícia em cima do carro;", (sic. f. 109), bem como a associação com o co-réu e o exercício da traficância.

Disse, ainda, que a mala arrecadada pertencia a sua esposa, mas que desconhece a existência de borra de café na mesma.

Por sua vez, o réu Marcos Tavares Freitas, às ff.111/113, negou a integralidade da imputação delituosa, inclusive o conhecimento com Paulo, alegando que o dinheiro encontrado em sua residência é proveniente de negócios de compra e venda de veículos que habitualmente realiza.

O policial Antônio Valeriano, às ff. 193/194, além de confirmar os termos do flagrante, declarou que recebeu notícias dos federais de que Márcio e Marcos também eram traficantes, e que tinha conhecimento de varias denúncias anônimas contra eles.

Informou também que eram constantes as visitas de mototaxis, carros e populares nas casas dos réus, e que os visitantes ficavam pouco tempo e saiam, sendo que os três denunciados andavam sempre juntos.

Geovane Braz de Souza, às ff. 195/196, declarou ter conhecimento, através de denúncias, de que os réus praticavam o tráfico, tendo participado da apreensão da prensa e do dinheiro.

Adaildo Alves Nascimento, também policial, às ff. 197/198, disse ter sido informado pelos policiais federais acerca do exercício do tráfico pelos apelantes, tendo participado da campana na casa de Marcos bem como do encontro da prensa, que estava guardada em um cômodo anexo a casa.

Após atento exame da prova e cuidadosa ponderação, tenho que o desfecho a ser dado ao caso é diverso daquele contido na sentença, sendo caso de se absolver os réus em relação a ambos os crimes.

Em primeiro lugar, tem-se que a condenação de Marcos no crime do art. 34 da Lei nº 11.343/06 tem contornos kafkianos, uma vez que a mencionada prensa, supostamente utilizada para prensar drogas, não estava em sua residência, não tendo praticado qualquer das condutas descritas no tipo penal.

Ainda que assim não fosse, embora os Autos de Flagrante e Apreensão, bem como os depoimentos dos policiais tragam notícias acerca da arrecadação da prensa, não há no processo prova pericial do maquinário, sendo desconhecidos seu tamanho, formato, espessura e forma de manuseio, impossível, portanto, afirmar de maneira clara e induvidosa fosse a mesma realmente utilizada na prensagem de drogas.

Ademais, a testemunha Joaquim José de Andrade, às f. 07/08 e 199, declarou que a prensa não foi apreendida na residência, tendo chegado ao local em cima de um veículo camionete.

Assim, outra alternativa não há senão absolver ambos os recorrentes em relação ao crime do art. 34 da Lei nº 11.343/06.

Quanto ao delito de associação para o tráfico, o que se tem é que a notícia acerca da mercancia ilícita veio a partir do contato com policiais federais que objetivavam a prisão do co-denunciado Paulo.

Em Juízo, o réu Márcio admitiu conhecimento prévio com o traficante procurado, afirmando que o auxiliou na busca de uma casa. Contudo, a meu aviso, não há nos autos qualquer outro elemento capaz de evidenciar a existência de uma relação estável entre eles e orientada para a traficância.

Conforme cediço, meras denúncias anônimas, por si sós, não são suficientes para comprovar a prática do delito, tampouco a mera informação acerca do fluxo de pessoas nas casas de ambos.

Ademais, os depoimentos coligidos às ff. 199, 200, 201, 202, 204, 205 contestam tal informação, colocando em cheque a suspeita sobre a venda de drogas nas residências.

Inexiste nos autos qualquer prova, seja documental, testemunhal ou via interceptação telefônica que comprove a associação delituosa entre os réus, afora o fato de serem Márcio e Marcos irmãos.

Em relação à quantia em dinheiro encontrada na casa de Marcos, o mesmo afirmou ser fruto de negócios de compra e venda de veículos.

Ora, se por um lado não há prova de que o dinheiro tivesse origem no tráfico de drogas, a documentação de ff. 127/135 e os depoimentos de ff. 202, 205 e 206 constituem fortes indícios de que a justificativa do recorrente é mesmo verdadeira.

Portanto, nada há de concreto no sentido de que os denunciados estavam previamente ajustados em associação estável para a prática de tráfico, sendo que a afirmação dos policiais participantes do flagrante neste sentido não é suficiente para autorizar a condenação, uma vez que a origem da notícia é investigação feita pela Polícia Federal, cujo teor não integra estes autos.

Aqui, não se está a desmerecer os depoimentos dos policiais, no entanto, suas declarações não encontram amparo no restante da prova, não podendo fundamentar uma decisão condenatória, que exige provas firmes e induvidosas do fato delituoso e, neste passo, o melhor é absolver, forte no princípio "in dúbio pro reo".

Assente o exposto, dou provimento ao recurso para absolver Marcos Tavares Freitas e Márcio Tavares Freitas em relação aos crimes dos arts. 34 e 35 da Lei nº 11.343/06, nos termos do art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

Expeça-se Alvará de Soltura em relação aos recorrentes, bem como Alvará para liberação da quantia em dinheiro pertencente aMárcio Tavares Freitas.

Custas de lei.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES e HYPARCO IMMESI.

SÚMULA : REJEITARAM AS PRELIMINARES E, NO MÉRITO, DERAM PROVIMENTO. ALVARÁS DE SOLTURA.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0443.07.032755-8/001 

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